26.7.06

Minhas três colunas mais recentes no Info Etc.

De 24 de julho:

TECNOLOGIA É SÓ UM MEIO

André Machado

Proferi este mês uma conferência sobre tecnologia e comportamento no Business Club One, no Centro do Rio. Aproveitei para relembrar a época em que escrevia estas mal traçadas nas chamadas máquinas "de tração animal", ou máquinas de escrever. Como o computador mudou nossas vidas desde então! Entre o momento em que a notícia surge e o momento em que chega ao leitor, hoje o intervalo de tempo é quase inexistente. A vertiginosidade em que vivemos envolvidos nesta era de pouca reflexão me fez pensar no papel da tecnologia e o que ela representa para nós, personagens e testemunhas da Revolução da Informação.

Na conferência, eu disse que uma coisa a lembrar quando falamos de tecnologia é que ela não pode ser transformada em vida. O que quero dizer com isso? Que toda tecnologia é um meio para se chegar a um fim, nunca o fim em si. A internet é a maior ferramenta de comunicação jamais criada pelo homem, mas ainda assim permanece uma ferramenta. Embora haja nela mundos virtuais onde podemos viver vidas diferentes das nossas, como um role playing game (RPG) em tempo real, elas permanecem virtuais; a vida real, por seu lado, é bem outra coisa.

Um fenômeno recente que vejo se abater sobre muitas pessoas é a mania de filmar e fotografar tudo o tempo todo. A facilidade cada vez maior de acesso a câmeras digitais, em máquinas fotográficas propriamente ditas ou em PDAs e telefones celulares, criou uma obsessão com o registro ao vivo de tudo e de todos. Ouso dizer que, se isso continuar assim, dentro de algumas décadas não precisaremos mais de nossa memória inata. Porque as pessoas estão se esquecendo de olhar as coisas com seus próprios olhos e preferem a eles a realidade das lentes digitais. Ninguém mais pára para apreciar um crepúsculo, para observar as emoções dos convidados de uma discreta cerimônia de casamento. Não; todos levantam suas câmeras e telefones celulares e fotografam sem parar, deixando de acompanhar o momento e depois elaborando-o na própria memória, que é, ao menos para este humilde escriba, parte do que faz a História com H maiúsculo ser escrita.

A tecnologia deve ter o lugar que merece em nossas vidas: o de utilidade. Certamente ela ajuda a mudar comportamentos e gerar novas formas de organização, mas ainda assim o faz como uma ferramenta. E, de qualquer forma, encantar-se com uma tecnologia específica e aferrar-se a ela é, na prática, viver no passado, porque as tecnologias mudam o tempo todo, ainda mais agora. André Kischinevsky, diretor do Infnet, tem a teoria de que no futuro todas as coisas serão virtuais, e que não haverá mais objetos, apenas formas impalpáveis 3D e redes neurais conectadas a a elas.

Apesar desse caminho em busca do virtual, a vida real continua a ser bem mais do que zeros e uns, sim ou não, preto ou branco. É por isso que se estuda, no Massachusetts Institute of Technology e em outros lugares, a chamada computação afetiva, que quer ensinar sistemas de informação a entenderem melhor as reações humanas, e a se comportarem de acordo com elas.

A computação afetiva quer criar uma relação mais íntima com o usuário. Porque, em última análise, são as máquinas que realmente têm que nos entender, e não o contrário. A chamada usabilidade de sistemas e programas ainda tem um longo caminho pela frente. Eu sempre digo que, quando tivermos com o computador a intimidade que temos com a televisão e a geladeira, nossos problemas acabarão.

Contudo, depois de refletir sobre esses temas, fui à exposição Interface Cibernética (veja a capa) em São Paulo e percebi que, ao menos no campo da arte, os bits e bytes estão virando mais do que ferramentas; eles podem se transformar nas próprias obras de arte, em certo grau. Os artistas - sempre à frente de seus contemporâneos, em todas as épocas - perceberam que a relação de utilidade com a tecnologia poderia ser subvertida e não hesitaram em criar obras e instalações para celebrar novos relacionamentos entre nós e o software, o hardware e tudo em que podem se transformar. Vai dar uma nova conferência, sem dúvida.

