26.1.10

Poemas não podem ser construídos
nem medidos.
Não tem lugar neles o altar da Razão;
Banhe suas mãos no fogo das palavras
e queime sem medo enquanto arranca breves faíscas
-- serão elas os versos
como os que jogo para minha musa durante a Tempestade.

Ó musa adorada, não temais meu delírio
pois é ele apenas o motim da Vida enclausurada
contra o capitão do HMS Watch
e sua tripulação de obedientes ponteiros.

Naquela nau amaldiçoada é sempre tarde
mas basta-me ver-vos para imobilizar a corrente atrevida
e desfrutar um instante imortal.

18.1.10

Para uma imperatriz sem diadema (mas uma verdadeira imperatriz)

No salão cheio de ninguéns
seus olhos eram os faróis negros
do conhecimento;
e saber (saber de verdade)
é sempre um risco,
quanto mais saber que se ama.

Olhar seus olhos tão negros
e poder beijá-la de leve no pescoço, no fim da festa,
transtornou o quebra-cabeça engordurado e mal resolvido
que venho me tornando há muitos anos.

E lembro quando você me abraçou com suavidade
e, a Diplomacia personificada,
disse que não poderia vir ao chope.
Mas seu cuidado, seu carinho aveludado
ao expor as minúcias de sua ausência
foi mais caro ao meu coração
que a boêmia em si.

Espero um dia deitá-la em meu colo
e cantar até que mergulhe em sonhos
onde flores amarelas envolvam seu corpo
nos bosques do esquecimento.

7.1.10

Dizem que o Homem foi criado por último para não se sentir orgulhoso. Mas o entendimento corrente é que, sendo o último, ele tudo coroava. Daí a passagem de vítima a algoz do ambiente. Não se pode mais imaginar, como ocorreu no início da era industrial, que os recursos naturais são ilimitados. Modernizado e lendo a si mesmo como um indivíduo-cidadão, o macaco nu amalucado por ideologia, ciência, mercado, álcool, arte, literatura ou religião criou um modo de produção aniquilador da "natureza". Hoje, um planeta enfermo dá sinais daquilo que os "selvagens" conhecem: que não somos senhores privilegiados deste mundo, mas um mero ator entre outros. Se o nosso individualismo coletivo — pomposamente chamado de nacionalismo e de patriotismo — nos faz recalcar o limite; o retorno das diferenças nos diz que temos que aprender a falar uma mesma língua. Não por ideologia ou religião — esses grandes motivadores de tenebrosas transformações sociais — mas porque estamos suicidando o planeta.

(Roberto DaMatta, 23/12/2009)


Perguntam-me: tens viajado? Ou seja: tens ainda o antigo prestígio de ser um brasileiro que mora fora? E eu: não! Agora, viajo pra dentro!

Faça o exercício. Excursione para dentro de si mesmo. Visite os Estados Unidos dos Recalques, o país daqueles seres e experiências que você tentou expulsar de dentro de si mesmo. Passeie pelas Europas da Paris dos amores frustrados. Visite a Terra de Ninguém das Grandes Broxadas, lugar onde o nosso querido Ziraldo jamais pisou. Não perca o Louvre e o British Museum dos tesouros e inocências perdidos. Aproveite o carrossel, a roda gigante, o show e o picolé que rapidamente derrete de Sexolândia. Compre na maravilhosa Bloomingdale que está dentro de você um último modelo de ressentimento — a chegar em breve ao Brasil. Nestas grandes lojas, aliás, as ingratidões, os ódios e as invejas sempre estão em liquidação e são baratíssimos. Siga, depois, até o país mais aberto do mundo, o do Sofrimento — uma terra igualitária e sem fronteiras. Lá, você pode conferir o volume da sua cachoeira de egoísmo, cretinice e inveja que alimenta o lago do sucesso que você com frequência atribui aos outros. Agora, lembre-se que você precisa de um passaporte devidamente visado para penetrar nos Territórios Tabus e para percorrer o fedorento Pântano da Traição, habitado por jacarés com suas numerosas (15, diz o jogo do bicho) máscaras. Só ouse subir até o último andar do edifício das Fantasias Eróticas com a cabeça aberta ou fresca. E só entre na Roma e na Brasília das Promessas Populistas Triunfais de um Brasil Grande, onde cada palavra vale tanto quanto um confete, devidamente vacinado contra a demagogia, o culto de personalidade e a mentira. Mas não se esqueça, querido leitor, de escalar o Monte da Compreensão. No seu topo e num dia claro, você — quem sabe — poderá contemplar sua própria trajetória vendo com clareza os grandes e os pequenos obstáculos. Dali, é possível ver o grande e profundo Oceano do Amor que recebe e devolve todos os nossos impulsos de gratidão, de reconhecimento, e de coragem. Essas coisas que transformam o frágil e o transitório nas únicas coisas que interessam a quem se tornou realmente humano.


(Roberto DaMatta, ontem)