Minicontos do desconforto -- 20
Era outono, a melhor estação para se estar no Rio de Janeiro. Ele acordou com um raio de sol batendo em seu camisolão ensebado. Num dia como aquele, cavalgaria por quilômetros e quilômetros sem se cansar, aspirando o ar livre de umidade e recebendo na farda os generosos raios de um sol temperado, jamais furioso como entre janeiro e março.
"Bom, hoje não vai ser possível cavalgar", pensou. "Mas darei uma caminhada pelo centro da cidade."
Antecipava o prazer da jornada a pé quando entrou o barbeiro. Em sua mente, imaginou-se prestes a ir a um sarau, vestindo gala. Para isso, era preciso livrar-se daquele penteado demodê. Riu consigo mesmo enquanto o outro pegava a bacia e a navalha. O barbeiro não quis conversar naquela manhã. Estava com uma cara triste. Ele respeitou seu silêncio. Mesmo assim, o ágil profissional pareceu ler sua mente e raspou-lhe barba e cabeleira sem pestanejar.
Sentiu-se renovado. Banhou-se e vestiu-se de branco. Sorriu ao sair para o sol. Os homens o aguardavam. Postou-se diante deles e deu o primeiro passo.
Percebeu que ficara famoso. As ruas estavam cheias. Todos queriam vê-lo. Mas ninguém acenava. Ninguém apreciava as carícias solares como ele. Bem, fazer o quê? Seguiu adiante, admirando a beleza carioca.
Eles não sabiam, mas ele logo seria um homem livre, como sempre sonhara, desde os tempos de menino.
Muitos anos depois, nas tavernas da capital, onde se celebrava a proclamação da independência, os mais velhos lembraram o enigmático sorriso do alferes Joaquim José naquela manhã de abril de 1792.
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