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De 26 de junho:

OS CAPOEIRA COMMONS

André Machado

Em 2003, cobri o evento iLaw, que trouxe ao Rio alguns próceres do meio acadêmico americano e os fundadores do Creative Commons, movimento criado em 2002 pelo professor Lawrence Lessig, da Universidade de Stanford, com vistas a flexibilizar formas de direito autoral com licenças alternativas ao velho copyright. O evento atraiu poucos jornalistas, mas foi um divisor de águas para quem está de olho na evolução da vida digital. Agora, no fim de semana, acabou de acontecer também no Rio o iSummit, evento máximo da turma dos Creative Commons. E dessa vez veio gente do mundo inteiro - 49 países estavam representados no evento, que atraiu 70 jornalistas de diversas procedências. E o mundo Creative Commons não é mais alternativo. Virou mainstream. Na abertura do iSummit, o mesmo Lawrence Lessig contou que de seis meses para cá as licenças Creative Commons (CC) ultrapassaram 140 milhões no planeta (a última estatística dava conta de 53 milhões). A maior parte ainda consiste em textos e blogs com conteúdo compartilhado mais livremente, e em segundo lugar estão as imagens - são mais de 50 milhões com licenças CC só no Flicker.

A coisa está fervendo tanto que a própria Microsoft já criou uma opção no Office para apor uma licença Creative Commons num documento (do Word, por exemplo). E existem várias ramificações do movimento na internet, cada vez mais fazendo de quem consome conteúdo seu próprio autor.

- Na verdade, as pessoas não querem mais só consumir; querem interagir, compartilhar, improvisar coisas - disse Joi Ito, presidente do iCommons, entidade que e fomenta comunidades CC colaborativas.

Uma das ramificações é a Revver, onde se pode criar vídeos em licenças CC e garantir que o autor receba um "dindim" toda vez que o vídeo é assistido (de graça) na web. Isso é feito através de uma tag que monitora o vídeo na rede, e o dinheiro vem via acordos com anunciantes, dividido meio a meio entre site e autor. As Dixie Chicks, nos EUA, já fizeram um vídeo "revverizado".

Outro projeto é o Dotsub.com, que permite legendar filmes compartilháveis em qualquer idioma, com ferramentas adaptadas a browser fornecidas pelo próprio site. E tem ainda o Eyespot, com uma trilha de vídeo online que se pode misturar os frames à vontade, criando um filme com licença alternativa no fim do processo.

O Brasil não está de fora desse processo. Aqui, o Creative Commons é capitaneado pelo advogado Ronaldo Lemos, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV. E o ministro da Cultura, Gilberto Gil, é o artista brasileiro mais antenado com a nova realidade dos direitos autorais. No evento, ele reafirmou a intenção do governo de atualizar e modernizar as leis sobre propriedade intelectual no país, que segundo Ronaldo vão muito além do que a OMC pede e protegem os interesses privados.

- A Índia usou a flexibilidade dos acordos que a OMC prevê sobre o tema para atrasar a criação de patentes nocivas para o país e hoje tem a maior indústria de remédios genéricos do mundo. Aqui, a lei é muito mais conservadora - disse.

Gil, que mesmo político fala como artista e intelectual que é, evocou Fernando Pessoa e seus heterônimos para fazer uma metáfora da multiplicidade do ciberespaço e comparou a nova era que vivemos ao jogo de capoeira, cujos movimentos mudam o tempo todo e onde de repente um perdedor pode conquistar vitórias.

- Talvez porque eu seja de Salvador, um porto, onde os mundos e as culturas se encontram, quero conectar as diferentes idéias e fazer o mundo vibrar como um berimbau - disse, lembrando que o tropicalismo tem tudo a ver com essa onda.

É certo que ainda veremos muita água rolar debaixo da ponte, até porque somos um país em desenvolvimento, e temos de vencer primeiro a barreira da inclusão digital e levar tecnologia a todos antes de poder converter a mentalidade do establishment. Mas é um consolo perceber que cabeças pensantes do Brasil saem na frente e apreendem a necessidade de jogo de cintura quando se trata do universo da internet. Talvez seja lícito chamá-las de "capoeira commons".

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De 29 de maio:

LINUXWORLD: NA CASA DOS PINGÜINS

André Machado

Aconteceu semana passada em Sampa a primeira LinuxWorld brasileira. Este é o grande evento do mundo open source, enquanto o FISL (Fórum Internacional Software Livre) de Porto Alegre é o grande evento do software livre. Explico: embora os dois conceitos tenham interseções, o mundo open source é mais centrado na tecnologia em si, em criar sistemas e programas melhores (e de código aberto), enquanto os paladinos do software livre pensam em mudar o mundo, idealizando uma sociedade mais justa em que um dos primeiros passos seria o compartilhamento da informação.

O que um Richard Stallman, da Fundação Software Livre, tem de inflexível, o mentor do mundo open source, John "Maddog" Hall, presidente da Linux International, tem de político. Maddog pode ser considerado o grande embaixador do Linux (ou GNU/Linux) no planeta, já que o criador do sistema, Linus Torvalds, é um tanto tímido, especialmente em sua relação com a mídia.

