Vou dar uma descansada nas próximas semanas. Portanto, feliz Natal e excelentes agitos no Ano Novo a todos os amigos deste Cadafalso!!!!
20.12.02
19.12.02
Mais um conto junto com minha short-story partner!
Lingerie
André Machado e Crib Tanaka
Estavam os dois na seção de lingerie. Ela já olhara para ele e estava com vontade de dar uma risada. Ele tivera aquela idéia maluca de comprar um conjunto ousado para a mulher (era o que se dizia) e agora não sabia onde se esconder do olhar dela. Sentia a vermelhidão nas faces subir como um turbilhão. Foi quando ouviram um apito e gritos de outros fregueses, que saíram correndo da loja.
Ela foi até o caixa mais próximo perguntar o que estava acontecendo. Ele preferiu ignorar tudo e virou-se de costas.
-- O tráfico está passando aí e mandando fechar as lojas -- cacarejou a caixa, fechando atabalhoadamente sua máquina e dando no pé com a bolsa a tiracolo.
Ela olhou para a entrada e viu três homens bem-vestidos portando escopetas. Um apontava para o gerente.
-- Fecha aí senão a gente esculacha! -- vociferou.
A loja já estava quase vazia e as portas, quase totalmente baixadas. Ela hesitou entre ir até lá e voltar para avisar seu "vizinho" da seção de lingerie.
Foi o bastante para trancarem tudo e deixarem os dois às escuras, sozinhos, no exato momento em que ele se dera conta do "bonde" e, correndo, esbarrou com ela no meio do caminho. Ambos caíram sentados no chão e se viram ali, na penumbra, enquanto o efeito do ar-condicionado passava e o calor se fazia cada vez mais presente.
Ele ficou com uma perna esticada; a outra, flexionada, servindo de apoio ao corpo, não sentia nada. O tipo de nada que sobrevém quando milhares de sentimentos circulam freneticamente. Medo, suspense e impotência diante daquela situação onde absolutamente nada poderia ser feito.
Ela ficou ajeitando o vestido e os cabelos. Ria da calcinha vermelha que ele segurava.
-- A noite vai ser boa, né?
Ele, sem graça e acuado diante da pergunta dela, tentava disfarçar a vergonha. Desde pequeno fora educado tradicionalmente. A imagem de sua mãe lhe veio à cabeça. Italiana, num vestido florido e longos cabelos ainda negros, depois de tantos anos. O dedo esticado lhe dando uma bronca por estar com uma calcinha (vermelha) na mão.
Não respondeu nada.
-- Desculpe se o incomodei com a pergunta. É que acho que vamos passar horas aqui dentro. Meu nome é Lara. Comecei a trabalhar aqui hoje e, se já estava perdida antes, imagine agora...
Ela sorriu amarelo e acendeu um cigarro. Ele tossiu, abanando a própria boca.
-- Não tem medo de morrer, não? -- disse, por fim.
-- Tenho medo de morrer velha.
Andando pela loja, ela descobriu o estoque e logo voltou com uma caixa de microcalcinhas de renda, sutiãs transparentes, meias 7/8 brancas.
-- Olhe, vai ver acha alguma coisa interessante por aqui.
Ele afastou a caixa, meio irritado com aquela intimidação. Ela riu com os olhos e pôs a caixa em cima do balcão. Abria os saquinhos de plástico com cuidado, enquanto se olhava no espelho.
-- Licença. -- E logo a cortina do provador fechou-se.
Ele manteve-se impassível.
Ela saiu e pôs algumas peças dentro da bolsa.
-- Veste bem esse aqui, mas não gosto da cor. Leva para ela.
O sutiã branco de algodão caiu no colo dele.
-- Eu estava procurando alguma coisa mais colorida.
-- Olha esse então. -- E voou uma calcinha grande, verde-piscina.
-- Não, essa cor é feia.
Por fim ela jogou em cima dele um espartilho preto, com transparências entremeadas e flores de veludo recortadas minuciosamente. Ele guardou dentro da pasta sem dizer nada.
-- Esse ficou muito bem em mim -- comentou ela.
Em seguida, acendeu outro cigarro. Sentou-se encostada ao balcão, de lado para ele.
-- É para quem?
A porta abriu e a polícia entrou, vociferando "sai, sai!" Eles se levantaram correndo, assustados com a agressividade.
Tomaram caminhos diferentes e só perceberam isso quase chegando às esquinas opostas.
Foi o tempo de ela se virar e ele dizer, só mexendo a boca, sem emitir um som: "é para mim".
Lingerie
André Machado e Crib Tanaka
Estavam os dois na seção de lingerie. Ela já olhara para ele e estava com vontade de dar uma risada. Ele tivera aquela idéia maluca de comprar um conjunto ousado para a mulher (era o que se dizia) e agora não sabia onde se esconder do olhar dela. Sentia a vermelhidão nas faces subir como um turbilhão. Foi quando ouviram um apito e gritos de outros fregueses, que saíram correndo da loja.
Ela foi até o caixa mais próximo perguntar o que estava acontecendo. Ele preferiu ignorar tudo e virou-se de costas.
-- O tráfico está passando aí e mandando fechar as lojas -- cacarejou a caixa, fechando atabalhoadamente sua máquina e dando no pé com a bolsa a tiracolo.
Ela olhou para a entrada e viu três homens bem-vestidos portando escopetas. Um apontava para o gerente.
-- Fecha aí senão a gente esculacha! -- vociferou.
A loja já estava quase vazia e as portas, quase totalmente baixadas. Ela hesitou entre ir até lá e voltar para avisar seu "vizinho" da seção de lingerie.
Foi o bastante para trancarem tudo e deixarem os dois às escuras, sozinhos, no exato momento em que ele se dera conta do "bonde" e, correndo, esbarrou com ela no meio do caminho. Ambos caíram sentados no chão e se viram ali, na penumbra, enquanto o efeito do ar-condicionado passava e o calor se fazia cada vez mais presente.
Ele ficou com uma perna esticada; a outra, flexionada, servindo de apoio ao corpo, não sentia nada. O tipo de nada que sobrevém quando milhares de sentimentos circulam freneticamente. Medo, suspense e impotência diante daquela situação onde absolutamente nada poderia ser feito.
Ela ficou ajeitando o vestido e os cabelos. Ria da calcinha vermelha que ele segurava.
-- A noite vai ser boa, né?
Ele, sem graça e acuado diante da pergunta dela, tentava disfarçar a vergonha. Desde pequeno fora educado tradicionalmente. A imagem de sua mãe lhe veio à cabeça. Italiana, num vestido florido e longos cabelos ainda negros, depois de tantos anos. O dedo esticado lhe dando uma bronca por estar com uma calcinha (vermelha) na mão.
Não respondeu nada.
-- Desculpe se o incomodei com a pergunta. É que acho que vamos passar horas aqui dentro. Meu nome é Lara. Comecei a trabalhar aqui hoje e, se já estava perdida antes, imagine agora...
Ela sorriu amarelo e acendeu um cigarro. Ele tossiu, abanando a própria boca.
-- Não tem medo de morrer, não? -- disse, por fim.
-- Tenho medo de morrer velha.
Andando pela loja, ela descobriu o estoque e logo voltou com uma caixa de microcalcinhas de renda, sutiãs transparentes, meias 7/8 brancas.
-- Olhe, vai ver acha alguma coisa interessante por aqui.
Ele afastou a caixa, meio irritado com aquela intimidação. Ela riu com os olhos e pôs a caixa em cima do balcão. Abria os saquinhos de plástico com cuidado, enquanto se olhava no espelho.
-- Licença. -- E logo a cortina do provador fechou-se.
Ele manteve-se impassível.
Ela saiu e pôs algumas peças dentro da bolsa.
-- Veste bem esse aqui, mas não gosto da cor. Leva para ela.
O sutiã branco de algodão caiu no colo dele.
-- Eu estava procurando alguma coisa mais colorida.
-- Olha esse então. -- E voou uma calcinha grande, verde-piscina.
-- Não, essa cor é feia.
Por fim ela jogou em cima dele um espartilho preto, com transparências entremeadas e flores de veludo recortadas minuciosamente. Ele guardou dentro da pasta sem dizer nada.
-- Esse ficou muito bem em mim -- comentou ela.
Em seguida, acendeu outro cigarro. Sentou-se encostada ao balcão, de lado para ele.
-- É para quem?
A porta abriu e a polícia entrou, vociferando "sai, sai!" Eles se levantaram correndo, assustados com a agressividade.
Tomaram caminhos diferentes e só perceberam isso quase chegando às esquinas opostas.
Foi o tempo de ela se virar e ele dizer, só mexendo a boca, sem emitir um som: "é para mim".
17.12.02
Historieta de Natal
Levantou-se. As costelas protestaram. Ainda fazia um friozinho lá fora, mas logo o calor insuportável tomaria seu lugar. Pegou o saco, que encontrara numa lixeira do prédio do BNDES há muitos verões, e que pretendia usar como cobertor, até que viu um carrinho no fundo dele na manhã seguinte e o dera para o filho no Natal daquele ano. Nunca questionara a propriedade multiplicadora do saco. Achava que era porque vinha do governo. Um subsídio que eles não entenderiam. Riu sozinho.
Esquentou o café na caneca surrada. Tragou-o puro, chamejante. Por fim acordou.
Ainda mastigando o pão de ontem com uma bitoca de manteiga, saiu e atrelou o Nicolau à carroça. Nicolau era um burro valente, capaz de agüentar o pior sol de Bangu. Vestiu a camiseta, pôs a velha boina de recruta na cabeça e começou o sacolejo em direção à saída da favela.
Passou o dia distribuindo discretamente presentes às crianças largadas nos sinais, aos adolescentes nos reformatórios, às mães sujas com bebês no colo sob as marquises. O saco funcionou fielmente mais uma vez.
O sol começou a cair e Nicolau já estava subindo a ladeira. Levou a carroça sozinho nos últimos metros, já que ele saltou na birosca. Encheu a cara de cachaça. Só comeu uns salaminhos com cara de safados.
Já de porre o suficiente para ferrar no sono, cambaleou até o barraco.
Nunca mais aquela neve nojenta, pensou.
Nunca mais aqueles duendes babacas.
Nunca mais aquelas renas teimosas.
Demorô.
Quem estaria lá, em seu lugar? Provavelmente o pessoal do marketing. Do marketing e da papelada. Aqueles que sabem tudo sobre sinergia, downsizing, fidelização, o c%$#@&*. Mas não entendem nada de noites felizes, porque são criaturas solitárias.
Pare de pensar nisso, ordenou-se. Caiu na cama improvisada; seu pé esbarrou na mesinha e um passaporte encardido foi ao chão.
Um raio de luar bateu na página onde estava o carimbo DEPORTADO, escrito em inuit, como o "Motivo da deportação: insistência em passar a dar presentes somente às crianças pobres, deixando para os pais mais aquinhoados a tarefa de comprar os de seus filhos. Desacato à Autoridade Celestial Suprema."
Autoridade... bah.
Dormiu o sono dos justos.
Levantou-se. As costelas protestaram. Ainda fazia um friozinho lá fora, mas logo o calor insuportável tomaria seu lugar. Pegou o saco, que encontrara numa lixeira do prédio do BNDES há muitos verões, e que pretendia usar como cobertor, até que viu um carrinho no fundo dele na manhã seguinte e o dera para o filho no Natal daquele ano. Nunca questionara a propriedade multiplicadora do saco. Achava que era porque vinha do governo. Um subsídio que eles não entenderiam. Riu sozinho.
Esquentou o café na caneca surrada. Tragou-o puro, chamejante. Por fim acordou.
Ainda mastigando o pão de ontem com uma bitoca de manteiga, saiu e atrelou o Nicolau à carroça. Nicolau era um burro valente, capaz de agüentar o pior sol de Bangu. Vestiu a camiseta, pôs a velha boina de recruta na cabeça e começou o sacolejo em direção à saída da favela.
Passou o dia distribuindo discretamente presentes às crianças largadas nos sinais, aos adolescentes nos reformatórios, às mães sujas com bebês no colo sob as marquises. O saco funcionou fielmente mais uma vez.
O sol começou a cair e Nicolau já estava subindo a ladeira. Levou a carroça sozinho nos últimos metros, já que ele saltou na birosca. Encheu a cara de cachaça. Só comeu uns salaminhos com cara de safados.
Já de porre o suficiente para ferrar no sono, cambaleou até o barraco.
Nunca mais aquela neve nojenta, pensou.
Nunca mais aqueles duendes babacas.
Nunca mais aquelas renas teimosas.
Demorô.
Quem estaria lá, em seu lugar? Provavelmente o pessoal do marketing. Do marketing e da papelada. Aqueles que sabem tudo sobre sinergia, downsizing, fidelização, o c%$#@&*. Mas não entendem nada de noites felizes, porque são criaturas solitárias.
Pare de pensar nisso, ordenou-se. Caiu na cama improvisada; seu pé esbarrou na mesinha e um passaporte encardido foi ao chão.
Um raio de luar bateu na página onde estava o carimbo DEPORTADO, escrito em inuit, como o "Motivo da deportação: insistência em passar a dar presentes somente às crianças pobres, deixando para os pais mais aquinhoados a tarefa de comprar os de seus filhos. Desacato à Autoridade Celestial Suprema."
Autoridade... bah.
Dormiu o sono dos justos.
16.12.02
Coisas legais enviadas pelo C@t:
Um cartão de natal bonitinho, embora, como ele mesmo avise, com geografia trôpega ;-))
Uma boa gozação com os EUA.
Um cartão de natal bonitinho, embora, como ele mesmo avise, com geografia trôpega ;-))
Uma boa gozação com os EUA.
14.12.02
Minicontos do desconforto -- 41
O rosto dela se iluminou quando sua música favorita começou a soar pelas mãos do tecladista. A seu lado, percebendo que ela estava meio tristonha por trás do sorriso, um homem levantou-se e convidou-a para dançar. E dançaram ali no meio do calçadão mesmo, à vista das ondas do mar, que se desmanchavam de ciúme na areia.
No fim, o homem desapareceu tão misteriosamente quanto surgira. E ela também se sentiu estranhamente melhor. Súbito, não lembrava mais por que estava triste.
Ouviu um bater de grandes asas e olhou para cima. Só viu um vulto. Podia ser um gavião perdido, mas ele tinha patas alongadas demais... Algo caiu a seus pés. Uma pétala azul. Tomou-a nas mãos e ela se desmaterializou diante de seus olhos.
Então levou a mão ao coração. Entendeu que pegara de volta um pedacinho -- só um pedacinho -- da tristeza que a afligira. E compreendeu que o homem -- ou o que quer que fosse -- tinha levado todo o resto embora consigo.
O rosto dela se iluminou quando sua música favorita começou a soar pelas mãos do tecladista. A seu lado, percebendo que ela estava meio tristonha por trás do sorriso, um homem levantou-se e convidou-a para dançar. E dançaram ali no meio do calçadão mesmo, à vista das ondas do mar, que se desmanchavam de ciúme na areia.
No fim, o homem desapareceu tão misteriosamente quanto surgira. E ela também se sentiu estranhamente melhor. Súbito, não lembrava mais por que estava triste.
Ouviu um bater de grandes asas e olhou para cima. Só viu um vulto. Podia ser um gavião perdido, mas ele tinha patas alongadas demais... Algo caiu a seus pés. Uma pétala azul. Tomou-a nas mãos e ela se desmaterializou diante de seus olhos.
Então levou a mão ao coração. Entendeu que pegara de volta um pedacinho -- só um pedacinho -- da tristeza que a afligira. E compreendeu que o homem -- ou o que quer que fosse -- tinha levado todo o resto embora consigo.
13.12.02
Realmente, essa fase pré-governo do Lula está gerando enorme expectativa. Hoje vim ouvindo a conversa de uma senhora com o motorista do ônibus sobre a escolha do novo presidente do Banco Central, o tucano Henrique Meirelles. O motorista achava que Lula já estava pisando na bola; a senhora contrapunha que ele estava fazendo a coisa certa.
Numa coisa, porém, os dois concordaram: para eles, Fernando Henrique Cardoso esculhambou de vez a vida dos aposentados.
Para mim, é especialmente irritante ouvi-lo falar que Lula vai herdar um problemão como se ele não fosse o responsável, no fim das contas.
O que é mais odioso é saber que existe gente que despreza o pessoal do PT por suposta falta de qualidades "cosmopolitas". O Leonardo Pimentel reproduziu em seu blog texto do Clóvis Rossi, da Folha, em que se comenta a gozação de parte da comitiva de FH nos EUA com o fato de o futuro ministro da Fazenda, Antônio Palocci, não falar inglês, ao contrário do atual, Pedro Malan.
Essa mentalidade colonizada é horrenda. Então para governar bem o país um presidente precisa saber discursar em francês no Parlamento em Paris? Ou precisa um ministro ter inglês fluente para negociar com os donos da grana?
Tantas qualidades diplomáticas no governo que se vai não resolveram a questão social brasileira.
Numa coisa, porém, os dois concordaram: para eles, Fernando Henrique Cardoso esculhambou de vez a vida dos aposentados.
Para mim, é especialmente irritante ouvi-lo falar que Lula vai herdar um problemão como se ele não fosse o responsável, no fim das contas.
O que é mais odioso é saber que existe gente que despreza o pessoal do PT por suposta falta de qualidades "cosmopolitas". O Leonardo Pimentel reproduziu em seu blog texto do Clóvis Rossi, da Folha, em que se comenta a gozação de parte da comitiva de FH nos EUA com o fato de o futuro ministro da Fazenda, Antônio Palocci, não falar inglês, ao contrário do atual, Pedro Malan.
Essa mentalidade colonizada é horrenda. Então para governar bem o país um presidente precisa saber discursar em francês no Parlamento em Paris? Ou precisa um ministro ter inglês fluente para negociar com os donos da grana?
Tantas qualidades diplomáticas no governo que se vai não resolveram a questão social brasileira.
12.12.02
Eu bem que gostaria de dar uma viajada na semana do Natal, quando terei uma folguinha. Mas as contas estão apertadas neste mês de dezembro. Às vezes, quando leio a tirinha do Zé do Boné e vejo o personagem sentado no sofá com um monte de contas espalhadas ao redor, sinto-me plenamente identificado com ele. Como seria bom pôr um fim a todas as dívidas de uma vez. Gostaria que isso acontecesse em 2003. Preciso fazer uma boa simpatia para isso ;-))
As crianças devem passar o Natal no sítio da avó materna, que é um lugar perfeito para essas coisas. Já Wal e eu pensamos em dar uma fugidinha. Este ano completamos 15 anos de casamento em outubro e ainda não conseguimos parar para comemorar direito.
As crianças devem passar o Natal no sítio da avó materna, que é um lugar perfeito para essas coisas. Já Wal e eu pensamos em dar uma fugidinha. Este ano completamos 15 anos de casamento em outubro e ainda não conseguimos parar para comemorar direito.
10.12.02
9.12.02
Nova série (além dos Minicontos do desconforto e das Conversas ;-))...
Flashes -- I
Ele olhou para a baía. A cidade parecia feita de ouro maciço, tão delicada era a reflexão do sol nos poucos arranha-céus dispersos. O céu era de um azul ímpar, apenas maculado pelas gaivotas que voavam baixo, curiosas, observando os passantes no píer. Respirou fundo, sorveu mais um gole da Corona igualmente dourada à sua frente e provou uma colherada do espesso guisado de mariscos que pedira. Não era nenhum Proust, mas depois daquela colherada bem podia escrever um tratado sobre instantes perfeitos. Este era um, tinha certeza.
Flashes -- I
Ele olhou para a baía. A cidade parecia feita de ouro maciço, tão delicada era a reflexão do sol nos poucos arranha-céus dispersos. O céu era de um azul ímpar, apenas maculado pelas gaivotas que voavam baixo, curiosas, observando os passantes no píer. Respirou fundo, sorveu mais um gole da Corona igualmente dourada à sua frente e provou uma colherada do espesso guisado de mariscos que pedira. Não era nenhum Proust, mas depois daquela colherada bem podia escrever um tratado sobre instantes perfeitos. Este era um, tinha certeza.
2.12.02
28.11.02
Este post vai com antecedência porque estarei viajando a partir de amanhã. Volto semana que vem, a tempo para a festa.
