17.6.09

Recentemente recebi um texto do Alexandre Oliva, da Fundação Software Livre da América Latina, falando de mais uma visita do Richard Stallman (conhecido como RMS), pai do Movimento Software Livre, ao Brasil nesta semana e na próxima, para o FISL em Porto Alegre. Eu posso, fácil, fácil, botar o release de Oliva entre os mais interessantes que já chegaram a minha caixa postal nesses 25 anos de profissão. Ele faz uma defesa apaixonada do software livre e da missão sagrada de Stallman ao criar o sistema GNU e o movimento, em 1983. Vale a lida:

"Embora o nome possa fazer parecer que se trate de um movimento tecnológico, o Movimento Software Livre tem suas fundações em questões sociais, políticas, éticas e morais. RMS pode muito bem ser descrito como o primeiro abolicionista da escravidão digital.

Há mais de 25 anos ele notou que artifícios técnicos e jurídicos aplicados a programas de computador começavam a ser utilizados para manter usuários impotentes e divididos.

Para evitar a impotência e alcançar a independência, é necessário que um usuário possa deter o controle sobre o funcionamento do software, podendo utilizá-lo para qualquer finalidade, mesmo que sejam necessárias adaptações e verificações. Não deve o usuário depender do fornecedor original do software para efetuá-las, caso contrário o fornecedor poderia limitar artificialmente o funcionamento do computador, ou mesmo induzir o computador a trabalhar contra os interesses do usuário, como fazem os sistemas operacionais não-Livres mais comumente utilizados hoje.

Desde sítios na Internet até controladores de dispositivos, fornecidos de maneira que funcionem exclusivamente em determinadas plataformas, negam aos usuários a possibilidade de adaptá-los para suas preferências de comportamento e plataforma. O armazenamento de arquivos dos usuários em formatos secretos faz com que, para acessar seus próprios dados, o usuário dependa do uso de um programa específico que carrega as chaves para decodificá-los. São algemas digitais, um desrespeito aos usuários, que os torna prisioneiros indefesos e impotentes.

Para o exercício da solidariedade, a vida em comunidade, e para acelerar o aprendizado e a evolução científica e tecnológica, é essencial que usuários possam compartilhar entre si as soluções para problemas ou dificuldades que encontrem. Ao melhorar um programa para resolver um determinado problema, ou ao descobrir que ele já serve a esse propósito, é fundamental que cada usuário possa compartilhar essa solução com outros membros da comunidade.

A proibição ao compartilhamento, ao contrário, exige que cada um decida ou ser um bom membro da comunidade ou atender a demandas mesquinhas e anti-sociais. Quem aceita o desrespeito cria um problema para si, mas também divide e enfraquece a comunidade.

Para combater a impotência, a dependência, e a divisão da comunidade de usuários, Richard começou a desenvolver em 1984 o sistema GNU, para permitir a qualquer usuário utilizar computadores sem sacrificar suas liberdades ou seus direitos humanos. O resultado dos esforços que ali se iniciaram é o sistema operacional Livre GNU/Linux, ícone do Software Livre, utilizado em computadores dos mais potentes do mundo a minúsculos telefones e roteadores, que inspirou o desenvolvimento de milhares de programas Livres, dentre eles suítes de oficina, navegadores e servidores web utilizados por milhões de usuários."

15.6.09

Um texto muito instigante de Luiz Felipe Pondé, hoje, na "Folha de S. Paulo":

No fundo, desconfio muito dessa coisa de ética. Antes de tudo porque a palavra "ética" é como "energia", cabe em qualquer lugar. Ética profissional, ética no amor, ética com a natureza, ética na cama. Falando especificamente de cama, quanto mais suja, melhor. Quando ouço alguém falar em nome da ética, fujo.

Prefiro mentirosos inseguros. Os hábitos civilizados dependem mais da mentira do que da verdade.

Claro que não se trata de desprezar a sólida tradição da ética na filosofia: Aristóteles e sua ética das virtudes e do caráter; Kant e sua busca insaciável por regras universais de comportamento; ou os utilitaristas ingleses e os céticos escoceses, e a sensibilidade de ambos para com os limites psicológicos da moral presente no reconhecimento do horror ao sofrimento e da preponderância do hábito e dos afetos sobre ideais abstratos de "bem" ou de "justiça" como verdadeiros critérios da vida moral.