Maddog fez um dos melhores keynotes do evento - que estava repleto de executivos e pesos-pesados de Intel, IBM, Red Hat, HP, Itautec, Novell, além de vários projetos Linux: Debian, Mandriva, BrOffice, 4Linux e muitos outros. Com mais de dois mil visitantes, a LinuxWorld provou que o sistema representado pelo pingüim Tux está crescidinho e chama a atenção do mercado.

Mas voltemos ao Maddog. Ele comentou que vai transformar a Linux International numa associação mais voltada para usuários finais e programadores do que para empresas.

- As empresas certamente ajudam a impulsionar o open source, mas também se preocupam com seus negócios - me disse Maddog. - Os usuários entram nessa porque realmente têm interesse, gostam da coisa. E é isso o que o software livre e aberto é, em última análise.

Do alto de suas barbas brancas, o veterano programador lembrou o quanto estamos viciados em nomes de soluções e esquecemos para o que elas servem. É o equivalente a chamar "fotocópia" de "xerox".

- Não diga que você precisa do produto de uma empresa X - sentenciou ele. - Diga que precisa de um software para editar texto ou fazer um banco de dados.

Ele não pregou a troca de sistema pela troca de sistema. Disse que "se você tem um sistema trabalhando bem, não o converta". E lembrou que se pode começar comendo pelas beiradas (no caso das empresas, em novos projetos), com programas abertos. Estão aí Evolution, OpenOffice e Gimp, só para citar alguns.

Outro destaque do evento foi a Red Hat, que anunciou oficialmente o início de suas operações no país e contratou o mantenedor do kernel do Linux, Marcelo Tosatti. Tosatti será responsável por adaptar o Linux para o laptop de US$100 do Nicholas Negroponte, em que a Red Hat investe.

- Minha tarefa será tornar a interface mais simples e mais fácil que a dos desktops - contou ele.

Uma interface mais fácil para os usuários é realmente o grande desafio do Linux para o desktop. Esse desktop deve chegar primeiro nas estações de trabalho. Por exemplo, pelas mãos da Novell, que lançou a versão 10 de seu Suse Linux Enterprise. Poderoso, o sistema comporta vídeo e gerenciamento avançado de arquivos e janelas - em dado momento da demo, Guy Lunardi, gerente de produto da Novell, abriu seis janelas e arrumou-as numa espécie de cubo mágico, que podia ser manipulado à vontade. Bom, à vontade no notebook de Guy, com 1Gb de memória...

Para o usuário final, mesmo, a grande aposta presente no evento era a nacional Insigne, que tem um Linux montado para facilitar a vida de quem nunca viu um pingüim. É o Linux que mais anda por aí nos computadores do varejo, inclusive os usados no projeto de computador popular no governo. A Insigne rearrumou a janela Comece Aqui, presente no Linux, e levou os ícones dos programas básicos para dentro dela. A empresa criou agora uma versão "live"do Insigne, que vou testar.

Por fim, a porção mulher do Tux está crescendo. As meninas do movimento LinuxChix.Br, que mexem com o sistema, já são mais de 300 e têm encontro marcado em Florianópolis, em setembro.

21.7.06

Vi a exposição do Degas, no MASP. Muito bem montada. Mas o mais legal foram as gravuras indecentes que Picasso fez de prostitutas aprontando o diabo enquanto o Degas, um tímido, observava de um canto, sempre com olhar espantado. A série foi batizada de "Degas voyeur" e é sensacional.

Também aproveitei para curtir o acervo do museu. A tela de Corot que retrata uma cigana com bandolim me hipnotizou.

Li a biografia de D. Pedro I escrita com leveza e maestria pela Isabel Lustosa. O imperador é descrito por ela como a verdadeira identidade de Macunaíma, o herói sem caráter. Mas, apesar das muitas vaciladas, deu ao Brasil a Independência, manteve-o coeso e ainda conseguiu derrotar o irmão usurpador em Portugal e botar sua filha no trono. E tudo isso num espaço de 12 anos, entre 1822 e 1834. Consumiu-se rápido, o homem, morrendo com 36 anos no mesmo quarto onde nascera.

É impossível parar de ler o livro. O personagem é muito fascinante. Mas dá para perceber que os verdadeiros estadistas ao lado dele eram José Bonifácio e D. Leopoldina. Se tivessem assegurado maior influência sobre D. Pedro, nossa história seria diferente. E talvez o Primeiro Reinado não tivesse acabado tão rápido.

12.7.06

Farewell, Syd Barrett. May you shine on like a crazy diamond wherever you are.

6.7.06

A final França x Itália está mais com cara de disputa entre culinárias do que de partida de futebol.