Vou comemorar meus 40 anos dançando ao som de muito rock and roll. Também comemorará seu niver minha querida Alessandra Archer. A festa vai ser na semana que vem, sexta-feira, dia 6 de dezembro, na Spin, a partir de cerca de 22h30, onde o DJ será meu chapa Gustavo de Almeida, rocker dos bons. A Spin fica na rua Teixeira de Melo, 21, em Ipanema. É a primeira transversal logo que se chega na praia. O ingresso custa R$ 5, a consumação, R$ 7.
Vou comemorar meus 40 anos dançando ao som de muito rock and roll. Também comemorará seu niver minha querida Alessandra Archer. A festa vai ser na semana que vem, sexta-feira, dia 6 de dezembro, na Spin, a partir de cerca de 22h30, onde o DJ será meu chapa Gustavo de Almeida, rocker dos bons. A Spin fica na rua Teixeira de Melo, 21, em Ipanema. É a primeira transversal logo que se chega na praia. O ingresso custa R$ 5, a consumação, R$ 7.
Música animada para hoje! Yeah!
(...) All you need is your own imagination
So use it that's what it's for
(that's what it's for)
Go inside, for your finest inspiration
Your dreams will open the door
(open up the door)
It makes no difference
if you're black or white
If you're a boy or a girl
If the music's pumping
it will give you new life
You're a superstar, yes,
that's what you are, you know it
Come on, vogue
Let your body groove to the music
(groove to the music)
Hey, hey, hey
Come on, vogue
Let your body go with the flow
(go with the flow)
You know you can do it
("Vogue", Madonna)
(...) All you need is your own imagination
So use it that's what it's for
(that's what it's for)
Go inside, for your finest inspiration
Your dreams will open the door
(open up the door)
It makes no difference
if you're black or white
If you're a boy or a girl
If the music's pumping
it will give you new life
You're a superstar, yes,
that's what you are, you know it
Come on, vogue
Let your body groove to the music
(groove to the music)
Hey, hey, hey
Come on, vogue
Let your body go with the flow
(go with the flow)
You know you can do it
("Vogue", Madonna)
22.11.02
Hoje é aniversário de Nikiti City. Em 22 de novembro de 1573, o cacique temiminó Araribóia tomou posse das terras que recebera dos portugueses em recompensa pela ajuda na luta contra os franceses -- terras em que se destacava o Morro de São Lourenço, onde hoje está a igreja de São Lourenço dos Índios, marco da fundação da cidade. Gosto de pensar em como devia ser bela a paisagem então. Na minha infância, nos anos 60, a praia de Charitas, por exemplo, tinha águas cristalinas (hoje elas estão podres). Imagine em 1573!
Como ando muito de barca, fico olhando a baía de Guanabara e tentando me imaginar há 500 anos no mesmo local. Se apesar da esculhambação administrativa que foi enfeiando nossa paisagem ao longo dos séculos a vista ainda hoje é uma das mais lindas do mundo, chegue você de barco ou avião, é fácil deduzir que os primeiros europeus a aportarem aqui devem ter se sentido abençoados.
Veja fotos antigas da cidade (nos séculos XIX e XX) aqui.
Como ando muito de barca, fico olhando a baía de Guanabara e tentando me imaginar há 500 anos no mesmo local. Se apesar da esculhambação administrativa que foi enfeiando nossa paisagem ao longo dos séculos a vista ainda hoje é uma das mais lindas do mundo, chegue você de barco ou avião, é fácil deduzir que os primeiros europeus a aportarem aqui devem ter se sentido abençoados.
Veja fotos antigas da cidade (nos séculos XIX e XX) aqui.
21.11.02
De João do Rio, numa crônica amargurada em maio de 1916:
"O homem debruçou-se sobre minha mesa.
-- Que fazes?
-- Trabalho.
-- Em quê?
-- Escrevo.
-- Oh! Inutilidade! De todas as profissões no Brasil, é a menos acreditada. Porque, se escreves bem, só se servem de ti quando precisam e ficam com medo depois. E, se escreves mal, ainda é pior, porque nem com medo ficam antes ou depois. As profissões são os enterros da vida. A de escrever corresponde ao enterro de última classe no Brasil."
Bom, a julgar pela minha situação pecuniária nos últimos dezoito anos (e se os próximos dezoito forem do mesmo calibre), vou mesmo ter um enterro baratinho. ;-). O brasileiro só pode ser feliz na concepção imaterial da felicidade. E, como escreveu minha querida Tia Cora outro dia em sua coluna, jornalista com dinheiro é um ser mitológico. Talvez seja por isso que eu imagine algum dia virar figura folclórica ;-)).
Como dizia Wilde, tempo é perda de dinheiro.
"O homem debruçou-se sobre minha mesa.
-- Que fazes?
-- Trabalho.
-- Em quê?
-- Escrevo.
-- Oh! Inutilidade! De todas as profissões no Brasil, é a menos acreditada. Porque, se escreves bem, só se servem de ti quando precisam e ficam com medo depois. E, se escreves mal, ainda é pior, porque nem com medo ficam antes ou depois. As profissões são os enterros da vida. A de escrever corresponde ao enterro de última classe no Brasil."
Bom, a julgar pela minha situação pecuniária nos últimos dezoito anos (e se os próximos dezoito forem do mesmo calibre), vou mesmo ter um enterro baratinho. ;-). O brasileiro só pode ser feliz na concepção imaterial da felicidade. E, como escreveu minha querida Tia Cora outro dia em sua coluna, jornalista com dinheiro é um ser mitológico. Talvez seja por isso que eu imagine algum dia virar figura folclórica ;-)).
Como dizia Wilde, tempo é perda de dinheiro.
17.11.02
Minicontos do desconforto -- 39
Sob o guarda-sol colorido, apreciava a brisa. A água turquesa e ondulante da piscina. O ouro subindo em bolinhas dentro do chope. O vapor perfumado de eucalipto que se evolava da porta semi-aberta da sauna. Acendeu um cigarro. Seus gestos eram lentos; o dia era devagar quase parando. Olhou a filha adolescente conversando em sussurros com a melhor amiga. Parou para observar sua mulher, branca como um lírio, os movimentos suaves ao falar à prima, a poucos metros dali.
De repente lembrou-se de suas lições de antropologia: transformar o familiar no exótico. Era como se observasse uma pintura em três dimensões à sua volta.
Ele quase -- quase -- percebeu que o Tempo tinha parado. Só de sacanagem, para acompanhar o domingo e lubrificar os Ponteiros.
Sob o guarda-sol colorido, apreciava a brisa. A água turquesa e ondulante da piscina. O ouro subindo em bolinhas dentro do chope. O vapor perfumado de eucalipto que se evolava da porta semi-aberta da sauna. Acendeu um cigarro. Seus gestos eram lentos; o dia era devagar quase parando. Olhou a filha adolescente conversando em sussurros com a melhor amiga. Parou para observar sua mulher, branca como um lírio, os movimentos suaves ao falar à prima, a poucos metros dali.
De repente lembrou-se de suas lições de antropologia: transformar o familiar no exótico. Era como se observasse uma pintura em três dimensões à sua volta.
Ele quase -- quase -- percebeu que o Tempo tinha parado. Só de sacanagem, para acompanhar o domingo e lubrificar os Ponteiros.
16.11.02
Minicontos do desconforto -- 38
A frente fria daquela semana completou à perfeição a sensação de tédio que o perseguira durante todo o mês. Estava com uma vontade doida de conhecer alguém tinindo de novo, de se apaixonar, de através de uma cumplicidade fresquinha ser capaz de olhar o mundo de ângulos inusitados. Foi quando deu de cara com ela numa fila de banco. O mais improvável dos lugares, é verdade. Mas não é que ela cravou os olhos nele também?
Aí seu peito deu o aviso. A carne tremeu, ele pôde sentir os ecos de uma britadeira enferrujada lá dentro. Era o coração que espanava os ácaros. Só que a diferença entre as velhas batidas compassadas de um dia-a-dia cinza e as novinhas, turbinadas, potentes, movidas a paixão, foi demais para ele. Teve um enfarte ali mesmo, no meio dos caixas eletrônicos e do mau humor dos clientes mal atendidos.
Sobreviveu. Mas, tão logo a família e os parentes foram embora do quarto do hospital, chorou amargamente ao crepúsculo, pois sabia que não teria mais coragem de amar.
A frente fria daquela semana completou à perfeição a sensação de tédio que o perseguira durante todo o mês. Estava com uma vontade doida de conhecer alguém tinindo de novo, de se apaixonar, de através de uma cumplicidade fresquinha ser capaz de olhar o mundo de ângulos inusitados. Foi quando deu de cara com ela numa fila de banco. O mais improvável dos lugares, é verdade. Mas não é que ela cravou os olhos nele também?
Aí seu peito deu o aviso. A carne tremeu, ele pôde sentir os ecos de uma britadeira enferrujada lá dentro. Era o coração que espanava os ácaros. Só que a diferença entre as velhas batidas compassadas de um dia-a-dia cinza e as novinhas, turbinadas, potentes, movidas a paixão, foi demais para ele. Teve um enfarte ali mesmo, no meio dos caixas eletrônicos e do mau humor dos clientes mal atendidos.
Sobreviveu. Mas, tão logo a família e os parentes foram embora do quarto do hospital, chorou amargamente ao crepúsculo, pois sabia que não teria mais coragem de amar.
14.11.02
Ontem tomei uma cerveja com meus velhos amigos Marcellinho e Ita. Os dois não se viam há quase uma década (estamos todos ficando velhos mesmo ;-)) e fomos ao tradicional Steak House em Nikiti para botar os papos em dia. E que papos. Por mim, teria ficado lá até de manhã falando sobre a vida e seus desdobramentos, mas infelizmente tem aquela hora em que o Dever aparece vestido de garçom e, com a conta na mão, nos lembra que amanhã ainda é dia de trabalhar.
De qualquer modo a noite foi mágica. Nada como os amigos para botar nossa vida em perspectiva, não é?
De qualquer modo a noite foi mágica. Nada como os amigos para botar nossa vida em perspectiva, não é?
12.11.02
8.11.02
Minicontos do desconforto --37
Cresceu uma criança obediente. Foi um estudante obediente e, tendo-se casado muito jovem, cedo tornou-se também um marido obediente. Aos poucos, levado pela maré da mediocridade, transformou-se num não-homem. E nada mais alimentava o seu nada interior com tanta presteza quanto o álcool.
Devagarzinho, foi-se alienando da família. Os filhos, ainda adolescentes, já não o distinguiam do padrão do estampado do sofá. O primogênito o surrou certa vez, achando que socava a parede num acesso de raiva qualquer. A filha, mas tarde, jogou-o dentro de uma caçamba de entulho junto com uma poltrona velha.
No fim, ninguém mais o divisava. E não seria exceção o motorista do ônibus que o atropelou numa tarde de domingo.
Morto, porém, tornou-se material. Ao menos um corpo conseguiu ser. Mesmo assim ficou longos dias na gaveta do IML, até que acharam um cartão amarrotado no bolso com o telefone de uma prima, que o enterrou como pôde num cemiteriozinho de igreja.
Ninguém chorou por sua alma. Nem os proscritos que a acompanharam até o purgatório. Sim, porque ele nada fizera, nem bom nem mau.
Quem o salvou, no fim, foi Buda, o Iluminado, cujo costume de percorrer as diferentes esferas levou-o ao cantinho do não-homem. Buda percebeu que ali houvera um erro de encarnação, e permitiu que ele voltasse ao mundo dos vivos. Como uma pedra ao sol, imóvel e feliz.
(In memoriam: J. Para onde quer que vá, descanse em paz.)
Cresceu uma criança obediente. Foi um estudante obediente e, tendo-se casado muito jovem, cedo tornou-se também um marido obediente. Aos poucos, levado pela maré da mediocridade, transformou-se num não-homem. E nada mais alimentava o seu nada interior com tanta presteza quanto o álcool.
Devagarzinho, foi-se alienando da família. Os filhos, ainda adolescentes, já não o distinguiam do padrão do estampado do sofá. O primogênito o surrou certa vez, achando que socava a parede num acesso de raiva qualquer. A filha, mas tarde, jogou-o dentro de uma caçamba de entulho junto com uma poltrona velha.
No fim, ninguém mais o divisava. E não seria exceção o motorista do ônibus que o atropelou numa tarde de domingo.
Morto, porém, tornou-se material. Ao menos um corpo conseguiu ser. Mesmo assim ficou longos dias na gaveta do IML, até que acharam um cartão amarrotado no bolso com o telefone de uma prima, que o enterrou como pôde num cemiteriozinho de igreja.
Ninguém chorou por sua alma. Nem os proscritos que a acompanharam até o purgatório. Sim, porque ele nada fizera, nem bom nem mau.
Quem o salvou, no fim, foi Buda, o Iluminado, cujo costume de percorrer as diferentes esferas levou-o ao cantinho do não-homem. Buda percebeu que ali houvera um erro de encarnação, e permitiu que ele voltasse ao mundo dos vivos. Como uma pedra ao sol, imóvel e feliz.
(In memoriam: J. Para onde quer que vá, descanse em paz.)
7.11.02
Conversas -- III
-- Pronto, aí. Montei seus pedais para a guitarra e ainda botei o afinador conectado. Agora vai ser moleza ajustar o som.
-- Hum.
-- Que é? Não gostou?
-- Deixa pra lá.
-- Fala, pô.
-- É que... eu ODEIO esse afinador.
-- Não acredito no que você está dizendo. Não acredito!
-- Mas eu odeio.
-- Mas ele é o certo.
-- Eu sei, mas não me dou bem com ele. Prefiro afinar do meu jeito.
-- Não existe "seu jeito". O do afinador é universal.
-- Não adianta, eu sempre tenho que corrigir alguma coisa depois que afino com ele.
-- Isso é porque você toca mal.
-- Uma ova. É questão de sensibilidade. E você não tem nenhuma.
-- Ah, é, né? Puxa vida, eu montei esse negócio com o maior carinho...
-- Aimeudeus, vai começar a se fazer de vítima. Saco.
-- Tudo bem, faça como você quiser.
-- Tá bom, tá bom, vou pegar o afinador.
Blém, blém, blém, bleeeem, blém, blom, blum.
-- Tudo certo?
-- Acho que tá. Dá um mi aí. O acorde.
Brlerlelemmmmm.
-- Então, o afinador não é perfeito?
-- É. Mas dá a nota sol aí, que eu acho que está baixa...
-- #@*&%!!!!!!!!!!
-- Pronto, aí. Montei seus pedais para a guitarra e ainda botei o afinador conectado. Agora vai ser moleza ajustar o som.
-- Hum.
-- Que é? Não gostou?
-- Deixa pra lá.
-- Fala, pô.
-- É que... eu ODEIO esse afinador.
-- Não acredito no que você está dizendo. Não acredito!
-- Mas eu odeio.
-- Mas ele é o certo.
-- Eu sei, mas não me dou bem com ele. Prefiro afinar do meu jeito.
-- Não existe "seu jeito". O do afinador é universal.
-- Não adianta, eu sempre tenho que corrigir alguma coisa depois que afino com ele.
-- Isso é porque você toca mal.
-- Uma ova. É questão de sensibilidade. E você não tem nenhuma.
-- Ah, é, né? Puxa vida, eu montei esse negócio com o maior carinho...
-- Aimeudeus, vai começar a se fazer de vítima. Saco.
-- Tudo bem, faça como você quiser.
-- Tá bom, tá bom, vou pegar o afinador.
Blém, blém, blém, bleeeem, blém, blom, blum.
-- Tudo certo?
-- Acho que tá. Dá um mi aí. O acorde.
Brlerlelemmmmm.
-- Então, o afinador não é perfeito?
-- É. Mas dá a nota sol aí, que eu acho que está baixa...
-- #@*&%!!!!!!!!!!
6.11.02
Minicontos do desconforto -- 36
Não conseguiam se livrar das dívidas. Tudo parcelado em 36 vezes, para aumentar a angústia. A cada mês tinham de sortear mais contas que ficariam para o mês seguinte.
Num dia chuvoso, especialmente cinza-chumbo, eles se olharam e resolveram ir à delegacia. Queremos denunciar uma tentativa de assassinato, disseram ao delegado. E quem é a vítima?, perguntou ele.
-- Somos nós -- suspirou o marido. -- O dinheiro está matando nosso amor.
Não conseguiam se livrar das dívidas. Tudo parcelado em 36 vezes, para aumentar a angústia. A cada mês tinham de sortear mais contas que ficariam para o mês seguinte.
Num dia chuvoso, especialmente cinza-chumbo, eles se olharam e resolveram ir à delegacia. Queremos denunciar uma tentativa de assassinato, disseram ao delegado. E quem é a vítima?, perguntou ele.
-- Somos nós -- suspirou o marido. -- O dinheiro está matando nosso amor.
5.11.02
Como já havia dito aqui, novembro é o mês de aniversário dos Cadafalsos. O original, o Comentários e Versos do Cadafalso, completa um ano amanhã e já fiz um post nesse sentido por lá. Aqui, o aniversário é no dia 30/11, quando relembrarei a história de como esta pagininha veio ao mundo. Mas a guaribada na interface já vai antes, preparando a festa ;-))
Por ora, aí temos mais um momento roquenrou:
Momento rock -- 19
"Ele tinha pouco a ver com a guitarra no sentido técnico. O que fazia era tocar o espírito da música."
(Robert Fripp sobre Jimi Hendrix)
Por ora, aí temos mais um momento roquenrou:
Momento rock -- 19
"Ele tinha pouco a ver com a guitarra no sentido técnico. O que fazia era tocar o espírito da música."
(Robert Fripp sobre Jimi Hendrix)
Não estou mais tocando com Hélcio, nem em Vila Isabel, nem em Niterói. Ele saiu do Choppgol e está acertando shows com outras casas noturnas. Enquanto isso, a banda fica no aguardo de uma nova estréia. Enquanto isso, estou de folga na música. Mas assim que for chamado para a ativa, aviso todo mundo.
1.11.02
Conversas -- II
-- Alô.
-- É do inferno?
-- É. Residência do Príncipe das Trevas.
-- Por favor, chame seu senhor. É do céu. O Pai Eterno quer falar com ele.
-- Pois não.
-- Alô?
-- Belzebs?
-- Eu.
-- Sou Eu.
-- Manda. Algum problema? São três horas da manhã, eu estou aqui assistindo com Brutus a dez reprises de "Direito de nascer".
-- É o seguinte: meu Filho está começando a despertar para o Seu lado divino lá embaixo...
-- Você quer dizer lá em cima.
-- Tá, como queira. O problema é que, embora os engenheiros de software celestial tenham trabalhado desde o Éden para criar o Mensageiro perfeito, houve uns problemas no código-fonte da alma Dele...
-- Eu falei pra Você não usar software proprietário...
-- Ai Meu cacete. Posso terminar?
-- Vai.
-- Ele está achando que sou Eu.
-- Ué! E não é?
-- Sim, mas até certo ponto. Tem aquela história do Pai, do Filho, do Espírito Santo... Sabe como é, a hierarquia...
-- E daí?
-- Daí que alguns adivinhos aqui mostraram que Ele não vai poder reinar para sempre e salvar o mundo de verdade, como planejado. Infelizmente, vamos ter que passar para o plano B.
-- Plano B?
-- É, Ele vai ter que virar um mártir.
-- Mártir?
-- É, assim a coisa fica mais simbólica, assim tipo uma salvação pelo sacrifício... sabe como é a mente dos homens, né? Eles chegam às conclusões mais tortuosas, por isso temos que jogar o jogo jogado.
-- Tu tá pior que marqueteiro de político, hein? Mas entendi. E o que que eu tenho com isso?
-- Vou precisar de um traidor. Dos bons. Daquele que chega de mansinho, entra na equipe e depois fode todo mundo. Entendeu?
-- Entendi. Mas Ele vai perceber, não vai?
--- Vai, mas também entenderá Meu objetivo. E terá que cumpri-lo até o fim.
-- Mas qual é o século lá em cima? Ah, os romanos tão com tudo, né? Porra, vão pregar Seu Filho na cruz...
-- Eu sei. Mas vai ter que ser.
-- E depois?
-- Depois Ele volta. Quando parar com essa mania de grandeza.
-- Hum. Acho que isso vai demorar. Mas tudo bem. Vou ver aqui quem mando.
-- Obrigado. Tem tempo. Veja sua novela com o Brutus. Decide amanhã.
