11.7.02

No Cadafalso I, chamei a atenção para uma crônica do Veríssimo que acerta em cheio sobre a hipocrisia do mercado financeiro e as noções de normalidade e caos. Antes, porém, veio esse petardo do Márcio Moreira Alves em 18 de junho:

"Mal havia tocado o solo brasileiro e recebi o recado da May, secretária e amiga que há décadas cuida da minha vida econômica e profissional, de que deveria ser o moderador da palestra que Lula faria na Firjan, como fez, ontem, depois do jogo com a Bélgica. Acompanhara em viagem as notícias sobre o nervosismo político dos especuladores com a evolução das pesquisas de intenção de voto.

Nervosismo político, uma ova. Trata-se de puro exercício especulativo, com o objetivo de ganhar dinheiro. Derrubam, com as suas avaliações, as cotações dos títulos do governo brasileiro em Nova York, os tais C-Bonds, para recomprá-los com gordos lucros adiante. As oscilações nas cotações pressionam a assessoria econômica do PT, forçando-o a fazer promessas tranqüilizadoras, garantindo o respeito aos compromissos assumidos com investidores no Brasil e no exterior e, assim, assegurar a continuidade da transferência de recursos cada vez maiores do setor produtivo para o setor financeiro.

A revista "Bankers", a mais lida entre os profissionais do mercado financeiro, publicou há tempos uma edição com Pedro Malan na capa. No texto, recheado de elogios, considerava-o o melhor ministro da Fazenda da América Latina. Mais do que uma reportagem, era uma homenagem. Nada mais justo. Nenhum outro ministro da Fazenda deste quintal americano jamais ousou transferir tanto dinheiro das atividades geradoras de empregos e de produção para os rentistas do que o nosso impávido Malan. Tudo o que os especuladores querem é que continue chovendo na sua horta e que o substituto de Malan garanta a continuidade dessa transferência, ainda que saibam ser ela quase impossível dado o volume que atingiu. O próprio presidente do Banco Central, Armínio Fraga, reconhece a realidade quando afirma que o próximo governo quase certamente terá de renegociar os prazos da dívida interna, alongando-os. É que, tendo tido uma carreira de grande sucesso no mercado financeiro de Nova York, Armínio tem a mesma ótica de seus ex-colegas das agências de classificação de risco. Essas agências há muitos anos, muito antes do chamado "efeito Lula", colocam o Brasil entre as dez mais arriscadas apostas do mercado mundial.

O Brasil fazia tudo o que os americanos, através do FMI, mandavam fazer e nada. Não comovia os analistas e não melhorava de posição. Hoje, o Brasil só é considerado risco menor do que a Argentina e a Nigéria. É que o risco Brasil não está na possibilidade de Lula ganhar as eleições. O risco é de o país não poder continuar a pagar o serviço das dívidas interna e externa. Internamente, já se tira 3,5% do PIB para gerar um superávit fiscal primário. Quer dizer que se paralisam investimentos, físicos e sociais, em todos os níveis de governo, como os que geram o racionamento de energia ou a epidemia de dengue. E ainda há economistas que defendem cortes maiores, até em dobro. E isso não é risco Lula, é o risco da equipe econômica, risco Malan. Óbvio ululante, mas pouca gente fala disso, mesmo na oposição. (...)"

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