30.10.03

Duas pérolas de Camus:

"A necessidade de estar com a razão é sinal de uma mente vulgar."

"Antes, era uma questão de descobrir se a vida precisava fazer ou não sentido para ser vivida. Agora, ficou claro que ela será mais bem vivida se não fizer sentido."

29.10.03

Anseio por uma cervejinha no sábado. Quando vai se aproximando do término uma semana em que você deu plantão (12 dias direto trabalhando, com o fim de semana anterior emendado), chegamos exaustos à sexta-feira. E estou de matérias até o pescoço ;-)

É, o trabalho é mesmo o vício das classes bebedoras...

25.10.03

A ressaca

Ainda bêbado, intuía que ia passar pela pior ressaca de sua vida. Depois de quatro garrafas de uísque paraguaio caubói consumidas com os amigos na madrugada deprê, precisou ser carregado para a banheira, onde, misturando inglês e alemão, fazia declarações de amor à futura ex-namorada ausente. Depois, o vômito inevitável. E o esquecimento.
Acordou perfeito na manhã seguinte. Perfeito. O crânio quieto dentro da testa. Nenhum machado invisível enfiado no meio da careca, o aço latejando do cocuruto às têmporas. Nenhum gosto de lata de azeite enferrujada dentro da boca. Se gostasse de exercício, podia até sair para um cooper à beira da lagoa. Sentia-se bem como nunca.
Aí arregalou os olhos ao ver na cômoda as quatro garrafas de uísque de Assunção. Cheinhas. Intocadas.
Olhou o calendário. Não! Devia ser a manhã de domingo. Mas estava lá a folha de sábado, que ele mesmo arrancara.
Ligou a TV. As notícias de sábado. Tudo igual. "Aimedeus aimeudeus eu voltei no tempo", gemeu. "Será que vou tomar aquele porre terrível de novo?"
Fugiu espavorido de casa. Ia fazer tudo diferente. Passou na casa da namorada. Ela tinha saído. Ligou para os pais. Estavam em Petrópolis. Não podia falar com o Zé, nem com o Carlos, nem com o Ivan, que eram os co-porristas. Correu para a rodoviária, esquecendo que estava sem dinheiro vivo. Não aceitavam cheque no guichê. O banco ficava a duas quadras; o 24 horas estava sem dinheiro. Mas que merda.
Aí encontrou o Zé na sinuca da esquina. Ficou branco. O outro acenou e ele gritou de pavor, disparando rua acima. Acabou voltando para casa. Ia se trancar, sem atender ninguém até aquele pesadelo passar. Sentou-se na cama, esbaforido.
Como é que o porre tinha começado mesmo? Alguém chegou e...
Bateram na porta. "Miguel, é o Carlos!"
Ih, foi assim mesmo. Decidiu não responder.
"Miguel, eu sei que você está aí, te vi entrar. Responde, homem de Deus!"
Nada.
"Ivan, eu estou ouvindo uma respiração pesada... ele pode estar passando mal depois da bebedeira de ontem".
Hein?
Olhou para a cômoda. As garrafas vazias. Na folhinha, a data de domingo.
Então veio tudo junto: o gosto de ferrugem, o terremoto no crânio, o suor frio. Desabou na cama, lânguido como uma maria-mole.
Toda a ressaca tomou conta de seu corpo; foi como se um fenemê o atropelasse.
Ao desmaiar sobre a cama desarrumada, só pôde ouvir de longe o sussurro do Tempo: "desculpe, erro de devolução..."
Num hospital em Helsinque, Rainer Torvald recuperou a memória depois de doze anos, no dia de seu aniversário -- um sábado.

24.10.03

Ontem vi um filme com quatro histórias misturando rock e terror. Num deles, a Morte pede a uma cantora para dar uma canja em seu show.
Agora imagine a Morte cantando isso...

Every breath you take
Every move you make
Every bond you break
Every step you take
I'll be watching you

Every single day
Every word you say
Every game you play
Every night you stay
I'll be watching you

Oh can't you see
You belong to me...