-- Tá bom.
Clic.
-- Alô.
-- É do inferno?
-- É. Residência do Príncipe das Trevas.
-- Por favor, chame seu senhor. É do céu. O Pai Eterno quer falar com ele.
-- Pois não.
-- Alô?
-- Belzebs?
-- Eu.
-- Sou Eu.
-- Manda. Algum problema? São três horas da manhã, eu estou aqui assistindo com Brutus a dez reprises de "Direito de nascer".
-- É o seguinte: meu Filho está começando a despertar para o Seu lado divino lá embaixo...
-- Você quer dizer lá em cima.
-- Tá, como queira. O problema é que, embora os engenheiros de software celestial tenham trabalhado desde o Éden para criar o Mensageiro perfeito, houve uns problemas no código-fonte da alma Dele...
-- Eu falei pra Você não usar software proprietário...
-- Ai Meu cacete. Posso terminar?
-- Vai.
-- Ele está achando que sou Eu.
-- Ué! E não é?
-- Sim, mas até certo ponto. Tem aquela história do Pai, do Filho, do Espírito Santo... Sabe como é, a hierarquia...
-- E daí?
-- Daí que alguns adivinhos aqui mostraram que Ele não vai poder reinar para sempre e salvar o mundo de verdade, como planejado. Infelizmente, vamos ter que passar para o plano B.
-- Plano B?
-- É, Ele vai ter que virar um mártir.
-- Mártir?
-- É, assim a coisa fica mais simbólica, assim tipo uma salvação pelo sacrifício... sabe como é a mente dos homens, né? Eles chegam às conclusões mais tortuosas, por isso temos que jogar o jogo jogado.
-- Tu tá pior que marqueteiro de político, hein? Mas entendi. E o que que eu tenho com isso?
-- Vou precisar de um traidor. Dos bons. Daquele que chega de mansinho, entra na equipe e depois fode todo mundo. Entendeu?
-- Entendi. Mas Ele vai perceber, não vai?
--- Vai, mas também entenderá Meu objetivo. E terá que cumpri-lo até o fim.
-- Mas qual é o século lá em cima? Ah, os romanos tão com tudo, né? Porra, vão pregar Seu Filho na cruz...
-- Eu sei. Mas vai ter que ser.
-- E depois?
-- Depois Ele volta. Quando parar com essa mania de grandeza.
-- Hum. Acho que isso vai demorar. Mas tudo bem. Vou ver aqui quem mando.
-- Obrigado. Tem tempo. Veja sua novela com o Brutus. Decide amanhã.
-- Tá bom.
Clic.
31.10.02
28.10.02
25.10.02
"Brazil to Swing to the Left in Break with History
By REUTERS
Filed at 10:30 a.m. ET
BRASILIA, Brazil (Reuters) - In a vital test for its young democracy, Brazil is poised for a dramatic shift to the left in Sunday's election just as Latin America's largest economy faces its most trying times in years.
For Brazil's 170 million people, the widely-expected victory of Luiz Inacio Lula da Silva of the left-wing Workers Party marks a juncture in history that could be described as almost revolutionary."
By REUTERS
Filed at 10:30 a.m. ET
BRASILIA, Brazil (Reuters) - In a vital test for its young democracy, Brazil is poised for a dramatic shift to the left in Sunday's election just as Latin America's largest economy faces its most trying times in years.
For Brazil's 170 million people, the widely-expected victory of Luiz Inacio Lula da Silva of the left-wing Workers Party marks a juncture in history that could be described as almost revolutionary."
23.10.02
21.10.02
"O auto-retrato
(Mário Quintana, em 'Apontamentos de História Sobrenatural')
No retrato que me faço
-- traço a traço --
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
-- pouco a pouco --
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!"
(Mário Quintana, em 'Apontamentos de História Sobrenatural')
No retrato que me faço
-- traço a traço --
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
-- pouco a pouco --
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!"
20.10.02
Ontem minha grande amiga Martha Lavenère reuniu no café Lamas os amigos para seu aniversário. Eu estava de plantão no jornal e depois segui para lá. Os convivas jornalísticos não podiam ser mais legais: minha "personal agent" e companheira dos tempos de Geográfica Ariadne Guimarães, a doce Mônica Arantes, Luiz Bello, Daniela Daher, Jaqueline Barbosa Ramos, Karen Diesel (cada dia mais linda), Paula Autran, Valéria Rehder e muitos outros...
Martha, sempre a anfitriã perfeita -- ainda que estivéssemos no meio do deserto, ela nos faria esquecer qualquer incômodo e nos deixaria à vontade -- estava uma gata angorá num vestido cinza e brilhou pelas várias mesas de amigos, como convém a uma aniversariante. Cheguei pensando em moderação etílica... em vão. Logo estava tomando vários chopes à medida que o papo fluía, divertido. Por volta das onze, as risadas já davam a volta na mesa.
Mais tarde, eu e Daniela, que moramos em Niterói, fomos esperar juntos o 996 na rua Senador Vergueiro, quando eis que passa de carro o repórter automobilístico José-Resende Mahar, que gentilmente nos deu uma carona até a Praça XV. E ainda fomos de papo até o momento em que os pontos de ônibus diferentes nos separaram.
Foi uma noite deliciosa. Marthinha, beijos e felicidades mil para você, que merece uma vida longa e próspera, como diria Spock.
Martha, sempre a anfitriã perfeita -- ainda que estivéssemos no meio do deserto, ela nos faria esquecer qualquer incômodo e nos deixaria à vontade -- estava uma gata angorá num vestido cinza e brilhou pelas várias mesas de amigos, como convém a uma aniversariante. Cheguei pensando em moderação etílica... em vão. Logo estava tomando vários chopes à medida que o papo fluía, divertido. Por volta das onze, as risadas já davam a volta na mesa.
Mais tarde, eu e Daniela, que moramos em Niterói, fomos esperar juntos o 996 na rua Senador Vergueiro, quando eis que passa de carro o repórter automobilístico José-Resende Mahar, que gentilmente nos deu uma carona até a Praça XV. E ainda fomos de papo até o momento em que os pontos de ônibus diferentes nos separaram.
Foi uma noite deliciosa. Marthinha, beijos e felicidades mil para você, que merece uma vida longa e próspera, como diria Spock.
19.10.02
Tudo bem, tudo bem, é a descrição do animal, mas vocês não concordam comigo que partes desta definição de "lula" do Aurélio poderiam ter sido escritas por um serrista?
"LULA [Do lat. lolligine > *lulin, o qual tomado como dim. deu lula.]
S. f. 1. (Zool.) Molusco cefalópode, dibranquiado, decápode, loliginídeo (Loligo brasiliensis), do Atlântico, de coloração amarelada com manchas escarlates, podendo mudar de cor segundo o meio ambiente, corpo alongado, com nadadeiras triangulares do lado oposto à cabeça, provido de dez tentáculos com ventosas, dois dos quais são mais finos e alongados. Sua carne é muito estimada."
E então?
Em tempo: Regina e Beatriz, o único Lula de que tenho medo é aquela lula gigante que atacou o "Nautilus" em "Vinte mil léguas submarinas".
"LULA [Do lat. lolligine > *lulin, o qual tomado como dim. deu lula.]
S. f. 1. (Zool.) Molusco cefalópode, dibranquiado, decápode, loliginídeo (Loligo brasiliensis), do Atlântico, de coloração amarelada com manchas escarlates, podendo mudar de cor segundo o meio ambiente, corpo alongado, com nadadeiras triangulares do lado oposto à cabeça, provido de dez tentáculos com ventosas, dois dos quais são mais finos e alongados. Sua carne é muito estimada."
E então?
Em tempo: Regina e Beatriz, o único Lula de que tenho medo é aquela lula gigante que atacou o "Nautilus" em "Vinte mil léguas submarinas".
18.10.02
Esta é para a Mariana, minha companheira de vocais na banda Swing Rio. Ontem ela estava linda num vestido rosa, e sempre me transforma num chafariz de alegria. Nós dois gostamos de dançar no palco e sempre rimos um bocado no meio do show. É bom demais.
"I got sunshine
On a cloudy day
when it's cold outside
i got the month of May
i guess you say
what can make me feel this way
my girl
my girl
my girl
talkin about my girl
my girl
i got so much honey
the bees envy me
i got a sweeter song
than the birds in the trees
well i guess you say
what can make me feel this way
my girl
my girl
my girl
talkin about my girl
my girl
ooooooooo
hey hey hey
hey hey hey
ooooooooo yeah
i don't need no money
fortune or fame
i got all the riches baby
one man can clame
well i guess you say
what can make me feel this way
my girl
my girl
my girl
talkin about my girl
my girl
talkin bout my girl
i got sunshine on a cloudy day
my girl
i even got the month of may with my girl"
("My girl", Temptations)
"I got sunshine
On a cloudy day
when it's cold outside
i got the month of May
i guess you say
what can make me feel this way
my girl
my girl
my girl
talkin about my girl
my girl
i got so much honey
the bees envy me
i got a sweeter song
than the birds in the trees
well i guess you say
what can make me feel this way
my girl
my girl
my girl
talkin about my girl
my girl
ooooooooo
hey hey hey
hey hey hey
ooooooooo yeah
i don't need no money
fortune or fame
i got all the riches baby
one man can clame
well i guess you say
what can make me feel this way
my girl
my girl
my girl
talkin about my girl
my girl
talkin bout my girl
i got sunshine on a cloudy day
my girl
i even got the month of may with my girl"
("My girl", Temptations)
15.10.02
Um pouco mais de João do Rio (veja o Cadafalso I):
"Que se procura no amor? A transfusão das almas? Não! um acorde. Um acorde apenas."
("Crônicas efêmeras", Ateliê Editorial)
"Que se procura no amor? A transfusão das almas? Não! um acorde. Um acorde apenas."
("Crônicas efêmeras", Ateliê Editorial)
11.10.02
Conversas -- I
-- Pai.
-- Que é?
-- Se Papai do Céu existe, por que ele não fala com a gente?
Silêncio.
-- Bom... minha filha, você sabe quantas pessoas moram na Terra?
-- Dez mil
Risos.
-- Não, querida. Um trilhão, um zilhão, sei lá.
-- Mas o que tem isso?
-- Bom, se Papai do Céu fosse falar com todo mundo ao mesmo tempo, já pensou o que ia acontecer?
-- Ah.
-- Pois é, por isso Ele não fala. Ele manda sinais. Alguns bem simples. Você e sua irmã nasceram com saúde perfeita. Para mim, isso é motivo de felicidade, poderia ser um sinal.
-- Então a gente tem que prestar atenção.
-- Isso aí.
Silêncio.
-- Pai.
-- Hein.
-- Sua careca é um sinal?
-- Pai.
-- Que é?
-- Se Papai do Céu existe, por que ele não fala com a gente?
Silêncio.
-- Bom... minha filha, você sabe quantas pessoas moram na Terra?
-- Dez mil
Risos.
-- Não, querida. Um trilhão, um zilhão, sei lá.
-- Mas o que tem isso?
-- Bom, se Papai do Céu fosse falar com todo mundo ao mesmo tempo, já pensou o que ia acontecer?
-- Ah.
-- Pois é, por isso Ele não fala. Ele manda sinais. Alguns bem simples. Você e sua irmã nasceram com saúde perfeita. Para mim, isso é motivo de felicidade, poderia ser um sinal.
-- Então a gente tem que prestar atenção.
-- Isso aí.
Silêncio.
-- Pai.
-- Hein.
-- Sua careca é um sinal?
10.10.02
Um dos sintomas da PVC (porra da velhice chegando) é nossa falta de paciência para explicar nossas idéias sonhadoras e mirabolantes a alguém que tem uma concepção de vida completamente diferente -- e não abre mão dela. Quando somos jovens, argumentamos até o fim, tentamos por a + b convencer o interlocutor, ou seduzi-lo para determinado tema. Mas os anos vão se passando e você fica cansado de falar. Simplesmente isso.
9.10.02
Andei relendo uns textos sobre a loucura que uma grande amiga escreveu e não quer publicar. Isso me dói, porque são brilhantes e me deixam estatelado de prazer e dor toda vez que abro o arquivo em que eles estão. A sensibilidade da autora flui aos borbotões e a gente sente as feridas da alma se abrirem ao ler determinados pedaços.
7.10.02
Minicontos do desconforto -- 35
A flecha veio devagar, e ele não sentiu quando ela entrou em seu ombro esquerdo. Estava ocupado combatendo. Foi o olhar que a moça com o arco lhe deu que ardeu em sua nuca. Voltou-se e ela sorriu de dentro da armadura espessa que vestia.
-- Não basta -- gritou ele, e correu para ela. Estranhamente, não a golpeou com a espada: jogou esta ao chão, ajoelhou-se e atirou-lhe as melhores palavras que aprendera em sua vida de cavaleiro semi-analfabeto.
O exército parou para olhar aquilo. Pouco a pouco, a armadura da arqueira se desfez, e ela permaneceu sem ação diante dele. Quando a última peça caiu no chão com um "clang!", ele respirou aliviado.
E morreu imediatamente.
A flecha veio devagar, e ele não sentiu quando ela entrou em seu ombro esquerdo. Estava ocupado combatendo. Foi o olhar que a moça com o arco lhe deu que ardeu em sua nuca. Voltou-se e ela sorriu de dentro da armadura espessa que vestia.
-- Não basta -- gritou ele, e correu para ela. Estranhamente, não a golpeou com a espada: jogou esta ao chão, ajoelhou-se e atirou-lhe as melhores palavras que aprendera em sua vida de cavaleiro semi-analfabeto.
O exército parou para olhar aquilo. Pouco a pouco, a armadura da arqueira se desfez, e ela permaneceu sem ação diante dele. Quando a última peça caiu no chão com um "clang!", ele respirou aliviado.
E morreu imediatamente.
4.10.02
Adoro votar. Estive no meio daquele um milhão de pessoas na Presidente Vargas em 1984 gritando "diretas já". E esta eleição promete ser emocionante. Mais do que a Copa.
Para os indecisos do voto, deixo uma filosofada do general Patton: "Uma boa solução aplicada com vigor agora é melhor do que uma solução perfeita aplicada dez minutos depois".
E boas tecladas na urna ;-)
Para os indecisos do voto, deixo uma filosofada do general Patton: "Uma boa solução aplicada com vigor agora é melhor do que uma solução perfeita aplicada dez minutos depois".
E boas tecladas na urna ;-)
3.10.02
Escrevi este texto para a próxima edição do site Falaê. Aqui, a première dele:
Travessia mágica
Comecei a pegar as barcas Rio-Niterói para valer em 1981, quando ingressei na faculdade de jornalismo. Todo dia curtia a brisa da baía de Guanabara lendo a "Última Hora" ou algum livro do Wilde. Na volta, estava sempre com dois companheiros nikitenses (de Nikity City) e vínhamos conversando entusiasticamente sobre as grandes questões de nosso fim de adolescência: mulheres, mulheres e mulheres. (Mentira. Havia outros assuntos também, mas no fim tudo leva a elas ;-) )
Entretanto, de manhã estava invariavelmente só e desenvolvi o hábito da leitura na barca. Não existe melhor meio de transporte para a contemplação do que uma barca. Ela vai devagar, pachorrenta, gemendo e tremelicando por vezes com algumas ondas, e há tempo para aquela filosofada essencial. Comecei e terminei montes de volumes a bordo. Cheguei ao ponto de detestar encontrar alguém na estação porque sabia que me roubaria o tempo precioso em que podia mergulhar em paz na ficção. Meu vício apenas fez piorar depois que me casei. Sem sossego na casa habitualmente cheia, deixava para saborear meus alfarrábios na baía.
Nos tempos da Conerj, a companhia de navegação estadual, as barcas eram mal conservadas e sujas, ao contrário do que acontece hoje, depois da privatização. Mas havia mais folclore e tipos engraçados durante a travessia. Como uma velhinha tinhosa que dava um show de bola contando sua vida errante, seus encontros com a polícia e marginais e outros "causos". Todo mundo ria e no final ela pedia o dinheiro do cafezinho. Um dia recebeu uma moeda de um centavo e xingou o doador: "filhodaputa, acha que isso aqui dá pra tomar um café?" As gargalhadas balançaram a barca. E as histórias do pessoal que pegava a embarcação cedinho, cochilava na proa e caía na água? Hoje isso não acontece, é proibido viajar na proa. Mas na época podíamos até sentar na beira da barca, os pés balouçantes sobre a água que aparentemente corria, célere. Bom, mas voltando aos mergulhos involuntários, lembro-me do caso de um velhinho carregando sua marmita e caindo na água depois de um cochilo. Os passageiros da proa, com um humor impiedoso, gritavam, enquanto tentavam resgatar o velho: "aí, vovô, vai tomar sopa hoje no almoço, hein?"
Depois, as embarcações ganharam televisores (graças a Deus, retirados recentemente) faxina e assentos acolchoados. Uma tem até uma lanchonete dentro.
Também tenho saudade das antigas chatas para automóveis, que peguei muitas vezes com meus pais para visitar minha avó em Jacarepaguá, nos anos 60. Voltava deitado no banco de trás, olhando as estrelas. Veio a Ponte Rio-Niterói e elas foram embora. Ficamos com os engarrafamentos.
Viajo de barca ainda hoje, quase todo dia. É o melhor remédio para o estresse, não tem ansiolítico que substitua. Ainda mais depois de um dia duro de trabalho. Você passa vinte minutos na baía, deixa tudo para trás e chega a outra cidade, para um novo começo, seja do que for. Aliás, está na hora de embarcar. Até o próximo texto. Soltem as amarras!
Travessia mágica
Comecei a pegar as barcas Rio-Niterói para valer em 1981, quando ingressei na faculdade de jornalismo. Todo dia curtia a brisa da baía de Guanabara lendo a "Última Hora" ou algum livro do Wilde. Na volta, estava sempre com dois companheiros nikitenses (de Nikity City) e vínhamos conversando entusiasticamente sobre as grandes questões de nosso fim de adolescência: mulheres, mulheres e mulheres. (Mentira. Havia outros assuntos também, mas no fim tudo leva a elas ;-) )
Entretanto, de manhã estava invariavelmente só e desenvolvi o hábito da leitura na barca. Não existe melhor meio de transporte para a contemplação do que uma barca. Ela vai devagar, pachorrenta, gemendo e tremelicando por vezes com algumas ondas, e há tempo para aquela filosofada essencial. Comecei e terminei montes de volumes a bordo. Cheguei ao ponto de detestar encontrar alguém na estação porque sabia que me roubaria o tempo precioso em que podia mergulhar em paz na ficção. Meu vício apenas fez piorar depois que me casei. Sem sossego na casa habitualmente cheia, deixava para saborear meus alfarrábios na baía.
Nos tempos da Conerj, a companhia de navegação estadual, as barcas eram mal conservadas e sujas, ao contrário do que acontece hoje, depois da privatização. Mas havia mais folclore e tipos engraçados durante a travessia. Como uma velhinha tinhosa que dava um show de bola contando sua vida errante, seus encontros com a polícia e marginais e outros "causos". Todo mundo ria e no final ela pedia o dinheiro do cafezinho. Um dia recebeu uma moeda de um centavo e xingou o doador: "filhodaputa, acha que isso aqui dá pra tomar um café?" As gargalhadas balançaram a barca. E as histórias do pessoal que pegava a embarcação cedinho, cochilava na proa e caía na água? Hoje isso não acontece, é proibido viajar na proa. Mas na época podíamos até sentar na beira da barca, os pés balouçantes sobre a água que aparentemente corria, célere. Bom, mas voltando aos mergulhos involuntários, lembro-me do caso de um velhinho carregando sua marmita e caindo na água depois de um cochilo. Os passageiros da proa, com um humor impiedoso, gritavam, enquanto tentavam resgatar o velho: "aí, vovô, vai tomar sopa hoje no almoço, hein?"
Depois, as embarcações ganharam televisores (graças a Deus, retirados recentemente) faxina e assentos acolchoados. Uma tem até uma lanchonete dentro.
Também tenho saudade das antigas chatas para automóveis, que peguei muitas vezes com meus pais para visitar minha avó em Jacarepaguá, nos anos 60. Voltava deitado no banco de trás, olhando as estrelas. Veio a Ponte Rio-Niterói e elas foram embora. Ficamos com os engarrafamentos.