Por exemplo, o que vem a ser "ética no amor"? Dizer pra ela que está gorda? Ou dizer pra ele que seu desempenho está abaixo de seus outros amantes? Ou seja: é dizer sempre a verdade?

Outro tipo que me põe correndo é gente bem resolvida com seus afetos. Só confio em quem enlouquece de ciúme, em quem perde a cabeça quando sua mulher ou seu marido está conversando com alguém do sexo oposto com cara de quem achou um espécime interessante na festa. Aceitar que sua mulher ou seu marido está a fim de outra pessoa e ficar de bem com isso é papo de gente imatura. Ou de quem, na verdade, não ama. Amar é ficar fora de si ou ficar bem consigo mesmo porque não ama mais. Não existe gente bem resolvida, só gente indiferente.


Todavia, com o tempo e as frustrações, a maioria de nós chega à triste conclusão de que é mais feliz quem é mais indiferente.


Aliás, a partir de determinada idade, achar alguém interessante é tarefa para deuses. Com o tempo, temos a impressão que só existem três tipos de pessoas com três tipos de problemas básicos. Suas vidas são comuns; seus anseios, banais; seus desejos, mesquinhos.

Cheias de amores malsucedidos, quanto mais experiência amorosa, mais previsível.

Bobagem essa coisa de dizer sempre a verdade. Coisa de gente que não conhece gente e pior, gente que não gosta de gente. Nesse assunto, não existem imperativos categóricos (leis morais universais à la Kant). Aliás, o grande filósofo alemão Kant era muito bom de filosofia, mas não entendia nada de como as pessoas cheiram ou suspiram.


Por exemplo, tirem o pudor do amor e do sexo, e eles desaparecem. A simples suspeita de que o inferno te espera por culpa de tua fraqueza torna o amor e o sexo dádivas das deusas. Como se com elas deitássemos às escondidas. Por isso minha desconfiança visceral com as bobagens juradas contra o sexo e o amor atormentados pelo pecado.

Já disse antes que confio mais no fígado do que no cérebro, hoje diria que confio mais na alma afogada nas secreções do desejo do que na higiene das santas e honestas. Não há nenhum dos dois (sexo e amor) se não existir a ameaça da condenação. O medo aqui é como uma saia curta que esconde, entre as pernas, uma alma ansiosa. A banalidade da nudez contemporânea é a prova cabal contra o discurso dos afetos bem resolvidos. Neste sentido, os medievais, aliás, como numa série de outras coisas (o leitor dirá "sempre desconfiei que este colunista fosse um medieval"), sabiam mais do que nós, bobos da razão.

Qualquer boa literatura romântica medieval sabe que amor e sexo estão intimamente ligados ao inferno nas paixões. Ninguém ama no paraíso, argumento final contra a salvação. Mesmo na Bíblia, no Cântico dos Cânticos, aquele livro considerado pela tradição judaica como o mais sagrado dos livros sagrados, encontramos a advertência da amada, a heroína da narrativa: "filhas de Jerusalém não despertem o amor de seu sono... a paixão é um inferno".

Mulheres sempre foram vistas como especialistas no amor, talvez pela imagem ancestral de que nunca foram seres iludidos pela razão, mas sempre torturadas pelo desejo. Para mim está é a maior das provas de que cegos são os homens que as veem como inferiores.

Divago, dirá meu caro leitor. Sim, divago, mas não deliro. Como se num voo, do alto, contemplasse homens e mulheres vagando por um continente abandonado, fugindo da própria sombra. Pessoalmente vejo a ética como o combate supremo do homem com o animal que o devora.

7.6.09

Minicontos do desconforto - 99

Encontrou-a caída ao lado da cama, balbuciando coisas sem sentido, os olhos revirados, a alma na lista de missing persons. Levou-a correndo ao hospital: o diagnóstico foi brando.

Ele suspirou, aliviado. E se deu conta de que, naquele prédio asséptico e depressivo, ser um paciente era ruim, mas velar por ele e esperar o veredicto dos homens de jaleco branco era a essência do Desespero.

Ela se recuperou, mas o medo de perdê-la deixou nele uma profunda cicatriz. Daquelas que o tempo não cura, só infecciona.