19.12.02

Mais um conto junto com minha short-story partner!

Lingerie

André Machado e Crib Tanaka

Estavam os dois na seção de lingerie. Ela já olhara para ele e estava com vontade de dar uma risada. Ele tivera aquela idéia maluca de comprar um conjunto ousado para a mulher (era o que se dizia) e agora não sabia onde se esconder do olhar dela. Sentia a vermelhidão nas faces subir como um turbilhão. Foi quando ouviram um apito e gritos de outros fregueses, que saíram correndo da loja.

Ela foi até o caixa mais próximo perguntar o que estava acontecendo. Ele preferiu ignorar tudo e virou-se de costas.

-- O tráfico está passando aí e mandando fechar as lojas -- cacarejou a caixa, fechando atabalhoadamente sua máquina e dando no pé com a bolsa a tiracolo.

Ela olhou para a entrada e viu três homens bem-vestidos portando escopetas. Um apontava para o gerente.

-- Fecha aí senão a gente esculacha! -- vociferou.

A loja já estava quase vazia e as portas, quase totalmente baixadas. Ela hesitou entre ir até lá e voltar para avisar seu "vizinho" da seção de lingerie.

Foi o bastante para trancarem tudo e deixarem os dois às escuras, sozinhos, no exato momento em que ele se dera conta do "bonde" e, correndo, esbarrou com ela no meio do caminho. Ambos caíram sentados no chão e se viram ali, na penumbra, enquanto o efeito do ar-condicionado passava e o calor se fazia cada vez mais presente.

Ele ficou com uma perna esticada; a outra, flexionada, servindo de apoio ao corpo, não sentia nada. O tipo de nada que sobrevém quando milhares de sentimentos circulam freneticamente. Medo, suspense e impotência diante daquela situação onde absolutamente nada poderia ser feito.

Ela ficou ajeitando o vestido e os cabelos. Ria da calcinha vermelha que ele segurava.

-- A noite vai ser boa, né?

Ele, sem graça e acuado diante da pergunta dela, tentava disfarçar a vergonha. Desde pequeno fora educado tradicionalmente. A imagem de sua mãe lhe veio à cabeça. Italiana, num vestido florido e longos cabelos ainda negros, depois de tantos anos. O dedo esticado lhe dando uma bronca por estar com uma calcinha (vermelha) na mão.

Não respondeu nada.

-- Desculpe se o incomodei com a pergunta. É que acho que vamos passar horas aqui dentro. Meu nome é Lara. Comecei a trabalhar aqui hoje e, se já estava perdida antes, imagine agora...

Ela sorriu amarelo e acendeu um cigarro. Ele tossiu, abanando a própria boca.

-- Não tem medo de morrer, não? -- disse, por fim.

-- Tenho medo de morrer velha.

Andando pela loja, ela descobriu o estoque e logo voltou com uma caixa de microcalcinhas de renda, sutiãs transparentes, meias 7/8 brancas.

-- Olhe, vai ver acha alguma coisa interessante por aqui.

Ele afastou a caixa, meio irritado com aquela intimidação. Ela riu com os olhos e pôs a caixa em cima do balcão. Abria os saquinhos de plástico com cuidado, enquanto se olhava no espelho.

-- Licença. -- E logo a cortina do provador fechou-se.

Ele manteve-se impassível.

Ela saiu e pôs algumas peças dentro da bolsa.

-- Veste bem esse aqui, mas não gosto da cor. Leva para ela.

O sutiã branco de algodão caiu no colo dele.

-- Eu estava procurando alguma coisa mais colorida.

-- Olha esse então. -- E voou uma calcinha grande, verde-piscina.

-- Não, essa cor é feia.

Por fim ela jogou em cima dele um espartilho preto, com transparências entremeadas e flores de veludo recortadas minuciosamente. Ele guardou dentro da pasta sem dizer nada.

-- Esse ficou muito bem em mim -- comentou ela.

Em seguida, acendeu outro cigarro. Sentou-se encostada ao balcão, de lado para ele.

-- É para quem?

A porta abriu e a polícia entrou, vociferando "sai, sai!" Eles se levantaram correndo, assustados com a agressividade.

Tomaram caminhos diferentes e só perceberam isso quase chegando às esquinas opostas.

Foi o tempo de ela se virar e ele dizer, só mexendo a boca, sem emitir um som: "é para mim".

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