Viajo de barca ainda hoje, quase todo dia. É o melhor remédio para o estresse, não tem ansiolítico que substitua. Ainda mais depois de um dia duro de trabalho. Você passa vinte minutos na baía, deixa tudo para trás e chega a outra cidade, para um novo começo, seja do que for. Aliás, está na hora de embarcar. Até o próximo texto. Soltem as amarras!
2.10.02
1.10.02
30.9.02
Minicontos do desconforto -- 34
Amou-a desde o primeiro aperto de mão, que lhe deu um choque. Mas não conseguiu dizer-lhe isso na primeira noite. Costurou palavras com fio de ouro, que lhe enviou durante meses. Então ela se apaixonou por outro, e ele se desesperou.
Uma tarde encontrou-a sozinha no parque. Respirou fundo, sentou-se e entregou o que lhe ia na alma. Os dois choraram juntos e ele pensou que ela enfim derrubaria o firewall invisível que os continha. Mas pousou por ali um pássaro de plumagem estranha, que atraiu a atenção dela. Depois, o momento foi embora sem se despedir e ela recompôs-se, sumindo rápido da cena.
No dia seguinte ele levou seu gato até o parque e o observou caçando os pássaros. Foi então que nasceu seu sorriso de sarcasmo, de que os amigos tiveram medo até o fim de seus dias.
Amou-a desde o primeiro aperto de mão, que lhe deu um choque. Mas não conseguiu dizer-lhe isso na primeira noite. Costurou palavras com fio de ouro, que lhe enviou durante meses. Então ela se apaixonou por outro, e ele se desesperou.
Uma tarde encontrou-a sozinha no parque. Respirou fundo, sentou-se e entregou o que lhe ia na alma. Os dois choraram juntos e ele pensou que ela enfim derrubaria o firewall invisível que os continha. Mas pousou por ali um pássaro de plumagem estranha, que atraiu a atenção dela. Depois, o momento foi embora sem se despedir e ela recompôs-se, sumindo rápido da cena.
No dia seguinte ele levou seu gato até o parque e o observou caçando os pássaros. Foi então que nasceu seu sorriso de sarcasmo, de que os amigos tiveram medo até o fim de seus dias.
28.9.02
A night to remember
Ontem aconteceu a melhor noitada que tive nos últimos tempos. Não quis que ela acabasse, foi simplesmente demais. Depois do fechamento, Elis e eu saímos para "abrir os trabalhos" etílicos no Lamas, onde ficamos até cerca das onze, papeando. De lá partimos para o Casarão Hermés, na ladeirona da Hermenegildo de Barros. Um lugar gostosíssimo, de onde se obtém uma visão ímpar da Cidade Maravilhosa. Rolava por lá a festa organizada pela minha doce Crib Tanaka para comemorar 15 anos de amizade com mais três beldades. Sentamos na varanda e rimos demais com a Crib, que estava com a corda toda (ela nem sempre fala muito, a não ser via email, e adorei vê-la agitada e entusiasmada). Permanecemos no Casarão até uma da madrugada, quando então zarpamos em direção à festa de 31 anos do Maloca, na Spin, em Ipanema. Nesta eu já entrei roubando o copo de uísque do aniversariante (e olhem que já havia descido um conhaquinho e uma caipirinha) e subi para cumprimentar a galera roqueira mais legal da cidade: Gustones, Maggi, Rodrigão, Carlos, China... Long live everyone.
E lá estava Alessandra Archer, que eu não via há mais de dois meses. Estava morrendo de saudade dela (assim como da Crib). Mais uns goles e caí na pista. Dançamos a noite inteira, quase sem parar, e conversamos o possível no meio daquele agito. Elis e eu também ensaiamos alguns bons passos no meio da bagunça (eu adoro dançar com ela).
Saímos com o dia claro, quase seis horas da manhã. Maloca, já para lá de Vladivostok, ordenou: todos ao Cervantes. Fomos Maggi, eu, Carlos e ele. Dormi na casa do Maggi e do Maloca. Eu no sofá e a cinzenta gata Sofia em sua "almofada" privê.
O momento mais bizarro da noite começou com uma conversa rápida entre mim e Maggi:
-- André, você vai dormir lá em casa?
-- Vou, pode ser?
-- Beleza. Avisa a Elis que, se ela não se sentir legal para dirigir na volta, tem espaço lá, qualquer coisa.
-- Beleza.
Ato contínuo, eu me viro, pego a Elis pelo braço e repito o que Maggi me disse no ouvido dela. Só que... não era a Elis!!!!! Vocês acreditam que este Guardião tresloucado estava falando com uma menina desconhecida (soube depois que era a outra aniversariante da noite) e a convidando na lata para ir dormir comigo na casa de um terceiro???!!!!
Surreal é isso, baby.
Eu devia ter levado uma bofetada na cara. Mas o que aconteceu é parte do motivo por que chamam esta cidade de de maravilhosa. Quando me dei conta do que estava fazendo, pedi perdão de joelhos (literalmente) à menina -- e ela simplesmente riu muito do absurdo da coisa. Mais tarde ainda me pediu um cigarro. Obrigado, meu São Sebastião, por me deixar nascer um carioca da gema no Grajaú.
E a noite devorou todos os erros, e eu me vi fora da realidade depois do terceiro uísque. É quando as emoções se soltam de você, genuínas, sem polimento. E como a gente precisa disso de vez em quando. Oxalá haja muitas noites assim em nossas vidas.
Ontem aconteceu a melhor noitada que tive nos últimos tempos. Não quis que ela acabasse, foi simplesmente demais. Depois do fechamento, Elis e eu saímos para "abrir os trabalhos" etílicos no Lamas, onde ficamos até cerca das onze, papeando. De lá partimos para o Casarão Hermés, na ladeirona da Hermenegildo de Barros. Um lugar gostosíssimo, de onde se obtém uma visão ímpar da Cidade Maravilhosa. Rolava por lá a festa organizada pela minha doce Crib Tanaka para comemorar 15 anos de amizade com mais três beldades. Sentamos na varanda e rimos demais com a Crib, que estava com a corda toda (ela nem sempre fala muito, a não ser via email, e adorei vê-la agitada e entusiasmada). Permanecemos no Casarão até uma da madrugada, quando então zarpamos em direção à festa de 31 anos do Maloca, na Spin, em Ipanema. Nesta eu já entrei roubando o copo de uísque do aniversariante (e olhem que já havia descido um conhaquinho e uma caipirinha) e subi para cumprimentar a galera roqueira mais legal da cidade: Gustones, Maggi, Rodrigão, Carlos, China... Long live everyone.
E lá estava Alessandra Archer, que eu não via há mais de dois meses. Estava morrendo de saudade dela (assim como da Crib). Mais uns goles e caí na pista. Dançamos a noite inteira, quase sem parar, e conversamos o possível no meio daquele agito. Elis e eu também ensaiamos alguns bons passos no meio da bagunça (eu adoro dançar com ela).
Saímos com o dia claro, quase seis horas da manhã. Maloca, já para lá de Vladivostok, ordenou: todos ao Cervantes. Fomos Maggi, eu, Carlos e ele. Dormi na casa do Maggi e do Maloca. Eu no sofá e a cinzenta gata Sofia em sua "almofada" privê.
O momento mais bizarro da noite começou com uma conversa rápida entre mim e Maggi:
-- André, você vai dormir lá em casa?
-- Vou, pode ser?
-- Beleza. Avisa a Elis que, se ela não se sentir legal para dirigir na volta, tem espaço lá, qualquer coisa.
-- Beleza.
Ato contínuo, eu me viro, pego a Elis pelo braço e repito o que Maggi me disse no ouvido dela. Só que... não era a Elis!!!!! Vocês acreditam que este Guardião tresloucado estava falando com uma menina desconhecida (soube depois que era a outra aniversariante da noite) e a convidando na lata para ir dormir comigo na casa de um terceiro???!!!!
Surreal é isso, baby.
Eu devia ter levado uma bofetada na cara. Mas o que aconteceu é parte do motivo por que chamam esta cidade de de maravilhosa. Quando me dei conta do que estava fazendo, pedi perdão de joelhos (literalmente) à menina -- e ela simplesmente riu muito do absurdo da coisa. Mais tarde ainda me pediu um cigarro. Obrigado, meu São Sebastião, por me deixar nascer um carioca da gema no Grajaú.
E a noite devorou todos os erros, e eu me vi fora da realidade depois do terceiro uísque. É quando as emoções se soltam de você, genuínas, sem polimento. E como a gente precisa disso de vez em quando. Oxalá haja muitas noites assim em nossas vidas.
27.9.02
Marcas
Crib Tanaka e André Machado
Água fria para acordar de vez. Sentiu o sangue pelas pernas. Circulação acordando devagar, junto com os movimentos-vento do corpo dela. Deixava os olhos se irritarem com a água; por vezes, experimentava um leve afogar. Saiu deixando marcas-gotas no chão branco da casa. Com as costas e os pés molhados, deitou-se no sofá, de frente para o ventilador. Balançava os cabelos-chicote deixando-os mancharem as almofadas, paredes, livros. Jogou no chão a toalha que lhe servia de saia até aquele instante. Perto da janela, ensaiou um espreguiçar de férias. Não custava nada enganar-se por alguns segundos. Sentou-se e tomou calmamente uma xícara de café. Com os pés, trouxe até si o jornal deixado embaixo da porta. Passou o olho pela programação do cinema e horóscopo. Acordou.
Foi cumprir suas horas intermináveis no espaço computadorizado, artificialmente frio, vestida como um personagem. Formalidade hipócrita em mórbidos uniformes massificadores. Barulhos de conexões estranhas, vozes comedidas. Desfile coletivo nos corredores de atapetada alergia.
Saindo da cela, acendeu um cigarro. Deixou os vidros do carro abertos e ligou o som. Tirou o blazer e rasgou a meia-calça pretensiosamente cor-da-pele.
Parou em frente à casa dele.
Do chuveiro saíram, deixando marcas-gotas pelo corredor e quarto. Sentia o sangue pelas pernas. Circulação correndo junto com os movimentos-ondas do corpo dele. Circulação estagnada em marcas na alva pele.
Beijaram-se longamente. Tinha saudades da língua dele. Pensara nesse beijo o dia todo, enquanto fazia contas no trabalho. Quando tudo terminou, observou-o -- silenciosa -- arfando, trêmulo e satisfeito. Ele não percebera que ela sangrava de verdade; ele não a percebia. Estava ali, empanzinado e sonolento, encaixando seu cigarro na piteira e acendendo-o com o isqueiro dourado que já falhava. Ele olhava para o teto -- era como se a mulher a seu lado de repente pertencesse a outra galáxia.
Olhando aquele homem, que se bastava com tanta naturalidade, foi sentindo uma raiva surda tomar conta de si. Num ímpeto, tomou a cabeça do amante e forçou-a contra o meio das pernas, chafurdando a expressão beatífica de gozo dele no sangue feminino, pulsante, quente. Ele pensou que ela desejasse mais prazer e beijou seu sexo. Ela marcou seu rosto com a grande mão que tinha, derrubou-o da cama e se dirigiu calmamente ao banheiro.
Água fria. Gelada. Forte.
Abriu a porta ainda o olhando com ódio e com passos decididos, saiu nua pela rua, sangrando e vociferando: filho da puta, filho da puta, filho da puta.
Crib Tanaka e André Machado
Água fria para acordar de vez. Sentiu o sangue pelas pernas. Circulação acordando devagar, junto com os movimentos-vento do corpo dela. Deixava os olhos se irritarem com a água; por vezes, experimentava um leve afogar. Saiu deixando marcas-gotas no chão branco da casa. Com as costas e os pés molhados, deitou-se no sofá, de frente para o ventilador. Balançava os cabelos-chicote deixando-os mancharem as almofadas, paredes, livros. Jogou no chão a toalha que lhe servia de saia até aquele instante. Perto da janela, ensaiou um espreguiçar de férias. Não custava nada enganar-se por alguns segundos. Sentou-se e tomou calmamente uma xícara de café. Com os pés, trouxe até si o jornal deixado embaixo da porta. Passou o olho pela programação do cinema e horóscopo. Acordou.
Foi cumprir suas horas intermináveis no espaço computadorizado, artificialmente frio, vestida como um personagem. Formalidade hipócrita em mórbidos uniformes massificadores. Barulhos de conexões estranhas, vozes comedidas. Desfile coletivo nos corredores de atapetada alergia.
Saindo da cela, acendeu um cigarro. Deixou os vidros do carro abertos e ligou o som. Tirou o blazer e rasgou a meia-calça pretensiosamente cor-da-pele.
Parou em frente à casa dele.
Do chuveiro saíram, deixando marcas-gotas pelo corredor e quarto. Sentia o sangue pelas pernas. Circulação correndo junto com os movimentos-ondas do corpo dele. Circulação estagnada em marcas na alva pele.
Beijaram-se longamente. Tinha saudades da língua dele. Pensara nesse beijo o dia todo, enquanto fazia contas no trabalho. Quando tudo terminou, observou-o -- silenciosa -- arfando, trêmulo e satisfeito. Ele não percebera que ela sangrava de verdade; ele não a percebia. Estava ali, empanzinado e sonolento, encaixando seu cigarro na piteira e acendendo-o com o isqueiro dourado que já falhava. Ele olhava para o teto -- era como se a mulher a seu lado de repente pertencesse a outra galáxia.
Olhando aquele homem, que se bastava com tanta naturalidade, foi sentindo uma raiva surda tomar conta de si. Num ímpeto, tomou a cabeça do amante e forçou-a contra o meio das pernas, chafurdando a expressão beatífica de gozo dele no sangue feminino, pulsante, quente. Ele pensou que ela desejasse mais prazer e beijou seu sexo. Ela marcou seu rosto com a grande mão que tinha, derrubou-o da cama e se dirigiu calmamente ao banheiro.
Água fria. Gelada. Forte.
Abriu a porta ainda o olhando com ódio e com passos decididos, saiu nua pela rua, sangrando e vociferando: filho da puta, filho da puta, filho da puta.
Ontem tive a honra de almoçar com a bela Valeska, gente finíssima e uma delícia de companhia. Foi aniversário dela e tivermos um longo papo sobre a vida e suas vertentes no ambiente tranqüilo da Leiteria Mineira, no Centro. Se não tivesse de vir para a redação, ficaria papeando com ela até anoitecer, porque toda vez que nos encontramos a conversa flui, gostosa, mesmo nos momentos mais sérios. Val, um grande beijo deste Guardião e muitas felicidades, sempre.
25.9.02
24.9.02
Minicontos do desconforto -- 33
Banhistas a trouxeram, semidesmaiada, até ele, depois de a tirarem das ondas. Colou sua boca na dela e começou a aplicar a respiração. Quando os olhos azuis acordaram, estavam estranhamente despidos de sentido. E ele tremia e chorava sem entender: havia puxado a alma dela pelos pulmões.
Banhistas a trouxeram, semidesmaiada, até ele, depois de a tirarem das ondas. Colou sua boca na dela e começou a aplicar a respiração. Quando os olhos azuis acordaram, estavam estranhamente despidos de sentido. E ele tremia e chorava sem entender: havia puxado a alma dela pelos pulmões.
23.9.02
Voltei hoje de férias (em Terê e na minha Nikiti City) e já encontrei um blog novo: o de Alessandra Archer. Também fiquei sabendo que o Maloca partiu para outra no trabalho. Things change...
Também haverá mais uma festa "Mate-me por favor" esta sexta, a cargo de Mr. Gustones, na Spin. E a bela Crib Tanaka mais três amigas vão celebrar sua amizade na night da Glória. Semana boa para voltar ao Rio! Vamos agitaaaarr!!!
Em breve, novos minicontos por aqui.
Também haverá mais uma festa "Mate-me por favor" esta sexta, a cargo de Mr. Gustones, na Spin. E a bela Crib Tanaka mais três amigas vão celebrar sua amizade na night da Glória. Semana boa para voltar ao Rio! Vamos agitaaaarr!!!
Em breve, novos minicontos por aqui.
30.8.02
Estou saindo de férias hoje, por isso este blog talvez fique um pouco devagar nas próximas semanas. Volto dia 23 de setembro (mas se der blogo nos intervalos). Por ora, eis o trigésimo primeiro miniconto.
Minicontos do desconforto -- 31
Fizeram amor devagar. No fim, acendeu o cigarro e ficou fazendo argolas de fumaça no ar. Ela dormiu -- e de repente, no meio de um sonho, sussurrou o nome de outro. "Tom..."
Ele passou o dia inteiro agoniado no trabalho, já imaginando uma cena nelsonrodrigueana na volta para casa.
Não deu outra. Ao abrir a porta, ela sorriu (e como era poderoso seu sorriso), dizendo que queria lhe apresentar o Tom.
Aimeudeus aimeudeus aimeudeus, era só o que passava pela cabeça dele, enquanto a fúria subia das gônadas para o pescoço.
Entrou.
-- Este é o Tom. Eu quis lhe fazer uma surpresa...
O gatinho preto e branco ficou olhando de lado aquele bípede maluco que gargalhava num frenesi à sua frente.
Minicontos do desconforto -- 31
Fizeram amor devagar. No fim, acendeu o cigarro e ficou fazendo argolas de fumaça no ar. Ela dormiu -- e de repente, no meio de um sonho, sussurrou o nome de outro. "Tom..."
Ele passou o dia inteiro agoniado no trabalho, já imaginando uma cena nelsonrodrigueana na volta para casa.
Não deu outra. Ao abrir a porta, ela sorriu (e como era poderoso seu sorriso), dizendo que queria lhe apresentar o Tom.
Aimeudeus aimeudeus aimeudeus, era só o que passava pela cabeça dele, enquanto a fúria subia das gônadas para o pescoço.
Entrou.
-- Este é o Tom. Eu quis lhe fazer uma surpresa...
O gatinho preto e branco ficou olhando de lado aquele bípede maluco que gargalhava num frenesi à sua frente.
28.8.02
27.8.02
25.8.02
One day in your life
You'll remember a place
Someone touching your face
You'll come back and you'll look around, you'll . . .
One day in your life
You'll remember the love you found here
You'll remember me somehow
Though you don't need me now
I will stay in your heart
And when things fall apart
You'll remember one day . . .
One day in your life
When you find that you're always waiting
For a love we used to share
Just call my name, and I'll be there
You'll remember me somehow
Though you don't need me now
I will stay in your heart
And when things fall apart
You'll remember one day . . .
One day in your life
When you find that you're always lonely
For a love we used to share
Just call my name, and I'll be there.
("One day in your life", Sam Brown III / R. Armand., cantada por Michael Jackson)
You'll remember a place
Someone touching your face
You'll come back and you'll look around, you'll . . .
One day in your life
You'll remember the love you found here
You'll remember me somehow
Though you don't need me now
I will stay in your heart
And when things fall apart
You'll remember one day . . .
One day in your life
When you find that you're always waiting
For a love we used to share
Just call my name, and I'll be there
You'll remember me somehow
Though you don't need me now
I will stay in your heart
And when things fall apart
You'll remember one day . . .
One day in your life
When you find that you're always lonely
For a love we used to share
Just call my name, and I'll be there.
("One day in your life", Sam Brown III / R. Armand., cantada por Michael Jackson)
Ontem foi uma noite divertida. Saí do plantão do jornal e resolvi dar um pulo até o W-Grill, simpático restaurante em São Gonçalo onde o Antônio Corrêa (guitarra) e a Mariana (voz) fazem seu show em dupla (eles tocam em Jurujuba na sexta também). Cheguei ao terminal de Nikity City e peguei um ônibus para SG. Menino, não é que me perdi por lá (faz tempo que não vou para aqueles lados)? Saltei perto do Caneco 90, longe à beça de meu destino original, e acabei pegando um táxi, que após mais alguns erros de trajeto me deixou no local certo. Antônio se surpreendeu ao me ver chegar. Rimos muito com minhas desventuras gonçalenses. A esposa dele, Cláudia, de quem gosto muito, estava por lá também, e batemos longos papos sobre a vida, etc, enquanto os dois tocavam. É claro que, na qualidade de espectador, pedi que tocassem algumas coisas para mim, como "Eu sei que vou te amar" e qualquer balada legal em inglês que escolhessem. Mariana selecionou "I'll be there" e ar-ra-sou nos agudos. Que delícia. No fim, o dono do restaurante, que já me conhecia (fui tocar com o Hélcio por lá dia desses) generosamente não quis me cobrar os chopes que tomei. Fiquei devendo uma canja por lá na próxima visita.