É perfeito, né? Pelo menos neste trecho. ;-)

21.10.03




É com muito orgulho que vou contar isto a vocês: este guardião do Cadafalso foi o segundo lugar no concurso de narrativas curtas Haroldo Maranhão, organizado pela Meg. E isto entre mais de 300 inscritos. Não podia desejar maior honra e estou muito feliz e agradecido. O texto agraciado foi o Miniconto do desconforto número 5, que rebatizei de "A decisão" para a competição. Eis o texto:


"A nevasca seguia virulenta lá fora; dentro, o troar dos aplausos era inesgotável, irreprimível. Chamado ao palco, os gritos de "O autor! O autor!" transformando-o num títere gigante, postou-se no proscênio, como fizera nos últimos anos, impecavelmente elegante na capa Inverness e tirando da cigarreira dourada um dos incontáveis cigarros que o acompanhavam após os jantares no Savoy.

Ao dar a primeira tragada, viu na quarta fileira a Desgraça aplaudindo de pé, num longo vestido negro adornado por um único rubi cor de sangue. Naquela noite, decidiu: deixaria a vida de dissipação e recolher-se-ia num mosteiro, onde escreveria suas melhores obras, frutos da reflexão de que tanto precisava.

Mas a manhã surgiu magnífica, sem uma nuvem no céu, e lhe trouxe agradável companhia. Sentia-se novo, e saiu para passear em seu cabriolé de plantão. Anos depois, na prisão, falido, recordaria: fora a Beleza que o lançara ao abismo."

17.10.03

Obrigado por telefonar.
Minicontos do desconforto -- 58

Tinha medo de que tudo cedesse. Achava que as rachaduras estavam aumentando. E, a cada chuva, as infiltrações enchiam mais o piso de ardósia de água. O mais assustador era o barulho que os gatinhos recém-nascidos faziam no armário sob a televisão -- reque, reque. Quando estava vendo um filme de terror, dava solavancos na poltrona fora de hora por causa disso.
Agora só tinha como companhia a Dodó, a gata malhada que se sentava atrás de seu pescoço e ronronava pela madrugada. Era a única visão de beleza que lhe restara depois da insolvência final.
Uma noite o telefone tocou. Era um velho amigo, convidando-o para um trabalho free-lance. Iam pagar mal, como de costume, mas pelo menos daria para a cerveja. Foi até o endereço indicado. Recebeu-o um homem magro e bem-vestido. "Duas laudas", começou ele. "Mas sobre o quê?" "Deus".
Foi para casa. Ficou olhando a samambaia gotejante com o caderno esperando à sua frente.
Veio a Dodó e deitou-se na escrivaninha, olhando para ele. E só então houve o clique, com o velho jornalista percebendo em seus olhos despidos das torpes emoções humanas, revestidos apenas dos segredos da Natureza, o sentido da criação.
Ele começou a rir sozinho, espantando a gata sem querer. Tudo bem, agora era só escrever. Começou, num frêmito: "Darwin estava certo e errado ao mesmo tempo..."
Então a casa caiu.
Data emblemática: eu e Wal estamos juntos há dezesseis anos. Lembro-me de detalhes da festa de casamento até hoje. Foi um festão, daqueles em que a gente se diverte sem parar (separamos a data só para isso, tendo nos casado em dias separados no civil e no religioso).
No convite, pusemos este trecho do conto "O rouxinol e a rosa", de Wilde: "'Se queres uma rosa vermelha', explicou a roseira, 'hás de fazê-la de música, ao luar, e tingi-la com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim com o peito junto a um espinho. Cantarás toda a noite para mim e o espinho deve ferir teu coração e teu sangue de vida deve infiltrar-se em minhas veias e tornar-se meu.'"

14.10.03

Quite an experience to live in fear, isn't it? That's what it is to be a slave.

