29.12.04

Well I'm staring down from Venus in the dead of night
My mind is thinking back to when the world was right
Your guns and bombs keep rolling off the assembly line
And people keep on starving and you think that's just fine

With my head in the clouds
its easy to see
You better live together peacefully
You know the world is still your family tree
So keep it straight - remember me
It's not too late - remember me

Well I'm floating and spinning and flying above the Earth's atmosphere
And I've got a few things to say
That you may not wanna hear
Now there's just enough time to repair it
As long as you don't let it get you down
But there's not a whole lot you can do for yourself
when you're buried underground

With my head in the clouds
its easy to see
You better live together peacefully
You know the world is still your family tree
So keep it straight - remember me
It's not too late - remember me

There's so much yelling an screamingand lying and cheatingand robbing and preaching
That we've heard it all
We need some loving and caring
And kissing and hugging
And helping each other
Or we're gonna fall
And that'll be all
So remember me

(Ace Frehley, in "Trouble Walking")

Feliz 2005, moçada!



28.12.04

Minicontos do desconforto -- 75
(para Carolina)

Viu a neta sofrendo. Dias sem comer. Luzes apagadas e Carpenters na vitrola. Decidiu escrever-lhe uma pequena carta e enfiou-a sob a porta.

"Não tenha vergonha de carpir a morte do seu amor", foi o que leu a neta, com os olhos remelentos de lágrimas. "Quando eu tinha a sua idade, já lera muitos tratados de filosofia e decidi que amar não era uma opção. Principalmente para a mulher, que acaba sempre subjugada por esse sentimento que, então, eu achava maldito. Até que conheci Juan numa festa, que me abordou com as costumeiras palavras elegantes dos malandros. Mal esperava ele receber um jato de argumentos cínicos da boca de tão bela donzela. Titubeou, mas não esmoreceu. Até que, cansada de ficar sentada ouvindo as conversas frívolas de minha primas, resolvi dançar, lá pela meia-noite. E, naquela dança, alguma coisa aconteceu que eu não soube precisar. Mas me deixou cismando por dias.

Perguntei por Juan a uma amiga; ela me disse que ele trabalhava no jornal do Lacerda. Decidida, fui à redação e, vendo-o ali, escrevendo em meio àquele burburinho irresistível dos repórteres no fim de tarde. Estava tão sério e compenetrado -- parecia um jovem filósofo do cotidiano. E tão jovem! Ali, minha mente virou de cabeça para baixo, eu esqueci todo o meu discurso e beijei-o depois de um café despretensioso.

Seguiu-se uma paixão tórrida, que exauriu todas as minhas forças. Logo eu, que me considerava a mais preparada adversária do sentimento, capitulei com uma vontade que não havia percebido em mim.

Até que um dia vi Juan na Colombo com uma vedete. Então foi minha vez de me trancar no quarto e afogar de lágrimas o Zaratustra de Nietszche, querendo que minha vontade férrea fosse a mesma do super-homem.

Mas foi na dor que descobri, afinal, que era humana, e que o amor incendiário é finito, como nossos anos, contados do minuto em que nascemos. E, como escreveu Wilde, da dor que dura para sempre consegui extrair o prazer que dura um instante -- o suficiente para rir de minha arrogância e amar de novo, e ser mais sábia, e compreender a fluidez da paixão.

Fui lá, tirei Juan da vedete e namoramos até cansar. Eu me diverti horrores e acho até que o escandalizei um pouco. No fim, cansei e deixei-o (foi quando ele escreveu suas melhores crônicas).

Nessa época, comecei a arrastar a asa para seu avô, que Deus o tenha. Mas só nos casamos depois que eu namorei vários outros.

Portanto, acredite. Vai passar. E você também vai rir depois."

A neta foi tomar café no dia seguinte. E comeu tudinho.

Havia um novo brilho em seus olhos negros.

27.12.04

"Ondas gigantes matam 12 mil em países da Ásia" -- esta manchete me pareceu ficção científica ao acordar hoje. Pelo meio-dia, os mortos já haviam chegado a 23 mil. É como se diz: para morrer basta estar vivo. Que as almas levadas tão subitamente por mais este capricho do Destino encontrem paz onde quer que estejam.