24.8.02
Minicontos do desconforto -- 30
Conheceu-a dois dias depois da morte, assim que renasceu. Entendeu que ela agora ia ser sua mãe -- logo ela, que o levara à loucura em apenas três meses.
Por isso, tão logo se entendeu como gente, suicidou-se. E repetiu o gesto nas três encarnações seguintes. Uma para cada mês de desespero.
Então o carma lhe pregou uma peça e ela retornou como sua filha. Viu-a crescer indomável, alheia a seus melhores esforços como pai para dar-lhe uma vida perfeita. Ela tornou-se aquela femme fatale invencível aos dezessete anos, e ele compreendeu que, desta vez, era seu sangue forjado em angústia que a envenenava, que lhe dava estranhos calores e apetites.
Ela se foi antes dele, num acidente, e ele chorou amargamente. Mas ficou neste mundo, onde viveu quase cem anos.
Em sua cabeceira de morte, ela estava novamente lá: foi a enfermeira que refrescou sua testa pela última vez.
Os dois não mais voltaram depois disso. E os anais do Eterno contam que até Abadon suspirou de alívio ao saber da nova.
Conheceu-a dois dias depois da morte, assim que renasceu. Entendeu que ela agora ia ser sua mãe -- logo ela, que o levara à loucura em apenas três meses.
Por isso, tão logo se entendeu como gente, suicidou-se. E repetiu o gesto nas três encarnações seguintes. Uma para cada mês de desespero.
Então o carma lhe pregou uma peça e ela retornou como sua filha. Viu-a crescer indomável, alheia a seus melhores esforços como pai para dar-lhe uma vida perfeita. Ela tornou-se aquela femme fatale invencível aos dezessete anos, e ele compreendeu que, desta vez, era seu sangue forjado em angústia que a envenenava, que lhe dava estranhos calores e apetites.
Ela se foi antes dele, num acidente, e ele chorou amargamente. Mas ficou neste mundo, onde viveu quase cem anos.
Em sua cabeceira de morte, ela estava novamente lá: foi a enfermeira que refrescou sua testa pela última vez.
Os dois não mais voltaram depois disso. E os anais do Eterno contam que até Abadon suspirou de alívio ao saber da nova.
23.8.02
22.8.02
16.8.02
Ontem foi a estréia da banda no segundo andar do ChoppGol de Niterói, em Charitas. Um ambiente muito gostoso, avarandado, com pista de dança, palco, iluminação e tudo o mais. Eu, Hélcio (teclados) e Marcos (batera) fomos acompanhados de Antônio (guitarra-solo), Juninho (baixo) e Mariana (vocais). Ela alternou músicas com Hélcio e fez backing vocals junto comigo. Me diverti horrooores, pois houve um set de rock and roll e agitei feito espoleta. A Mariana, que estava a meu lado, ria que se acabava comigo. No fim já estávamos fazendo o maior mise-en-cène, com coreografias à medida que tocávamos e cantávamos. Cheguei ao bar cansado de um dia estafante, mas no show e durante a ceia, lá pela uma da manhã, já estava gargalhando com os outros e pronto para outra.
O melhor de tudo é que alternamos com um DJ, que nos intervalos só tocou coisas disco dos anos 70. Vocês sabem, sou um roqueiro congênito, mas adoro essas músicas da era disco. Ouvi coisas que há muito tempo não ouvia, como "Instant replay" e "Born to be alive". Se dependesse de mim, acho que ficaria dançando até nos intervalos. Só não fiz isso porque ia cair duro na hora de tocar ;-))).
Mal posso esperar pela próxima quinta. Yesssssss!!!!!
O melhor de tudo é que alternamos com um DJ, que nos intervalos só tocou coisas disco dos anos 70. Vocês sabem, sou um roqueiro congênito, mas adoro essas músicas da era disco. Ouvi coisas que há muito tempo não ouvia, como "Instant replay" e "Born to be alive". Se dependesse de mim, acho que ficaria dançando até nos intervalos. Só não fiz isso porque ia cair duro na hora de tocar ;-))).
Mal posso esperar pela próxima quinta. Yesssssss!!!!!
14.8.02
Minicontos do desconforto -- 29
O veneno avançou por suas artérias com rapidez impressionante. Tinha tomado o cuidado de trocar de copos quando ela foi ao banheiro, mas se esquecera da comida. Na primeira garfada, ao mirar os olhos da ex-amante, viu que eles sorriam demais. Compreendeu tarde -- pouco antes de perder as faculdades mentais -- que aquilo não era mesmo um jantar de reconciliação.
O veneno avançou por suas artérias com rapidez impressionante. Tinha tomado o cuidado de trocar de copos quando ela foi ao banheiro, mas se esquecera da comida. Na primeira garfada, ao mirar os olhos da ex-amante, viu que eles sorriam demais. Compreendeu tarde -- pouco antes de perder as faculdades mentais -- que aquilo não era mesmo um jantar de reconciliação.
12.8.02
Ace Frehley, guitarrista-solo do Kiss e um dos caras que influenciaram meu jeito de tocar, deu um show num clube de Nova York este fim de semana para festejar o aniversário do amigo radialista Eddie Trunk. Junto com o baixista/guitarrista ritmo Karl Cochran (co-autor da melhor música do "Psycho Circus", do Kiss -- Into the void) e do batera Steve Werner, mandou vários petardos dos anos 70 em seu set, como Rip it out, Parasite, Cold Gin, Strange ways e Love her all I can.
9.8.02
Mestre Gustones de Almeida, super-DJ e guitarman, avisa: vai botar som sexta-que vem, dia 16, na boate Spin, em Ipanema (r. Teixeira de Melo, 21), a partir das 22h. Estarei na área!
Minicontos do desconforto -- 28
Negociou a alma com o Canhoto para ser um virtuose em seu instrumento. No dia seguinte quebrou as duas mãos. A operação subseqüente tornou seus dedos estranhamente elásticos, e ele passou a visitar escalas antes inimagináveis com suas falanges mágicas.
No dia combinado para a entrega, já um maestro consagrado, pediu ao governante do Inferno que escutasse sua última composição antes de descer às profundezas. O Diabo se sentou e, ao ouvir a primeira frase, exclamou: "você esteve conversando com o Espírito! Isso não fazia parte do acordo!"
O maestro não respondeu. Tivera de repente um derrame fulminante. Mas... não havia alma nenhuma a receber. Furioso, o Príncipe das Trevas levantou-se e deu com o Arcanjo Miguel a seu lado. Este acendeu um cigarro e, sem conseguir disfarçar o riso, pôs a mão no ombro do velho anjo caído:
-- Então você não sabia que a principal qualidade de um virtuose é alcançar o Divino antes dos outros homens? O Eterno já se conectou à alma deste no dia seguinte ao seu pacto...
É por isso que quem desceu aos infernos e conseguiu voltar avisa: o maior problema do lugar é o repertório.
Negociou a alma com o Canhoto para ser um virtuose em seu instrumento. No dia seguinte quebrou as duas mãos. A operação subseqüente tornou seus dedos estranhamente elásticos, e ele passou a visitar escalas antes inimagináveis com suas falanges mágicas.
No dia combinado para a entrega, já um maestro consagrado, pediu ao governante do Inferno que escutasse sua última composição antes de descer às profundezas. O Diabo se sentou e, ao ouvir a primeira frase, exclamou: "você esteve conversando com o Espírito! Isso não fazia parte do acordo!"
O maestro não respondeu. Tivera de repente um derrame fulminante. Mas... não havia alma nenhuma a receber. Furioso, o Príncipe das Trevas levantou-se e deu com o Arcanjo Miguel a seu lado. Este acendeu um cigarro e, sem conseguir disfarçar o riso, pôs a mão no ombro do velho anjo caído:
-- Então você não sabia que a principal qualidade de um virtuose é alcançar o Divino antes dos outros homens? O Eterno já se conectou à alma deste no dia seguinte ao seu pacto...
É por isso que quem desceu aos infernos e conseguiu voltar avisa: o maior problema do lugar é o repertório.
O maravilhoso Verissimo, hoje no Globo...
"Nós todos precisamos de cifras definitivas, mas estamos presos à mesma fatalidade: só a teremos depois de tudo terminado. Quer dizer: nunca. Não há fim que justifique os meios porque tudo, no fim, é meio. A cena final que explica tudo só existe na literatura policial. Nas nossas vidas, mal escritas e cheias de pistas falsas, nunca estamos presentes no desenlace. Morremos, invariavelmente, no penúltimo capítulo. E de todas as crueldades da morte, a maior é não podermos participar do nosso próprio velório, circular entre parentes e amigos, anotando quem foi e quem não foi, e ouvir o que falam de nós na nossa posteridade. E descobrir o que, afinal, a nossa vida quis dizer."
"Nós todos precisamos de cifras definitivas, mas estamos presos à mesma fatalidade: só a teremos depois de tudo terminado. Quer dizer: nunca. Não há fim que justifique os meios porque tudo, no fim, é meio. A cena final que explica tudo só existe na literatura policial. Nas nossas vidas, mal escritas e cheias de pistas falsas, nunca estamos presentes no desenlace. Morremos, invariavelmente, no penúltimo capítulo. E de todas as crueldades da morte, a maior é não podermos participar do nosso próprio velório, circular entre parentes e amigos, anotando quem foi e quem não foi, e ouvir o que falam de nós na nossa posteridade. E descobrir o que, afinal, a nossa vida quis dizer."
6.8.02
Tomei um animado chope ontem com minhas amigas jornalistas Daisy Chaves, Andréa Petti e Ilza Nogueira, companheiras dos anos que passei na Manchete. Fomos ao centenário Café Lamas e rimos a valer com as muitas histórias daquele tempo. Daisy hoje é roteirista e escritora e deixou as redações, criando em casa para a TV. Passamos poucas e boas como redatores de uma revista feminina, junto com a Ilza. Já Andréa foi minha valorosa companheira numa publicação que misturava ciência e temas esotéricos. Hoje trabalha na comunicação interna de uma grande empresa. O tempo passa...
5.8.02
Minicontos do desconforto -- 27
Afrodite e Atena passeavam pelo jardim de nuvens topiadas do Olimpo. Como eram amigas há tempos (o incidente com Páris já fora esquecido), a primeira perguntou à segunda, com franqueza, o porquê de sua feiúra.
-- A sabedoria não faz mais radiantes os rostos dos homens -- foi a resposta. -- Quanto mais sabem, mais eles descobrem as chagas de suas almas; então suas testas se enrugam, os cabelos caem, as bocas murcham e os olhos perdem o viço. E eu sou a soma dessas criaturas infelizes.
Afrodite e Atena passeavam pelo jardim de nuvens topiadas do Olimpo. Como eram amigas há tempos (o incidente com Páris já fora esquecido), a primeira perguntou à segunda, com franqueza, o porquê de sua feiúra.
-- A sabedoria não faz mais radiantes os rostos dos homens -- foi a resposta. -- Quanto mais sabem, mais eles descobrem as chagas de suas almas; então suas testas se enrugam, os cabelos caem, as bocas murcham e os olhos perdem o viço. E eu sou a soma dessas criaturas infelizes.
31.7.02
Hoje tem show de Hélcio (voz e teclados), Marcos (batera) e este vosso escriba na guitarra, lá no ChoppGol, na rua Felipe Camarão, 8, Vila Isabel, próximo ao Planeta Chope.
E por falar em roquenrou, a Entertainment Weekly deu hoje, depois da BillBoard e da VH-1 na sexta...
KISS reconsider retirement, plan tour - Paul Stanley says the band will put the face paint on again, three years after farewell tour
From: Entertainment Weekly
Nearly three years ago, after a long and storied career, Kiss launched a worldwide farewell tour, with bassist Gene Simmons saying the band wanted to go out on top. Now, however, it looks like they want to go out again. On the band's website, guitarist Paul Stanley says the band still wants to rock and roll all night, and party ev-e-ry day. "People do change their minds, and in this case that goes along with being a living, thinking person," writes Stanley, explaining the about-face. "What one says one day with total commitment may at another time turn out not to be so. Am I doing this for the money or the fans? BOTH, and let's not forget I'm doing this for me. That is the reason I originally started playing: because I wanted to, and only I can decide ultimately when to stop."
E por falar em roquenrou, a Entertainment Weekly deu hoje, depois da BillBoard e da VH-1 na sexta...
KISS reconsider retirement, plan tour - Paul Stanley says the band will put the face paint on again, three years after farewell tour
From: Entertainment Weekly
Nearly three years ago, after a long and storied career, Kiss launched a worldwide farewell tour, with bassist Gene Simmons saying the band wanted to go out on top. Now, however, it looks like they want to go out again. On the band's website, guitarist Paul Stanley says the band still wants to rock and roll all night, and party ev-e-ry day. "People do change their minds, and in this case that goes along with being a living, thinking person," writes Stanley, explaining the about-face. "What one says one day with total commitment may at another time turn out not to be so. Am I doing this for the money or the fans? BOTH, and let's not forget I'm doing this for me. That is the reason I originally started playing: because I wanted to, and only I can decide ultimately when to stop."
30.7.02
26.7.02
25.7.02
O show ontem foi bem divertido. Já cheguei com o pessoal começando -- o , Marcos nosso batera, também estava lá, completando o velho trio --, peguei a guitarra e mandamos ver. Apareceram na área para nos prestigiar a Luiza, aqui do caderninho, com o Sérgio e a Tielle, e minha grande amiga Ariadne Guimarães. Tocamos até cerca de meia-noite, depois ceamos e tomamos a saideira. E agora é de lei: toda quarta-feira o batera, Hélcio e eu vamos estar no ChoppGol. Vou lembrá-los toda semana, quem quiser pintar será bem-vindo.
(Obs.: as fotos são aquelas de 1983, hein ;-))
(Obs.: as fotos são aquelas de 1983, hein ;-))
24.7.02
Repito este post aqui para reforçá-lo...
De volta ao som
Aí, galera: vou sacudir o pó da guitarra hoje para reestrear acompanhando o Hélcio, velho parceiro, cantor e tecladista, no ChoppGol, na r. Felipe Camarão, em Vila Isabel (perto do Planeta Chopp), a partir das oito da noite. Aos que conhecem minhas tendências roqueiras, aviso logo: o trabalho nada tem a ver com elas. É todo calcado em cima de MPB e bem leve, no esquema da noite mesmo. Hélcio toca de tudo, de baladas a sambas, e eu o sigo na guitarra (canto algumas músicas eventualmente e faço uns backing vocals em outras). Se tudo der certo, passarei a acompanhá-lo todas as quartas-feiras.
De volta ao som
Aí, galera: vou sacudir o pó da guitarra hoje para reestrear acompanhando o Hélcio, velho parceiro, cantor e tecladista, no ChoppGol, na r. Felipe Camarão, em Vila Isabel (perto do Planeta Chopp), a partir das oito da noite. Aos que conhecem minhas tendências roqueiras, aviso logo: o trabalho nada tem a ver com elas. É todo calcado em cima de MPB e bem leve, no esquema da noite mesmo. Hélcio toca de tudo, de baladas a sambas, e eu o sigo na guitarra (canto algumas músicas eventualmente e faço uns backing vocals em outras). Se tudo der certo, passarei a acompanhá-lo todas as quartas-feiras.
23.7.02
Niver da Jessica, minha filha mais velha. Treze anos hoje. Caramba, o tempo passa. Com treze anos, escrevi minhas primeiras ficções, um tanto estereotipadas. Ela escrevinha poesias também (será que vai viver na pindaíba como eu? Tomara que não. Mas seja o que Deus quiser e que os bons ventos a levem em direção a sua vocação).
A Su vai se divertir com essa: como ela gosta de mangá, vamos sair para comer num restaurante japonês. Tinha de ser, né? ;-)
A Su vai se divertir com essa: como ela gosta de mangá, vamos sair para comer num restaurante japonês. Tinha de ser, né? ;-)
22.7.02
Minicontos do desconforto -- 26
Sua mulher o esbofeteou quando entrou em casa às quatro da manhã. Durante vinte anos ela nem se dignara acordar, jamais procurara marcas de batom onde quer que fosse, nunca ligou para os roncos que aumentavam com a bebedeira. Só que dessa vez ele chegara em casa totalmente sóbrio, composto e feliz, assobiando.
O tabefe foi compreendido e ele nunca mais recusou uma série de dez saideiras.
Sua mulher o esbofeteou quando entrou em casa às quatro da manhã. Durante vinte anos ela nem se dignara acordar, jamais procurara marcas de batom onde quer que fosse, nunca ligou para os roncos que aumentavam com a bebedeira. Só que dessa vez ele chegara em casa totalmente sóbrio, composto e feliz, assobiando.
O tabefe foi compreendido e ele nunca mais recusou uma série de dez saideiras.
19.7.02
18.7.02
De quem foi a culpa
Dentro do avião não perceberam que havia uma quinta pessoa. Estava junto com a bagagem, no escuro, ressonando suavemente. Um dos passageiros, que estava fortemente gripado, não cochilava e percebeu a presença.
-- Ei, quem é aquele ali atrás? -- cutucou ele o adolescente sonolento a seu lado, enquanto o avião decolava.
-- Hein? O quê?
-- Quem é o sujeito dormindo aí atrás? -- volveu o outro, falando mais alto e voltando-se também para o piloto. Este aparentemente não ouviu, atento ao manche e ao clima. Mas o ressonar perto da bagagem de repente parou e os passageiros se depararam com um rosto grego e pálido, que falou pausadamente.
-- Eu tinha que acompanhar vocês hoje, rapazes. Mas prometi ao chefe que ia dormir e então tudo não passaria de um risco, de um susto. Achava que vocês estariam cansados demais para me acordar... mas me acordaram. Sinto muito.
Ninguém disse nada. Ninguém teve tempo de dizer nada. Logo depois o avião caiu. Era a madrugada de um frio começo de fevereiro e todos morreram instantaneamente: Big Bopper, Ritchie Valens, Buddy Holly e o piloto. Nascia o dia em que a música morreu.
Só saiu do avião, andando em plena nevasca em Iowa, um vulto de toga. Ninguém o viu. Mas alguns acordaram com o brado que juraram vir dos céus sobre os campos naquela madrugada de 1959:
-- Tânatos! Ah, Tânatos!
Dentro do avião não perceberam que havia uma quinta pessoa. Estava junto com a bagagem, no escuro, ressonando suavemente. Um dos passageiros, que estava fortemente gripado, não cochilava e percebeu a presença.
-- Ei, quem é aquele ali atrás? -- cutucou ele o adolescente sonolento a seu lado, enquanto o avião decolava.
-- Hein? O quê?
-- Quem é o sujeito dormindo aí atrás? -- volveu o outro, falando mais alto e voltando-se também para o piloto. Este aparentemente não ouviu, atento ao manche e ao clima. Mas o ressonar perto da bagagem de repente parou e os passageiros se depararam com um rosto grego e pálido, que falou pausadamente.
-- Eu tinha que acompanhar vocês hoje, rapazes. Mas prometi ao chefe que ia dormir e então tudo não passaria de um risco, de um susto. Achava que vocês estariam cansados demais para me acordar... mas me acordaram. Sinto muito.
Ninguém disse nada. Ninguém teve tempo de dizer nada. Logo depois o avião caiu. Era a madrugada de um frio começo de fevereiro e todos morreram instantaneamente: Big Bopper, Ritchie Valens, Buddy Holly e o piloto. Nascia o dia em que a música morreu.
Só saiu do avião, andando em plena nevasca em Iowa, um vulto de toga. Ninguém o viu. Mas alguns acordaram com o brado que juraram vir dos céus sobre os campos naquela madrugada de 1959:
-- Tânatos! Ah, Tânatos!
17.7.02
Do Elio Gaspari, citando a jornalista mexicana Alma Guillermopietro, especialista nas crises da América Latina:
"(...)“A única maneira de ser como o Che [Guevara] era morrer como ele, e todas essas mortes não foram suficientes para criar o mundo perfeito que o Che buscava.” Ela prossegue: “Guevara nasceu na hora do herói latino-americano” e tornou-se esse personagem “só, único”. “A imagem desse herói ainda cativa um grande número de latino-americanos que não conseguem cobrar as responsabilidades de seus líderes mas conseguem, como o Che morto ainda é capaz de fazê-lo, cobrar desses mesmos líderes atos de grandeza, fervores e rupturas. O Che vivo não foi o herói perfeito para seu tempo e lugar: ele queria que os outros seguissem seu exemplo impossível e nunca entendeu como combinar o que ele queria com o que se podia conseguir. Ficará para a eternidade o debate de se a vida e o exemplo do Che aceleraram o advento dos tempos de hoje, nos quais não há causas perfeitas e as pessoas como ele estão mais do que nunca fora do lugar.”