(Rutger Hauer como o replicante Batty, em "Blade Runner")
". . . Yes, Mr. Gray, the gods have been good to you. But what the gods give they quickly take away. You have only a few years in which to live really, perfectly, and fully. When your youth goes, your beauty will go with it, and then you will suddenly discover that there are no triumphs left for you, or have to content yourself with those mean triumphs that the memory of your past will make more bitter than defeats. Every month as it wanes brings you nearer to something dreadful. Time is jealous of you, and wars against your lilies and your roses. You will become sallow, and hollow-cheeked, and dull-eyed. You will suffer horribly.... Ah! realize your youth while you have it. Don't squander the gold of your days, listening to the tedious, trying to improve the hopeless failure, or giving away your life to the ignorant, the common, and the vulgar. These are the sickly aims, the false ideals, of our age."

Oscar Wilde, "The picture of Dorian Gray"

13.10.03

Hoje é uma legítima segunda-feira 13.


9.10.03

Vou comentar neste post o filme "Carrington" e falar sobre o final dele. Para quem pretende vê-lo, pode não ser aconselhável ler, ok?

Vi ontem "Carrington", filme em que Emma Thompson encarna a pintora que se apaixonou pelo escritor Lytton Strachey na Inglaterra dos anos 10-20, e devotou sua vida a esse amor, embora Lytton fosse homossexual e ela tenha tido vários amantes para aplacar a ausência de sexo com ele. Um filme que faz pensar sobre o que é, na verdade, o amar. Se ele se sustenta mesmo quando parece impossível. Não sei se a verdadeira Carrington era bela como Emma Thompson é, mas compreende-se por sua história que ela poderia ter qualquer homem que quisesse, e mesmo assim escolhe Lytton, a tal ponto de cometer suicídio após a morte do amado, por não poder viver sem ele.

Será possível amar a alma de alguém até o fim, sublimando o desejo? Será possível não se sentir atraído fisicamente por alguém e ainda assim querê-lo de modo quase insuportável? Será possível saber-se objeto de um amor assim e agüentar a necessária distância?

Os poetas deveriam saber a resposta. Mas é justamente porque eles se perguntam isso todos os minutos de suas vidas que aparecem os versos.

7.10.03

Dias 16, 17, 18 e 19 de outubro vai rolar no Armazém do Rio o evento "Primavera dos Livros", com palestras, rodas de leitura, shows e estandes de várias editores. Quem curte literatura deve ficar ligado. No dia 18, sábado, às 19h, pretendo dar um pulo até lá para prestigiar minhas queridas Alessandra Archer e Crib Tanaka, que estarão lendo alguns trechos de seus escritos. E de repente vou ler algumas coisas minhas também ;-). Mestre Augusto Sales, o homem do Falaê!, também estará no programa, falando sobre e-zines e blogs, no mesmo dia, às 17h30. Ele está montando a revista/site "Paralelos", que vai reunir alguns dos antigos colaboradores do Falaê!.

3.10.03

Maloca Forever!!!!



Ontem foi o aniversário do Marlos Mendes, vulgo Maloca, uma das mentes mais alertas do planeta. Ele reuniu cerca de vinte convivas no centenário café Lamas e e a mesa estava animadíssima. No fim estava todo mundo vendo meio torto, como se pode conferir na imagem acima ;-) O visual barba sem bigode do aniversariante suscitou comparações com Los Hermanos, Brucutu, Abraham Lincoln, o Rolo da Turma da Mônica e até um certo Júlio Bonecão (estou gargalhando enquanto escrevo isso).
O presente mais divertido da noite foi uma garrafa do bom e velho Rom Montilla, aquele do slogan "Hoje alegre, amanhã bem" -- que eu acho que deveria ser "Hoje alegre. Amanhã... bem..."

2.10.03

Eu já comentei lá no blog da Camila, e agora digo aqui: a Nova Schin é igualzinha à velha, ou seja, bem ruinzinha. Pelo jeito, se a nota do Ancelmo Gois que a Elis pôs na sua página estiver certa, só mesmo ameaçando o Zeca Pagodinho para ele beber no anúncio ;-))