17.12.04

Por falar em levinho, inacreditavelmente estou uns 15 quilos mais magro. Deve ter sido o e$tre$$e de outubro/novembro, em que precisei fazer uma economia de guerra para me livrar de pendências. Preocupação emagrece, pelo visto...
Estive estes dias com uma de minhas maiores amigas, tomando um daqueles chopes em que a boa prosa não pára. Fomos até as duas da madruga numa Cobal da vida; foi bom porque eu estava precisando desabafar sobre algumas agruras domésticas. Saí de lá repleto de chope, mas com a mente levinha, levinha.




O litoral de Ilhabela, SP, clicado a bordo do Paratii 2, barco do Amyr Klink. O dia estava uma beleza (foi no fim de novembro).

15.12.04

Fui ontem ao show da Norah Jones. Esperava algo meio morno, mas a apresentação foi gostosa demais. Em meio às baladas, ela espetou músicas country, climões de jazz e até alguns rocks (tocaram até The Band). A banda, afiadíssima, contou com o veterano Robbie McIntosh e Adam Levy nas guitarras, ambos excelentes e protagonistas de solos melodiosos. O baterista Andrew Borger deu um show à parte nas músicas mais climáticas, e a própria Norah canta horrores sem fazer a menor força.

13.12.04

True happiness is of a retired nature, and an enemy to pomp and noise; it arises, in the first place, from the enjoyment of one's self, and in the next from the friendship and conversation of a few select companions.

Joseph Addison

4.12.04

Em breve, os minicontos prometidos. Dia 30 passou e o blog fez três aninhos.
E também fotos do meu niver (é hoje, mas a bagunça foi ontem -- está narrada no Cadafalso I). Aguardem.

25.11.04

Estou chegando perto da versão 42.0 -- e meio ressabiado. A estrada dos "enta" se estende à minha frente, e ela parece longa e varrida pelo vento...

24.11.04

No próximo dia 30, este blog completa três aninhos de vida. Como fiz no ano passado, escreverei os próximos três minicontos com temas sugeridos por vocês. É só sugerir nos comentários. Quem se habilita?

16.11.04

No more tomorrow, baby; time is today.

6.11.04

Dia de citações sobre a paixão:

"Só as paixões, as grandes paixões, podem elevar a alma para as grandes coisas." (Diderot)

"Permanece quieto quando não tiveres nada a dizer; quando a genuína paixão mover-te, diz o que tem a dizer, e faze-o com calor." (D. H. Lawrence)

28.10.04

Minicontos do desconforto -- 74

Foi um gesto tão simples: o homem estava passando no corredor, ela acenou, veio ao seu encontro e lhe deu um CD que havia gravado para ele.

Em casa, ele não teve coragem de ouvir. Apenas tirou a velha foto da ex do porta-retratos e inseriu com cuidado aquele CD, em cuja superfície estava escrito: "para Robert, com carinho".

O disquinho ganhou lugar de honra na estante e ali ficou, mudo testemunho da imensa solidão do homem.

Um dia, a amiga veio saber se ele tinha gostado da música escondida na mídia.

-- Eu não escutei -- foi a resposta.

-- Mas por quê?

-- Porque durante todo o seu trajeto de sua mesa até este corredor, naquele dia, eu pude escutar a música que toca dentro de você, e desde então não preciso ouvir nenhuma outra.






25.10.04

Eu ainda não contei isso: no início do mês, dei uma palestra para estudantes do ensino médio do Instituto Gay Lussac, em Niterói. Falei sobre jornalismo e sobre o livro que escrevi com mestre Aroaldo Veneu. Foi uma experiência desafiante falar para um público de adolescentes, mas acho que consegui me sair razoavelmente bem.

* * *

E, antes tarde do que nunca, Aroaldo deu uma excelente entrevista sobre o livro no "Sem Censura", na TVE, há alguns dias.

19.10.04

Fernando Sabino, hasta la vista.
"O encontro marcado" é um dos livros da minha vida. Irresistível, cheio da força da juventude, realmente um livro-ritual de passagem.
Também gosto das crônicas dele, que me lembram o comentário de um prefaciante à obra de Joaquim Manoel de Macedo: nem sempre, na literatura, é preciso escrever montanhas; as colinas suaves também têm seu lugar (era isso ou algo parecido). E o Fernando cronista era o dono absoluto dessas colinas refrescantes da vista nas pradarias.

* * *

Christopher Reeve, para mim, não era o o eterno Super-homem, mas o Richard Collier de "Em algum lugar do passado", um de meus filmes favoritos (o livro é ainda melhor, e mais triste).

* * *

Tem dias que a gente só quer deitar e deixar a vida passar.