"(...)“A única maneira de ser como o Che [Guevara] era morrer como ele, e todas essas mortes não foram suficientes para criar o mundo perfeito que o Che buscava.” Ela prossegue: “Guevara nasceu na hora do herói latino-americano” e tornou-se esse personagem “só, único”. “A imagem desse herói ainda cativa um grande número de latino-americanos que não conseguem cobrar as responsabilidades de seus líderes mas conseguem, como o Che morto ainda é capaz de fazê-lo, cobrar desses mesmos líderes atos de grandeza, fervores e rupturas. O Che vivo não foi o herói perfeito para seu tempo e lugar: ele queria que os outros seguissem seu exemplo impossível e nunca entendeu como combinar o que ele queria com o que se podia conseguir. Ficará para a eternidade o debate de se a vida e o exemplo do Che aceleraram o advento dos tempos de hoje, nos quais não há causas perfeitas e as pessoas como ele estão mais do que nunca fora do lugar.”
16.7.02
Minicontos do desconforto -- 25
Seus olhos lacrimejavam há dois dias e ele não conseguia entender por quê. Então a viu encostada no poste do ponto de ônibus. E compreendeu que suas córneas tinham profetizado sozinhas que ele encontraria a Beleza, a verdadeira e única, e por isso choravam sem parar há quarenta e oito horas, antecipando o choque.
Seus olhos lacrimejavam há dois dias e ele não conseguia entender por quê. Então a viu encostada no poste do ponto de ônibus. E compreendeu que suas córneas tinham profetizado sozinhas que ele encontraria a Beleza, a verdadeira e única, e por isso choravam sem parar há quarenta e oito horas, antecipando o choque.
15.7.02
Sábado, no National Geographic Channel, passou um documentário sobre os descendentes de Fletcher Christian, o célebre líder dos amotinados do "Bounty", que no final do século XVIII largou o tirânico capitão William Bligh à deriva no Pacífico e foi viver na Ilha Pitcairn. Foi uma história de selvageria, com os amotinados, que pretendiam viver num paraíso terrestre, escravizando os nativos polinésios que seguiram com eles para a ilha e depois sendo sucessivamente assassinados por eles. Só sobrou um europeu entre os polinésios, que os catequizou no fim. Olhando as imagens da ilha -- de beleza estonteante -- pensei em como o homem consegue, por vezes, estragar de maneira terrível as dádivas da Criação. E em como o inferno está mesmo cheio das melhores intenções.
Lembrei-me também dos três filmes memoráveis sobre Bligh e Fletcher: um com Charles Laughton e Clark Gable, outro com Trevor Howard e Marlon Brando e outro ainda com Anthony Hopkins e Mel Gibson. Vi os três. Acho a história do motim fascinante.
Lembrei-me também dos três filmes memoráveis sobre Bligh e Fletcher: um com Charles Laughton e Clark Gable, outro com Trevor Howard e Marlon Brando e outro ainda com Anthony Hopkins e Mel Gibson. Vi os três. Acho a história do motim fascinante.
12.7.02
"Lord Illingworth
Shall we go into tea?
Mrs Allonby
Do you like such simple pleasures?
Lord Illingworth
I adore simple pleasures. They are the last refuge of the complex. But, if you wish, let us stay here. Yes, let us stay here. The Book of Life begins with a man and a woman in a garden.
Mrs Allonby
It ends with Revelations."
(Oscar Wilde, "A Woman of No Importance", 1893)
Shall we go into tea?
Mrs Allonby
Do you like such simple pleasures?
Lord Illingworth
I adore simple pleasures. They are the last refuge of the complex. But, if you wish, let us stay here. Yes, let us stay here. The Book of Life begins with a man and a woman in a garden.
Mrs Allonby
It ends with Revelations."
(Oscar Wilde, "A Woman of No Importance", 1893)
11.7.02
No Cadafalso I, chamei a atenção para uma crônica do Veríssimo que acerta em cheio sobre a hipocrisia do mercado financeiro e as noções de normalidade e caos. Antes, porém, veio esse petardo do Márcio Moreira Alves em 18 de junho:
"Mal havia tocado o solo brasileiro e recebi o recado da May, secretária e amiga que há décadas cuida da minha vida econômica e profissional, de que deveria ser o moderador da palestra que Lula faria na Firjan, como fez, ontem, depois do jogo com a Bélgica. Acompanhara em viagem as notícias sobre o nervosismo político dos especuladores com a evolução das pesquisas de intenção de voto.
Nervosismo político, uma ova. Trata-se de puro exercício especulativo, com o objetivo de ganhar dinheiro. Derrubam, com as suas avaliações, as cotações dos títulos do governo brasileiro em Nova York, os tais C-Bonds, para recomprá-los com gordos lucros adiante. As oscilações nas cotações pressionam a assessoria econômica do PT, forçando-o a fazer promessas tranqüilizadoras, garantindo o respeito aos compromissos assumidos com investidores no Brasil e no exterior e, assim, assegurar a continuidade da transferência de recursos cada vez maiores do setor produtivo para o setor financeiro.
A revista "Bankers", a mais lida entre os profissionais do mercado financeiro, publicou há tempos uma edição com Pedro Malan na capa. No texto, recheado de elogios, considerava-o o melhor ministro da Fazenda da América Latina. Mais do que uma reportagem, era uma homenagem. Nada mais justo. Nenhum outro ministro da Fazenda deste quintal americano jamais ousou transferir tanto dinheiro das atividades geradoras de empregos e de produção para os rentistas do que o nosso impávido Malan. Tudo o que os especuladores querem é que continue chovendo na sua horta e que o substituto de Malan garanta a continuidade dessa transferência, ainda que saibam ser ela quase impossível dado o volume que atingiu. O próprio presidente do Banco Central, Armínio Fraga, reconhece a realidade quando afirma que o próximo governo quase certamente terá de renegociar os prazos da dívida interna, alongando-os. É que, tendo tido uma carreira de grande sucesso no mercado financeiro de Nova York, Armínio tem a mesma ótica de seus ex-colegas das agências de classificação de risco. Essas agências há muitos anos, muito antes do chamado "efeito Lula", colocam o Brasil entre as dez mais arriscadas apostas do mercado mundial.
O Brasil fazia tudo o que os americanos, através do FMI, mandavam fazer e nada. Não comovia os analistas e não melhorava de posição. Hoje, o Brasil só é considerado risco menor do que a Argentina e a Nigéria. É que o risco Brasil não está na possibilidade de Lula ganhar as eleições. O risco é de o país não poder continuar a pagar o serviço das dívidas interna e externa. Internamente, já se tira 3,5% do PIB para gerar um superávit fiscal primário. Quer dizer que se paralisam investimentos, físicos e sociais, em todos os níveis de governo, como os que geram o racionamento de energia ou a epidemia de dengue. E ainda há economistas que defendem cortes maiores, até em dobro. E isso não é risco Lula, é o risco da equipe econômica, risco Malan. Óbvio ululante, mas pouca gente fala disso, mesmo na oposição. (...)"
"Mal havia tocado o solo brasileiro e recebi o recado da May, secretária e amiga que há décadas cuida da minha vida econômica e profissional, de que deveria ser o moderador da palestra que Lula faria na Firjan, como fez, ontem, depois do jogo com a Bélgica. Acompanhara em viagem as notícias sobre o nervosismo político dos especuladores com a evolução das pesquisas de intenção de voto.
Nervosismo político, uma ova. Trata-se de puro exercício especulativo, com o objetivo de ganhar dinheiro. Derrubam, com as suas avaliações, as cotações dos títulos do governo brasileiro em Nova York, os tais C-Bonds, para recomprá-los com gordos lucros adiante. As oscilações nas cotações pressionam a assessoria econômica do PT, forçando-o a fazer promessas tranqüilizadoras, garantindo o respeito aos compromissos assumidos com investidores no Brasil e no exterior e, assim, assegurar a continuidade da transferência de recursos cada vez maiores do setor produtivo para o setor financeiro.
A revista "Bankers", a mais lida entre os profissionais do mercado financeiro, publicou há tempos uma edição com Pedro Malan na capa. No texto, recheado de elogios, considerava-o o melhor ministro da Fazenda da América Latina. Mais do que uma reportagem, era uma homenagem. Nada mais justo. Nenhum outro ministro da Fazenda deste quintal americano jamais ousou transferir tanto dinheiro das atividades geradoras de empregos e de produção para os rentistas do que o nosso impávido Malan. Tudo o que os especuladores querem é que continue chovendo na sua horta e que o substituto de Malan garanta a continuidade dessa transferência, ainda que saibam ser ela quase impossível dado o volume que atingiu. O próprio presidente do Banco Central, Armínio Fraga, reconhece a realidade quando afirma que o próximo governo quase certamente terá de renegociar os prazos da dívida interna, alongando-os. É que, tendo tido uma carreira de grande sucesso no mercado financeiro de Nova York, Armínio tem a mesma ótica de seus ex-colegas das agências de classificação de risco. Essas agências há muitos anos, muito antes do chamado "efeito Lula", colocam o Brasil entre as dez mais arriscadas apostas do mercado mundial.
O Brasil fazia tudo o que os americanos, através do FMI, mandavam fazer e nada. Não comovia os analistas e não melhorava de posição. Hoje, o Brasil só é considerado risco menor do que a Argentina e a Nigéria. É que o risco Brasil não está na possibilidade de Lula ganhar as eleições. O risco é de o país não poder continuar a pagar o serviço das dívidas interna e externa. Internamente, já se tira 3,5% do PIB para gerar um superávit fiscal primário. Quer dizer que se paralisam investimentos, físicos e sociais, em todos os níveis de governo, como os que geram o racionamento de energia ou a epidemia de dengue. E ainda há economistas que defendem cortes maiores, até em dobro. E isso não é risco Lula, é o risco da equipe econômica, risco Malan. Óbvio ululante, mas pouca gente fala disso, mesmo na oposição. (...)"
9.7.02
O homem-elefante finalmente vai descansar em paz
Deu na CNN.com.br:
LONDRES -- A família do "Homem-Elefante" – cujo nome era Joseph Merrick e ganhou notoriedade por ter sido usado como uma atração de shows de aberrações na Grã-Bretanha do século 19 – está reivindicando uma autorização para sepultá-lo, 112 anos após sua morte, informou o jornal Sunday Times.
O esqueleto de Merrick foi conservado pelo hospital Whitechapel, no leste de Londres, na esperança de um dia poder descobrir o que fez com seu crânio começasse a inchar quando ele era ainda criança, até ficar mais largo que sua bacia.
Seus lábios inverteram-se, formando uma tromba de mais de 10 centímetros. Merrick morreu aos 28 anos.
"Eu gostaria de lhe dar um enterro digno", declarou Ray Merrick, um membro da família, de 74 anos.
Deu na CNN.com.br:
LONDRES -- A família do "Homem-Elefante" – cujo nome era Joseph Merrick e ganhou notoriedade por ter sido usado como uma atração de shows de aberrações na Grã-Bretanha do século 19 – está reivindicando uma autorização para sepultá-lo, 112 anos após sua morte, informou o jornal Sunday Times.
O esqueleto de Merrick foi conservado pelo hospital Whitechapel, no leste de Londres, na esperança de um dia poder descobrir o que fez com seu crânio começasse a inchar quando ele era ainda criança, até ficar mais largo que sua bacia.
Seus lábios inverteram-se, formando uma tromba de mais de 10 centímetros. Merrick morreu aos 28 anos.
"Eu gostaria de lhe dar um enterro digno", declarou Ray Merrick, um membro da família, de 74 anos.
8.7.02
She'll adore you and she'll floor you
With her wisdom and her vision
And you'll love it and think of it
Till you lose all intuition
She can move you and improve you
With her love and her devotion
And she'll thrill you and she'll chill you
But you're headed for commotion
And you'll need her so you'll feed her
With your endless dedication
And the quicker you get sicker
She'll remove your medication
Get the firehouse!
'Cause she sets my soul afire
Get the firehouse!
And the flames keep gettin' higher
She's like bad weather but it seems so good
You'd never leave her but you know you should...
("Firehouse", P. Stanley, 1973)
With her wisdom and her vision
And you'll love it and think of it
Till you lose all intuition
She can move you and improve you
With her love and her devotion
And she'll thrill you and she'll chill you
But you're headed for commotion
And you'll need her so you'll feed her
With your endless dedication
And the quicker you get sicker
She'll remove your medication
Get the firehouse!
'Cause she sets my soul afire
Get the firehouse!
And the flames keep gettin' higher
She's like bad weather but it seems so good
You'd never leave her but you know you should...
("Firehouse", P. Stanley, 1973)
7.7.02
Hoje faz exatos 19 anos do show histórico de minha velha banda, o Estrada Fróes, no teatro da Uff, em Nikity City. Foi uma das noites mais emocionantes de nossa trajetória, que levamos seis meses preparando, com ensaios, propaganda, entrevistas, documentação e um grande etc. Mas é claro que na hora aparecem aqueles imprevistos, alguns desagradáveis (como descobrir que a regulagem da mesa de som, em que você tinha trabalhado a tarde inteira, estava toda esculhambada) e outros muito divertidos (como um improviso guitarra+batera que nunca mais eu e Marcos fizemos com a mesma perfeição daquela noite). Lembro-me bem que depois do show fomos ao velho bar Tim Tim, na época um dos poucos na praia de S. Francisco que serviam cervejas e não chopes. Eu tinha iniciado um namoro há três dias e estava nas nuvens. Como diz aquela canção do Chic que não deixa ninguém parado:
Good times, these are the good times
Leave your cares behind,
these are the good times
Good times, these are the good times
Our new state of mind, these are the good times
Happy days are here again
The time is right for makin' friends
Let's get together, how 'bout a quarter to ten
Come tomorrow, let's all do it again...
Good times, these are the good times
Leave your cares behind,
these are the good times
Good times, these are the good times
Our new state of mind, these are the good times
Happy days are here again
The time is right for makin' friends
Let's get together, how 'bout a quarter to ten
Come tomorrow, let's all do it again...
6.7.02
Este eu tirei do Terceira Base, do Hiro: gostaria de ver seu nome em hieróglifos?
E este achei no Google: como é seu nome em japonês? (Tem também tailandês, árabe, russo, havaiano e esquimó...)
E este achei no Google: como é seu nome em japonês? (Tem também tailandês, árabe, russo, havaiano e esquimó...)
5.7.02
When you are old
When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once,
and of their shadows deep;
How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;
And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.
(W. B. Yeats, "The Rose", 1893)
When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once,
and of their shadows deep;
How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;
And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.
(W. B. Yeats, "The Rose", 1893)
4.7.02
3.7.02
Minicontos do desconforto -- 24
25 de junho de 1876. As tropas do general americano George Custer são massacradas em Little Bighorn. A última coisa que Custer sente é a dor nos lados da cabeça enquanto os sioux decepam suas orelhas. Diziam que ele não os ouvira e quebrara inúmeros tratados, daí a necessidade de lhe tomar as orelhas para que pudesse escutar suas reivindicações.
Depois, o escuro e o nada.
Passado um período impossível de medir por padrões terrenos, Custer acorda no meio de nuvens, num prado flutuante ao lado de um riacho paradisíaco. A seu lado, um velho batedor mestiço que o servira na Guerra Civil.
-- Ora, parece que vim parar no céu... Logo eu que achava ter pecados sobrando -- murmurou, ainda meio tonto, o general.
O batedor riu. A seu riso seguiu-se o som do canto de guerra de um milhão de guerreiros sioux, navajos, comanches e de quantas nações hoje dizimadas da América se possa lembrar.
-- É, o senhor está no céu -- disse o batedor devagar. -- No céu dos índios.
E gargalhou.
Até hoje -- e por toda a eternidade -- Custer morre diariamente naquele paraíso, e todos os dias suas orelhas são arrancadas pelos nativos, e todas as noites a vitória é comemorada pelas tribos mortas e ecoa pela Via Láctea.
25 de junho de 1876. As tropas do general americano George Custer são massacradas em Little Bighorn. A última coisa que Custer sente é a dor nos lados da cabeça enquanto os sioux decepam suas orelhas. Diziam que ele não os ouvira e quebrara inúmeros tratados, daí a necessidade de lhe tomar as orelhas para que pudesse escutar suas reivindicações.
Depois, o escuro e o nada.
Passado um período impossível de medir por padrões terrenos, Custer acorda no meio de nuvens, num prado flutuante ao lado de um riacho paradisíaco. A seu lado, um velho batedor mestiço que o servira na Guerra Civil.
-- Ora, parece que vim parar no céu... Logo eu que achava ter pecados sobrando -- murmurou, ainda meio tonto, o general.
O batedor riu. A seu riso seguiu-se o som do canto de guerra de um milhão de guerreiros sioux, navajos, comanches e de quantas nações hoje dizimadas da América se possa lembrar.
-- É, o senhor está no céu -- disse o batedor devagar. -- No céu dos índios.
E gargalhou.
Até hoje -- e por toda a eternidade -- Custer morre diariamente naquele paraíso, e todos os dias suas orelhas são arrancadas pelos nativos, e todas as noites a vitória é comemorada pelas tribos mortas e ecoa pela Via Láctea.
1.7.02
É penta (1)
"Ouves o aplauso deste povo imenso
Lava, que irrompe do pop'lar vulcão?
É o bronze rubro, que ao fundir dos bustos
Referve ardente do porvir na mão.
(...)
Que queres? Ouve! -- são mil palmas férvidas,
Olha! -- é o delírio, que prorrompe audaz.
Pisa! -- são flores, que tu tens às plantas,
Toca na fronte -- coroada estás.
Descansa pois, como o condor nos Andes,
Pairando altivo sobre a terra e mar,
Poisa nas nuvens p'ra arrogante em breve
Distante... longe... mais além de voar."
(Castro Alves, "Poesias Coligidas")
"Ouves o aplauso deste povo imenso
Lava, que irrompe do pop'lar vulcão?
É o bronze rubro, que ao fundir dos bustos
Referve ardente do porvir na mão.
(...)
Que queres? Ouve! -- são mil palmas férvidas,
Olha! -- é o delírio, que prorrompe audaz.
Pisa! -- são flores, que tu tens às plantas,
Toca na fronte -- coroada estás.
Descansa pois, como o condor nos Andes,
Pairando altivo sobre a terra e mar,
Poisa nas nuvens p'ra arrogante em breve
Distante... longe... mais além de voar."
(Castro Alves, "Poesias Coligidas")
28.6.02
Adeus, John "The Bovine" Entwistle. Puxa vida, o que o Who vai fazer agora sem a melhor cozinha (baixo + batera) do rock? Pelo menos você e o Keith Moon vão poder se juntar à "Dead Band" aí no céu e fazer grandes jams com Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, John Lennon e George Harrison.
Aqui embaixo, o jeito vai ser criar os "Wheatles", já que dos Beatles sobraram Ringo (batera) e Paul (baixo) e do Who ficaram Townshend (guitarra) e Daltrey (voz). Acho que pode dar um misto interessante...
Aqui embaixo, o jeito vai ser criar os "Wheatles", já que dos Beatles sobraram Ringo (batera) e Paul (baixo) e do Who ficaram Townshend (guitarra) e Daltrey (voz). Acho que pode dar um misto interessante...
27.6.02
26.6.02
Brasil e Alemanha, domingo. O primeiro jogo dos dois numa Copa, e ainda mais na final. Vai ser um duelo de gigantes. Melhor a gente se preparar bem, com muita meditação -- e consultando um dicionário alternativo de termos chulos em alemão para xingar melhor o time deles ;-))
25.6.02
Por aqui vivemos a pretensa instabilidade dos mercados, essa cria maldita da teoria do caos, que faz com que uma mosca tsé-tsé em Timbuctu abale as hienas de Wall Street. E o dinheiro sempre nas mãos dos mesmos. O pior de tudo é saber que os juros altos já vêm de quase quatrocentos anos. Basta ler um trecho do impagável Gregório de Matos (1633-1696):
"O Mercador avarento,
quando a sua compra estende,
no que compra, e no que vende,
tira duzentos por cento:
não é ele tão jumento,
que não saiba, que em Lisboa
se Ihe há de dar na gamboa;
mas comido já o dinheiro
diz que a honra está primeiro,
e que honrado a toda Lei:
esta é a justiça, que manda El-Rei."
"O Mercador avarento,
quando a sua compra estende,
no que compra, e no que vende,
tira duzentos por cento:
não é ele tão jumento,
que não saiba, que em Lisboa
se Ihe há de dar na gamboa;
mas comido já o dinheiro
diz que a honra está primeiro,
e que honrado a toda Lei:
esta é a justiça, que manda El-Rei."
24.6.02
A Cora escreveu sobre o encontro do Karl Popper com o Wittgenstein lá no InternETC, e eu me lembrei de outras histórias. O Wilde tem várias. Uma das mais gostosas aconteceu na noite de 20 de fevereiro de 1892, num dos intervalos da estréia da comédia dramática "O leque de lady Windermere". Estava Wilde no bar quando chegou o jovem poeta Richard Le Gallienne, que acabara de publicar "A religião do homem literário". O gigantesco escritor irlandês logo se dirigiu a ele:
-- Richard, meu querido, muitíssimo interessante seu novo livro... Se bem que você foi extremamente injusto comigo nele.
Le Gallienne foi apanhado de surpresa.
-- Injusto, Oscar? Realmente? -- atalhou, sem graça.
-- Sim, por demais injusto -- continuou o outro.
-- Mas... Oscar... -- volveu o poeta -- eu sequer me lembro de tê-lo citado no livro...
-- Foi precisamente isto -- rebateu Wilde, rindo junto com os demais.
-- Richard, meu querido, muitíssimo interessante seu novo livro... Se bem que você foi extremamente injusto comigo nele.
Le Gallienne foi apanhado de surpresa.
-- Injusto, Oscar? Realmente? -- atalhou, sem graça.
-- Sim, por demais injusto -- continuou o outro.
-- Mas... Oscar... -- volveu o poeta -- eu sequer me lembro de tê-lo citado no livro...
-- Foi precisamente isto -- rebateu Wilde, rindo junto com os demais.
21.6.02
Minicontos do desconforto -- 23
Os dois duendes trouxeram os pedais para sua guitarra: um overdrive e um flanger. Discretos, puseram-nos entre a bateria e o teclado. Ninguém percebeu -- até o primeiro solo. Tocou como nunca aquela noite. Seus dedos passeavam sobre o braço do instrumento como se fossem parte dele.
Depois do show, viram-no falando sozinho na praia e presumiram erroneamente que estivesse chapado.
No dia seguinte, o baterista ganhou um bumbo que só faltava falar e o tecladista descobriu cinco novos efeitos em seu Roland.
Os dois duendes trouxeram os pedais para sua guitarra: um overdrive e um flanger. Discretos, puseram-nos entre a bateria e o teclado. Ninguém percebeu -- até o primeiro solo. Tocou como nunca aquela noite. Seus dedos passeavam sobre o braço do instrumento como se fossem parte dele.
Depois do show, viram-no falando sozinho na praia e presumiram erroneamente que estivesse chapado.
No dia seguinte, o baterista ganhou um bumbo que só faltava falar e o tecladista descobriu cinco novos efeitos em seu Roland.
20.6.02
Exorciza as nuvens
Todas as nuvens passam --
até as mais ferozes;
é só soprar com força
e não ceder jamais
Tua pena consistente espanará o negror
e quero estar a teu lado
para estilhaçá-lo num sustenido;
Teu riso há de ser inquebrantável
Porque ele expulsou
um demônio do meu coração
e me faz invencível quando estamos juntos
-- é uma espécie de shazam sem anel.
Dá o passo necessário
Ainda que lhe tomem os pés;
Usa o olhar como sabre
Pois é com ele que toureamos as nuvens
com as formas que queremos.
E se ainda assim
a Esperança fizer dengo e beicinho
Eu rogo: chama-me.
Juntos beberemos do barril de Omar
até não haver mais nuvens, nem planetas,
nem sistemas
e só restarem estrelas servis
que chutaremos, às gargalhadas,
no caminho para casa.
Todas as nuvens passam --
até as mais ferozes;
é só soprar com força
e não ceder jamais
Tua pena consistente espanará o negror
e quero estar a teu lado
para estilhaçá-lo num sustenido;
Teu riso há de ser inquebrantável
Porque ele expulsou
um demônio do meu coração
e me faz invencível quando estamos juntos
-- é uma espécie de shazam sem anel.
Dá o passo necessário
Ainda que lhe tomem os pés;
Usa o olhar como sabre
Pois é com ele que toureamos as nuvens
com as formas que queremos.
E se ainda assim
a Esperança fizer dengo e beicinho
Eu rogo: chama-me.
Juntos beberemos do barril de Omar
até não haver mais nuvens, nem planetas,
nem sistemas
e só restarem estrelas servis
que chutaremos, às gargalhadas,
no caminho para casa.
19.6.02
Minicontos do desconforto -- 22
Percebeu que ainda gostava dele quando o viu beijar na boca a velha amiga, bem na sua frente. Tinha orgulho de tê-lo esquecido, de ter virado mais uma página em sua vida depois de sofrer desesperadamente por se saber não correspondida. O pior é que, quando aconteceu, tinha largado o vício da paixão há mais de dez anos. Nunca mais tomara um só copo de tal elixir e agradecia a Deus por cada manhã sóbria.
E agora... agora não conseguia desviar os olhos dos beijos que se repetiam. "Pára!", gritou para sua alma. Ela fez ouvidos moucos.
Resolveu ir embora. Ele pediu que não fosse, disse que planejava regressar com ela. Disse-o com a costumeira nonchalance, ao mesmo tempo em que acariciava o pescoço da amiga.
Ela abriu a boca para responder, quando foi interrompida por mais um beijo. A amiga foi mais sedutora desta vez. Aí não deu. Começou a chorar. Fraquejou. Apoiou-se na pilastra mais próxima. Ele se levantou, tentou ampará-la, ela deu-lhe um safanão. Chorou mais e mais, até perceber que não estava conseguindo ficar de pé. Olhou para baixo e... já não tinha mais pés. As lágrimas haviam formado uma parede líquida que a consumia de baixo para cima. O que só a fez chorar ainda mais.
Mais tarde, na delegacia, dando-a como desaparecida, o atônito casal de amigos também chorou. Os dois jamais souberam que haviam presenciado um milagre: uma mulher se transmutando numa poça de tristeza.
Percebeu que ainda gostava dele quando o viu beijar na boca a velha amiga, bem na sua frente. Tinha orgulho de tê-lo esquecido, de ter virado mais uma página em sua vida depois de sofrer desesperadamente por se saber não correspondida. O pior é que, quando aconteceu, tinha largado o vício da paixão há mais de dez anos. Nunca mais tomara um só copo de tal elixir e agradecia a Deus por cada manhã sóbria.
E agora... agora não conseguia desviar os olhos dos beijos que se repetiam. "Pára!", gritou para sua alma. Ela fez ouvidos moucos.
Resolveu ir embora. Ele pediu que não fosse, disse que planejava regressar com ela. Disse-o com a costumeira nonchalance, ao mesmo tempo em que acariciava o pescoço da amiga.
Ela abriu a boca para responder, quando foi interrompida por mais um beijo. A amiga foi mais sedutora desta vez. Aí não deu. Começou a chorar. Fraquejou. Apoiou-se na pilastra mais próxima. Ele se levantou, tentou ampará-la, ela deu-lhe um safanão. Chorou mais e mais, até perceber que não estava conseguindo ficar de pé. Olhou para baixo e... já não tinha mais pés. As lágrimas haviam formado uma parede líquida que a consumia de baixo para cima. O que só a fez chorar ainda mais.
Mais tarde, na delegacia, dando-a como desaparecida, o atônito casal de amigos também chorou. Os dois jamais souberam que haviam presenciado um milagre: uma mulher se transmutando numa poça de tristeza.
17.6.02
Tarde de estréia
Uma de minhas inspirações para os "Minicontos do Desconforto" que rabisco aqui foi a série "Encontros e Desencontros", de Alessandra Archer, cujos textos adoro (já insisti com ela para que publicasse alguns de seus escritos mais pessoais e abissais, mas Alessandra é tímida por natureza. Algum dia, quem sabe...). Por isso estou felicíssimo de publicar neste Cadafalso, em primeira mão, nosso conto em dupla número 1. Espero que seja apenas o começo de uma parceria fecunda.
O doce colorido
André Machado e Alessandra Archer
Tinha nove anos e foi com os pais visitar a madrinha, severa médica numa recém-criada colônia para aqueles que vivem numa realidade diferente da nossa, e que alguns preferem chamar de loucos. Na sua visão de criança, achou o lugar, ainda em construção, enorme. Passeou por toda a sua extensão, mas, estranhamente, não viu ninguém no pátio. Tudo estava silencioso.
Depois do almoço, enquanto os adultos fumavam num espaço reservado, pediu para ir à lanchonete azul que vira no pátio para comprar um doce colorido. A mãe deu-lhe algumas moedas e ele saiu correndo antes que o avistassem.
Chegou ao espaço aberto e todos os loucos estavam lá, reunidos, em seus pijamas esbranquiçados. Devia ser hora do exercício diário, ou algo assim. Alguns andavam para lá e para cá, outros olharam para ele interrogativamente. De repente, um cão surgiu do meio do nada, latindo ferozmente, correndo em sua direção. Apavorado, não conseguiu sair do lugar.
Foi quando um dos internos saiu de sua aparente apatia e chamou o cão. Balançando o rabo, o animal voltou e seguiu o homem, que andava devagar. Mas o menino continuava paralisado.
Não sabia qual deveria ser seu próximo movimento. Retroceder para a segurança e normalidade do ambiente enfumaçado de seus pais ou prosseguir, rumo ao desejo de comer um doce colorido, ameaçado por um cão e por pessoas estranhas. "Estou tão perto da lanchonete", pensou. Sem desdém ou covardia diante de seus anseios, seguiu impávido, observando todos os detalhes do pátio amplo. Passos apressados, olhar firme, quase não se reconhecia.
"Quero aquele doce ali", apontou, rígido. A moça embrulhou-o, sem sorrisos para crianças, que ali não era lugar para elas. Pacote na mão, viu-se outra vez sem ação. Onde suprir sua alegria infantil longe dos olhares tristonhos e distantes que o cercavam?
À direita do estacionamento havia uma área erma, uma pequena quadra de esportes de terra batida, cercada de árvores, e para lá o menino se encaminhou, contendo o êxtase. Sentou-se numa mureta e antes de desembrulhar o doce passou a vista ao redor. Ninguém. Abriu o pacote, mas alguém apareceu de repente sentando-se ao seu lado com olhar de soslaio e riso apertado, dizendo "quero uma bala". Sentiu medo, como se estivesse cara a cara com o cão feroz que para ele latira há pouco. "Mãe", palavra curta, idéia clara, fechada e única no redemoinho de invencionices de um garoto; "pai", imagem forte, ajustada, certeira, de um pensamento simplista, quase uma prece, de um menino assustado por natureza.
As mãos pequenas estenderam-se, obedientes, para as mãos sujas do alguém que pedira uma bala. Mas o braço vacilou indefeso diante da afronta da não-realização de seu querer, e as balas azuis, amarelas, vermelhas, verdes e laranja caíram, misturando-se à areia. "O que não mata engorda" foi a frase dita pelo alguém que catou um a um os doces, soprando-os e engolindo-os.
O menino já estava longe, correndo contra o tempo, pois sabia que haveria ainda para si lanchonetes abertas a vender-lhe novos doces e um ambiente severo e fumacento onde poderia suprir sua carência de distanciar-se de um mundo desconhecido.
Uma de minhas inspirações para os "Minicontos do Desconforto" que rabisco aqui foi a série "Encontros e Desencontros", de Alessandra Archer, cujos textos adoro (já insisti com ela para que publicasse alguns de seus escritos mais pessoais e abissais, mas Alessandra é tímida por natureza. Algum dia, quem sabe...). Por isso estou felicíssimo de publicar neste Cadafalso, em primeira mão, nosso conto em dupla número 1. Espero que seja apenas o começo de uma parceria fecunda.
O doce colorido
André Machado e Alessandra Archer
Tinha nove anos e foi com os pais visitar a madrinha, severa médica numa recém-criada colônia para aqueles que vivem numa realidade diferente da nossa, e que alguns preferem chamar de loucos. Na sua visão de criança, achou o lugar, ainda em construção, enorme. Passeou por toda a sua extensão, mas, estranhamente, não viu ninguém no pátio. Tudo estava silencioso.
Depois do almoço, enquanto os adultos fumavam num espaço reservado, pediu para ir à lanchonete azul que vira no pátio para comprar um doce colorido. A mãe deu-lhe algumas moedas e ele saiu correndo antes que o avistassem.
Chegou ao espaço aberto e todos os loucos estavam lá, reunidos, em seus pijamas esbranquiçados. Devia ser hora do exercício diário, ou algo assim. Alguns andavam para lá e para cá, outros olharam para ele interrogativamente. De repente, um cão surgiu do meio do nada, latindo ferozmente, correndo em sua direção. Apavorado, não conseguiu sair do lugar.
Foi quando um dos internos saiu de sua aparente apatia e chamou o cão. Balançando o rabo, o animal voltou e seguiu o homem, que andava devagar. Mas o menino continuava paralisado.
Não sabia qual deveria ser seu próximo movimento. Retroceder para a segurança e normalidade do ambiente enfumaçado de seus pais ou prosseguir, rumo ao desejo de comer um doce colorido, ameaçado por um cão e por pessoas estranhas. "Estou tão perto da lanchonete", pensou. Sem desdém ou covardia diante de seus anseios, seguiu impávido, observando todos os detalhes do pátio amplo. Passos apressados, olhar firme, quase não se reconhecia.
"Quero aquele doce ali", apontou, rígido. A moça embrulhou-o, sem sorrisos para crianças, que ali não era lugar para elas. Pacote na mão, viu-se outra vez sem ação. Onde suprir sua alegria infantil longe dos olhares tristonhos e distantes que o cercavam?
À direita do estacionamento havia uma área erma, uma pequena quadra de esportes de terra batida, cercada de árvores, e para lá o menino se encaminhou, contendo o êxtase. Sentou-se numa mureta e antes de desembrulhar o doce passou a vista ao redor. Ninguém. Abriu o pacote, mas alguém apareceu de repente sentando-se ao seu lado com olhar de soslaio e riso apertado, dizendo "quero uma bala". Sentiu medo, como se estivesse cara a cara com o cão feroz que para ele latira há pouco. "Mãe", palavra curta, idéia clara, fechada e única no redemoinho de invencionices de um garoto; "pai", imagem forte, ajustada, certeira, de um pensamento simplista, quase uma prece, de um menino assustado por natureza.
As mãos pequenas estenderam-se, obedientes, para as mãos sujas do alguém que pedira uma bala. Mas o braço vacilou indefeso diante da afronta da não-realização de seu querer, e as balas azuis, amarelas, vermelhas, verdes e laranja caíram, misturando-se à areia. "O que não mata engorda" foi a frase dita pelo alguém que catou um a um os doces, soprando-os e engolindo-os.
O menino já estava longe, correndo contra o tempo, pois sabia que haveria ainda para si lanchonetes abertas a vender-lhe novos doces e um ambiente severo e fumacento onde poderia suprir sua carência de distanciar-se de um mundo desconhecido.
14.6.02
O valoroso batera de minha velha banda, o Estrada Fróes, Marcos, enviou uma surpresa por email hoje. Fotos de um ensaio que fizemos no Teatro Gay-Lussac, em Nikity City, em junho de 1983, semanas antes de uma apresentação no Teatro da Uff. Naquela época, só queríamos saber de tocar. Uma vida mansa. As fotos (a maioria tremida e desfocada, aviso logo) estão neste endereço. Na formação, eu na guitarra (de barba), Antônio na segunda guitarra, Leopoldo no baixo, Marcos na bateria e Hélcio Luiz no teclado. Hélcio e eu estávamos vários quilos mais magros então. E eu fiquei com saudade dos meus cabelos (quanta diferença ;-)))))))
13.6.02
12.6.02
Acabei de enviar mais uma colaboração para o belo projeto A Cadeira. Dessa vez, discorro brevemente sobre o livro de Ernesto Sábato "Sobre heróis e tumbas". Pretendo participar mais vezes, porque falar dos livros que nos marcaram é um enorme prazer.
11.6.02
Momento rock -- 14
"Quando toco uma nota -- se o faço corretamente -- sou tão importante quanto Hendrix, Clapton ou outro músico, porque atinjo a alma da pessoa que está ouvindo. As pessoas costumam perguntar: 'que tipo de guitarra é essa? que tipo de alto-falante é esse?' Não é nada disso, é a nota. Quando você explica isto, os garotos perguntam: 'também posso fazê-lo?'. Claro, podemos ensinar como colocar cinco idéias em apenas uma nota: alma, coração, mente, corpo e 'cojones'. Uma nota."
Santana
"Quando toco uma nota -- se o faço corretamente -- sou tão importante quanto Hendrix, Clapton ou outro músico, porque atinjo a alma da pessoa que está ouvindo. As pessoas costumam perguntar: 'que tipo de guitarra é essa? que tipo de alto-falante é esse?' Não é nada disso, é a nota. Quando você explica isto, os garotos perguntam: 'também posso fazê-lo?'. Claro, podemos ensinar como colocar cinco idéias em apenas uma nota: alma, coração, mente, corpo e 'cojones'. Uma nota."
Santana
Aliás, em que pese toda a nossa indignação com a morte do Tim, a verdade é que jornalista é profissão de risco há muito, muito tempo. Do panfletário Marat em 1793 ao Daniel Pearl este ano, passando por Leonard Henricksen em 1973, se somados todos os casos de assassinato haveria uma tsunami de sangue.
Eu confesso que não gosto de rap. Mas o MV Bill fez o melhor artigo sobre Tim Lopes hoje, no Globo. Aqui.
9.6.02
Minicontos do desconforto -- 21
Ela cutucou seu ombro de leve, olhou para ele e sorriu durante a música, dando a entender que endossava o trecho que a cantora desfiava, lânguida -- e o endossava em relação a ele, ao relacionamento distante mas íntimo que ambos levavam. Ele baixou os olhos e, se a luz permitisse, ela o teria visto enrubescer. Ele se sentiu aquecido e gratificado e quis tocar a mão da companheira, mas ela estava tão radiante que preferiu apenas olhá-la e guardar aquele momento para sempre.
Satisfeita, a Felicidade deixou os dois sossegados na mesa e passou para a próxima.
Ela cutucou seu ombro de leve, olhou para ele e sorriu durante a música, dando a entender que endossava o trecho que a cantora desfiava, lânguida -- e o endossava em relação a ele, ao relacionamento distante mas íntimo que ambos levavam. Ele baixou os olhos e, se a luz permitisse, ela o teria visto enrubescer. Ele se sentiu aquecido e gratificado e quis tocar a mão da companheira, mas ela estava tão radiante que preferiu apenas olhá-la e guardar aquele momento para sempre.
Satisfeita, a Felicidade deixou os dois sossegados na mesa e passou para a próxima.
8.6.02
Som na caixa!!!!
I'm in love and it feels so good
'Cause I need her, don't mistreat her
And I tell her so
When I saw her and she looked my way
I was lonely, she's my only
And I've gotta say that
I would steal anything for my baby
I'd wheel and deal anything for my baby
Crawl or kneel, anything for my baby
In the morning when I raise my head
She's beside me, she can hide me
When I'm feelin' low
If I'm thinkin' everything's all wrong
My girl shakes me, she awakes me
Then I really know that
I would steal anything for my baby
I'd wheel and deal anything for my baby
Crawl or kneel, anything for my baby
("Anything for my baby", Kiss, 1975)
I'm in love and it feels so good
'Cause I need her, don't mistreat her
And I tell her so
When I saw her and she looked my way
I was lonely, she's my only
And I've gotta say that
I would steal anything for my baby
I'd wheel and deal anything for my baby
Crawl or kneel, anything for my baby
In the morning when I raise my head
She's beside me, she can hide me
When I'm feelin' low
If I'm thinkin' everything's all wrong
My girl shakes me, she awakes me
Then I really know that
I would steal anything for my baby
I'd wheel and deal anything for my baby
Crawl or kneel, anything for my baby
("Anything for my baby", Kiss, 1975)
Já estão no Amigos Blogueiros as fotos do encontro na quinta-feira. A bela Bani caprichou, elas ficaram ótimas e refletem o clima da festa.
7.6.02
O encontro blogueiro na Lapa, ontem, foi relax e divertido. Foi superlegal conhecer escribas como a Suely, a Tina e a Bani. E rever velhos amigos também, como o Maggi. Faltou a Valeska, fiquei com saudade. Ficamos todos de prosa até cerca de uma e quinze da manhã. Só faltou um som para balançar o esqueleto, mas isso fica para a próxima!!
6.6.02
Uma noite sui generis ontem. Eu e Alessandra Archer fomos assitir a um sensacional show acústico da Suely "SexoPuro" Mesquita, na Casa da Gávea, acompanhada, para minha gratíssima surpresa, do meu velho amigo Serginho Tannus, grande violonista, guitarrista, cavaquinista e outros "istas" mais. O show foi apenas o máximo. Suely não só canta e compõe muito bem como tem uma postura de palco recheada do mais puro carisma. No fim da noite, tomando a saideira no Hipódromo, encontramos de repente Crib Tanaka, minha short story partner, com o falaense Laerton Glauquito. Os dois caíram na lábia do big boss do Falaê Augusto Sales, que lhes jurou que a festa blogueira do Ernesto era ontem (é hoje) e levou os dois sub-repticiamente para a night... Desconfiamos todos que Augusto queria que Crib e Laerton fizessem as pazes, depois de rusgas literárias na lista do site. A comédia total foi saber que o Augusto ficou perguntando por todo o bar quem conhecia um tal de André Machado, quando o cara já me conhece há alguns meses... A Crib (ah, tem conto novo da gente aí embaixo), assim que o Augusto ligou, praticamente saiu de um soninho pronta para a night (e ela estava nos trinques, uma beleza) e ficou bolada.
Parece papo de bêbado (bem, eu tomei umas cervejas, uns chopes...), mas foi o que rolou.
Madrugada realmente hilária.
Parece papo de bêbado (bem, eu tomei umas cervejas, uns chopes...), mas foi o que rolou.
Madrugada realmente hilária.
De vodca, tequila, sonhos e desilusões amorosas (ou: o portão)
André Machado e Crib Tanaka
Sempre sonhava que estava voando. Começava a caminhar pela pracinha a dois quarteirões e, antes de chegar à estátua no centro, decolava, passando por cima das copas das árvores. Devia existir mesmo esse negócio de projeção astral, pensava, porque toda vez que o sonho acabava ela acordava, suada, com um solavanco ou tremedeira involuntária. E ficava sempre com saudade do vôo, mas quando voltava a dormir as histórias oníricas eram outras.
Um dia bebeu demais. Vodca primeiro, com laranja, e depois tequila com sal e limão. Não podia dar boa coisa. Já foi dormir com a dor de cabeça apontando no fundo do crânio. Gemeu, antecipando a ressaca. Mas o sono veio rápido como uma bigorna na cabeça.
Estava na praça de novo. O ar tinha, desta vez, uma estranha qualidade de gelatina. Até cheiro de gelatina havia. Deu dois passos e flutuou. Logo estava no céu riscado de nuvens, os braços abertos, a camisola brilhante recebendo por dentro gostosas correntes de ar gelado. "Se eu continuar com esse sonho acordo sem aquele gosto de guarda-chuva na boca", riu.
O vôo se prolongou. Estava indo a lugares diferentes, longe das paisagens beatíficas dos outros sonhos. As nuvens ganharam barrigas roxo-acinzentadas de tempestade e o vento soprou violento em seus ouvidos. Fez uma curva e levou um susto.
Havia um portão enferrujado no meio do céu.
Lentamente, foi sendo levada até ele. A sensação era a mesma do pós-três doses de vodca. A camisola bateu no laranja do corroído metal e um pedaço do tecido se enganchou no grande portão de ferro. "Deixa, deixa", disse a si mesma, com voz lenta. Não percebera de imediato, mas por um bom tempo ficou parada, presa ao portão, com os pés buscando direção num bobo movimento aliado ao das longas mãos.
Acordou ofegante, assustando Runi, seu gato.
Levantou-se para tomar um copo d'água. Runi se confundia com a escuridão, enroscava-se em suas pernas, querendo brincar. Ela andava com passos-gato, tateando o gelado das paredes, protegendo-se das quinas das portas. Abriu a geladeira e a luz amarelada deu forma a todos os móveis da cozinha.
Sentou-se um pouco, de frente para a janela, perto do varal. Olhava o céu, enquanto tomava sua água e se deixava acalmar. Lua minguante, sensação de inacabado, melancolia, solidão. Ela estava só.
Naquele dia tinha saído para tentar curar-se de uma dor. Pontada fina de faca-homem a havia atingido no ventre. Sabia que estava sendo deixada quando ele a beijara daquela maneira. Lágrimas correram pela boca. Saliva salgada de mar. E vermelhidão de desejo não consumado. Não disseram nada. Apenas um beijo e estava só.
Continuou sentada no balcão do pub irlandês. Impressionava-se com a alegância das pessoas no frio. Lado positivo da negatividade dos graus. Ela agora olhava-se no espelho e era impossível não deixar escapar um leve sorriso. Sentia-se linda com seu casaco 7/8 de veludo preto, com suas botas de couro até o joelho. A pele branca, porcelana sem rachaduras, não era invadida por água, nem óleo. Os cabelos curtos, ondulados, de cor indefinida -- meio louros, meio castanhos -- estavam milimetricamente penteados e sustentavam o rosto de menina da década de 20. Acendeu um cigarro e riu com a imagem melindrosa que tinha. A boca-coração rósea, o corpo esguio, os olhos de cílios longos. Por um momento divertiu-se com todos esse adjetivos que via no espelho. Lembrou-se do beijo.
Mais uma tequila, por favor. O garçom enxugava os copos e duvidava da sobriedade daquela mulher. Pensou em convencê-la a não mais beber, mas seria dinheiro a menos que ganharia. E gostava de admirar uma mulher bonita e bêbada. A mistura -- como a de alguns coquetéis -- era frágil e poderosa ao mesmo tempo.
A melindrosa foi embora quando conferiu que seu dinheiro acabara. Ao seu lado, somente um senhor de cabelos brancos que desde o começo da noite olhava para um ponto fixo, enquanto tragava um cigarro de filtro amarelo. Desceu as escadas do pub apoiando-se no gelado corrimão de madeira. Os saltos finos sustentavam pouco de sua alma. Seu corpo precisava de apoio maior que os próprios pés. Mesmo assim, foi andando para casa. Pelo menos não tinha frio: o organismo estava quente. Vodca e tequila circulavam nela.
Demorou para achar as chaves da porta principal. Caminhou até o quarto. Esquecera a calefação ligada. Sentiu calor. Na pia do banheiro, lavou o rosto, as mãos. A imagem borrada no espelho contrastava com a que vira no bar. Tirou os brincos e deu por falta de um anel. Jogou a roupa no chão e vestiu uma camisola branca, feita de algodão e renda, de mangas compridas.
Estava agitada. Assim que entrou no limiar do sono, pôde sentir que lágrimas molhavam o travesseiro e escorriam pelo rosto, pescoço, seios. Sentia-se afogada nele. Até que um vento secou-lhe a roupa. E o corpo. Ventava, mas não fazia frio. O vôo se prolongou. Estava indo a lugares diferentes, longe das paisagens beatíficas dos outros sonhos. As nuvens ganharam barrigas roxo-acinzentadas de tempestade e o vento soprou violento em seus ouvidos. Fez uma curva e levou um susto.
Havia um portão enferrujado no meio do céu. Abriu-o com chaves que estavam num colar que carregava. No começo, a imagem disforme com a qual deparou-se pertubou-a. Sentia que para vê-la com nitidez precisaria de tempo. Sentou-se então num sofá vermelho, confortável. E dele tentava vislumbrar... o quê?
"Aceita um cigarro, mademoiselle?" A pergunta vinha de um homem novo, moreno, de terno. Era um homem da década de 50. "Sim, obrigada". "O que está olhando?", perguntou ele, acendendo o cigarro dela. "Estou tentando ver o que está ali", respondeu. "Curioso, curioso... Tenho que ir. Bonjour", retrucou ele, e afastou-se, atravessando o portão.
Ela fumava e olhava para a imagem que permanecia parada à sua frente. Agora podia ver melhor o contorno da boca. Acreditava ser uma mulher. Não tinha certeza. Pouco depois, reconheceu os olhos. Eram do homem que a apunhalara em suas forças. As mãos longilíneas, o corpo largo. Sentia o cheiro do perfume que saía de seu pescoço. Não gostava de perfumes, mas ele sempre se perfumava antes de encontros com ela. No indicador da mão esqueda, percebeu o anel que perdera no pub irlandês. Os pés calçados em sapatos de couro italiano. A camisa branca de seda, comprada na Índia. Sempre fora um homem que só vestia grandes grifes. Os cabelos num tom castanho-escuro. Os olhos de quem não sente.
Era ele. Nariz largo, pele morena. Quando tudo tomou forma, olhou mais uma vez para a boca. A boca não era a dele. A boca que via era feminina. Aquela boca era a sua boca, sua boca rósea, sua boca-melindrosa, sua boca pequena de mulher. Ele a engolira. E agora ela não mais acordaria.
André Machado e Crib Tanaka
Sempre sonhava que estava voando. Começava a caminhar pela pracinha a dois quarteirões e, antes de chegar à estátua no centro, decolava, passando por cima das copas das árvores. Devia existir mesmo esse negócio de projeção astral, pensava, porque toda vez que o sonho acabava ela acordava, suada, com um solavanco ou tremedeira involuntária. E ficava sempre com saudade do vôo, mas quando voltava a dormir as histórias oníricas eram outras.
Um dia bebeu demais. Vodca primeiro, com laranja, e depois tequila com sal e limão. Não podia dar boa coisa. Já foi dormir com a dor de cabeça apontando no fundo do crânio. Gemeu, antecipando a ressaca. Mas o sono veio rápido como uma bigorna na cabeça.
Estava na praça de novo. O ar tinha, desta vez, uma estranha qualidade de gelatina. Até cheiro de gelatina havia. Deu dois passos e flutuou. Logo estava no céu riscado de nuvens, os braços abertos, a camisola brilhante recebendo por dentro gostosas correntes de ar gelado. "Se eu continuar com esse sonho acordo sem aquele gosto de guarda-chuva na boca", riu.
O vôo se prolongou. Estava indo a lugares diferentes, longe das paisagens beatíficas dos outros sonhos. As nuvens ganharam barrigas roxo-acinzentadas de tempestade e o vento soprou violento em seus ouvidos. Fez uma curva e levou um susto.
Havia um portão enferrujado no meio do céu.
Lentamente, foi sendo levada até ele. A sensação era a mesma do pós-três doses de vodca. A camisola bateu no laranja do corroído metal e um pedaço do tecido se enganchou no grande portão de ferro. "Deixa, deixa", disse a si mesma, com voz lenta. Não percebera de imediato, mas por um bom tempo ficou parada, presa ao portão, com os pés buscando direção num bobo movimento aliado ao das longas mãos.
Acordou ofegante, assustando Runi, seu gato.
Levantou-se para tomar um copo d'água. Runi se confundia com a escuridão, enroscava-se em suas pernas, querendo brincar. Ela andava com passos-gato, tateando o gelado das paredes, protegendo-se das quinas das portas. Abriu a geladeira e a luz amarelada deu forma a todos os móveis da cozinha.
Sentou-se um pouco, de frente para a janela, perto do varal. Olhava o céu, enquanto tomava sua água e se deixava acalmar. Lua minguante, sensação de inacabado, melancolia, solidão. Ela estava só.
Naquele dia tinha saído para tentar curar-se de uma dor. Pontada fina de faca-homem a havia atingido no ventre. Sabia que estava sendo deixada quando ele a beijara daquela maneira. Lágrimas correram pela boca. Saliva salgada de mar. E vermelhidão de desejo não consumado. Não disseram nada. Apenas um beijo e estava só.
Continuou sentada no balcão do pub irlandês. Impressionava-se com a alegância das pessoas no frio. Lado positivo da negatividade dos graus. Ela agora olhava-se no espelho e era impossível não deixar escapar um leve sorriso. Sentia-se linda com seu casaco 7/8 de veludo preto, com suas botas de couro até o joelho. A pele branca, porcelana sem rachaduras, não era invadida por água, nem óleo. Os cabelos curtos, ondulados, de cor indefinida -- meio louros, meio castanhos -- estavam milimetricamente penteados e sustentavam o rosto de menina da década de 20. Acendeu um cigarro e riu com a imagem melindrosa que tinha. A boca-coração rósea, o corpo esguio, os olhos de cílios longos. Por um momento divertiu-se com todos esse adjetivos que via no espelho. Lembrou-se do beijo.
Mais uma tequila, por favor. O garçom enxugava os copos e duvidava da sobriedade daquela mulher. Pensou em convencê-la a não mais beber, mas seria dinheiro a menos que ganharia. E gostava de admirar uma mulher bonita e bêbada. A mistura -- como a de alguns coquetéis -- era frágil e poderosa ao mesmo tempo.
A melindrosa foi embora quando conferiu que seu dinheiro acabara. Ao seu lado, somente um senhor de cabelos brancos que desde o começo da noite olhava para um ponto fixo, enquanto tragava um cigarro de filtro amarelo. Desceu as escadas do pub apoiando-se no gelado corrimão de madeira. Os saltos finos sustentavam pouco de sua alma. Seu corpo precisava de apoio maior que os próprios pés. Mesmo assim, foi andando para casa. Pelo menos não tinha frio: o organismo estava quente. Vodca e tequila circulavam nela.
Demorou para achar as chaves da porta principal. Caminhou até o quarto. Esquecera a calefação ligada. Sentiu calor. Na pia do banheiro, lavou o rosto, as mãos. A imagem borrada no espelho contrastava com a que vira no bar. Tirou os brincos e deu por falta de um anel. Jogou a roupa no chão e vestiu uma camisola branca, feita de algodão e renda, de mangas compridas.
Estava agitada. Assim que entrou no limiar do sono, pôde sentir que lágrimas molhavam o travesseiro e escorriam pelo rosto, pescoço, seios. Sentia-se afogada nele. Até que um vento secou-lhe a roupa. E o corpo. Ventava, mas não fazia frio. O vôo se prolongou. Estava indo a lugares diferentes, longe das paisagens beatíficas dos outros sonhos. As nuvens ganharam barrigas roxo-acinzentadas de tempestade e o vento soprou violento em seus ouvidos. Fez uma curva e levou um susto.
Havia um portão enferrujado no meio do céu. Abriu-o com chaves que estavam num colar que carregava. No começo, a imagem disforme com a qual deparou-se pertubou-a. Sentia que para vê-la com nitidez precisaria de tempo. Sentou-se então num sofá vermelho, confortável. E dele tentava vislumbrar... o quê?
"Aceita um cigarro, mademoiselle?" A pergunta vinha de um homem novo, moreno, de terno. Era um homem da década de 50. "Sim, obrigada". "O que está olhando?", perguntou ele, acendendo o cigarro dela. "Estou tentando ver o que está ali", respondeu. "Curioso, curioso... Tenho que ir. Bonjour", retrucou ele, e afastou-se, atravessando o portão.
Ela fumava e olhava para a imagem que permanecia parada à sua frente. Agora podia ver melhor o contorno da boca. Acreditava ser uma mulher. Não tinha certeza. Pouco depois, reconheceu os olhos. Eram do homem que a apunhalara em suas forças. As mãos longilíneas, o corpo largo. Sentia o cheiro do perfume que saía de seu pescoço. Não gostava de perfumes, mas ele sempre se perfumava antes de encontros com ela. No indicador da mão esqueda, percebeu o anel que perdera no pub irlandês. Os pés calçados em sapatos de couro italiano. A camisa branca de seda, comprada na Índia. Sempre fora um homem que só vestia grandes grifes. Os cabelos num tom castanho-escuro. Os olhos de quem não sente.
Era ele. Nariz largo, pele morena. Quando tudo tomou forma, olhou mais uma vez para a boca. A boca não era a dele. A boca que via era feminina. Aquela boca era a sua boca, sua boca rósea, sua boca-melindrosa, sua boca pequena de mulher. Ele a engolira. E agora ela não mais acordaria.
5.6.02
Amanhã sou presença garantida na festa da Elis, no Ernesto, na Lapa, que a princípio comemoraria as dez mil visitas ao blog dela, mas já está se transformando num encontro de blogueiros. Não admira, já que a figura em questão é uma das maiores blog-agitadoras do pedaço. Que venha a festa!
4.6.02
Minicontos do desconforto -- 20
Era outono, a melhor estação para se estar no Rio de Janeiro. Ele acordou com um raio de sol batendo em seu camisolão ensebado. Num dia como aquele, cavalgaria por quilômetros e quilômetros sem se cansar, aspirando o ar livre de umidade e recebendo na farda os generosos raios de um sol temperado, jamais furioso como entre janeiro e março.
"Bom, hoje não vai ser possível cavalgar", pensou. "Mas darei uma caminhada pelo centro da cidade."
Antecipava o prazer da jornada a pé quando entrou o barbeiro. Em sua mente, imaginou-se prestes a ir a um sarau, vestindo gala. Para isso, era preciso livrar-se daquele penteado demodê. Riu consigo mesmo enquanto o outro pegava a bacia e a navalha. O barbeiro não quis conversar naquela manhã. Estava com uma cara triste. Ele respeitou seu silêncio. Mesmo assim, o ágil profissional pareceu ler sua mente e raspou-lhe barba e cabeleira sem pestanejar.
Sentiu-se renovado. Banhou-se e vestiu-se de branco. Sorriu ao sair para o sol. Os homens o aguardavam. Postou-se diante deles e deu o primeiro passo.
Percebeu que ficara famoso. As ruas estavam cheias. Todos queriam vê-lo. Mas ninguém acenava. Ninguém apreciava as carícias solares como ele. Bem, fazer o quê? Seguiu adiante, admirando a beleza carioca.
Eles não sabiam, mas ele logo seria um homem livre, como sempre sonhara, desde os tempos de menino.
Muitos anos depois, nas tavernas da capital, onde se celebrava a proclamação da independência, os mais velhos lembraram o enigmático sorriso do alferes Joaquim José naquela manhã de abril de 1792.
Era outono, a melhor estação para se estar no Rio de Janeiro. Ele acordou com um raio de sol batendo em seu camisolão ensebado. Num dia como aquele, cavalgaria por quilômetros e quilômetros sem se cansar, aspirando o ar livre de umidade e recebendo na farda os generosos raios de um sol temperado, jamais furioso como entre janeiro e março.
"Bom, hoje não vai ser possível cavalgar", pensou. "Mas darei uma caminhada pelo centro da cidade."
Antecipava o prazer da jornada a pé quando entrou o barbeiro. Em sua mente, imaginou-se prestes a ir a um sarau, vestindo gala. Para isso, era preciso livrar-se daquele penteado demodê. Riu consigo mesmo enquanto o outro pegava a bacia e a navalha. O barbeiro não quis conversar naquela manhã. Estava com uma cara triste. Ele respeitou seu silêncio. Mesmo assim, o ágil profissional pareceu ler sua mente e raspou-lhe barba e cabeleira sem pestanejar.
Sentiu-se renovado. Banhou-se e vestiu-se de branco. Sorriu ao sair para o sol. Os homens o aguardavam. Postou-se diante deles e deu o primeiro passo.
Percebeu que ficara famoso. As ruas estavam cheias. Todos queriam vê-lo. Mas ninguém acenava. Ninguém apreciava as carícias solares como ele. Bem, fazer o quê? Seguiu adiante, admirando a beleza carioca.
Eles não sabiam, mas ele logo seria um homem livre, como sempre sonhara, desde os tempos de menino.
Muitos anos depois, nas tavernas da capital, onde se celebrava a proclamação da independência, os mais velhos lembraram o enigmático sorriso do alferes Joaquim José naquela manhã de abril de 1792.
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