18.10.04

Para quem quer conhecer melhor o universo wildeano, é imperdível a exposição virtual, com excelentes textos, organizada pela New York University. Fica bem aqui.

7.10.04

Estou começando a ler "O Santo Graal e a Linhagem Sagrada", livro do que o "Código Da Vinci" foi acusado de plagiar. Logo nas primeiras páginas, descobri que o sobrenome do padre a partir do qual a pesquisa do livro se origionou é nada menos que... Saunière, o mesmo do curador do Louvre no livro de Dan Brown. E, perto da cidade onde o padre viveu, no Languedoc, há um pico chamado... Bezú (alguém aí lembrou do capitão Bezu Fache?)

Curiosas coincidências... O que será que vou encontrar mais adiante? ;-)

29.9.04

Fala, moçada. Estou de volta ao batente, depois de um período de férias. Aproveitei para ver alguns filmes que tinha perdido, como "Peixe grande" e "Dogville". Adorei o primeiro, uma verdadeira fábula com direção certeira do Tim Burton, e fiquei bolado com as metáforas usadas por Lars von Trier no segundo.

13.9.04

Atenção, moçada, só para lembrar: o lançamento de meu livro com mestre Aroaldo Veneu acontece amanhã, 14/9, na livraria da Travessa em Ipanema (visconde de Pirajá 572), a partir das 19:30. Estão todos convidados!!!

27.8.04

Moçada, nesta sexta-feira corrida, uma notícia excelente: a primeira edição de meu livro com mestre Aroaldo Veneu esgotou!!!! Uhuuu!!!! A segunda já está sendo preparada...

25.8.04

Mais sobre o livro: a Cris de Luca deu uma bela matéria sobre ele hoje no Dia. Bem aqui.
Eu ando com vontade de reunir todos os candidatos a prefeito e vereador, prendê-los num salão e tocar, no máximo volume, todos os jingles que passam por minha rua em carros de som, nas horas mais estapafúrdias. É impressionante a falta de respeito (para não falar da falta de gosto musical) com o eleitor. E o pior é que a gente fica com algumas músicas na cabeça.


24.8.04

Ufa, até que enfim consegui botar esssa barra do Blogger lá para cima! Estava tapando a data dos posts aqui.

20.8.04

Minicontos do desconforto -- 73

-- Você sabe, outro dia fiquei pensando no Dorian Gray.
-- O personagem do Wilde? O que tem ele?
-- Já imaginou se ele vivesse hoje? Depois de Lord Henry Wotton lhe fazer o elogio da beleza, e assegurar-lhe que a perderia cruelmente diante dos exércitos da Vida e do Tempo combinados, ele diria "eu daria qualquer coisa para que o meu retrato que Basil Hallward está pintando envelhecesse em meu lugar..."
-- E daí? Não é mais ou menos isso mesmo o que ele diz no livro?
-- É, mas se fosse nos dias de hoje o pintor responderia: "Não tem problema, meu caro Dorian. Para envelhecê-lo no quadro nós temos o Photoshop e para mantê-lo jovem temos o botox."

16.8.04

E por falar em lançamento, estarei amanhã na Comdex/SP ao longo do dia, divulgando o livro no estande da editora Campus.

***

Volto do almoço e encontro um cartão postal do verão sueco enviado pela minha querida Maryzinha Fabriani, com um gentil cumprimento sobre essa sensação curiosa que é lançar um livro... Mary, você me emocionou. Obrigado por sua mensagem, é como se você estivesse aqui.

***
Reproduzo aqui a nota de Cora Rónai hoje no Globo sobre o livro que eu e mestre Aroaldo Veneu estamos lançando: "Como converter a sua rica coleção de LPs, fitas cassete e MP3 em CDs de alta qualidade? A pergunta, que foi base de uma reportagem aqui no caderninho, acabou rendendo um livro e tanto, obra do nosso André Machado, jornalista de larga experiência na área, e do físico Aroaldo Veneu, um dos pioneiros na técnica de transposição de musicas de mídia analógica para digital e criador do método LPemCD. “Como fazer CDs de alta qualidade” (Editora Campus/Elsevier, 312 páginas, R$ 45), que acaba de chegar às livrarias, é um guia passo a passo para a confecção de CDs: lá estão todos os macetes que você sempre quis saber mas nunca teve paciência de procurar na internet, explicados de forma clara, simples e bem humorada. De quebra, o livro traz uma versão trial do Nero, um excelente software para criação de CDs."

Obrigado, Cora.

11.8.04

É bom ver o Maloca Mendes de volta à ativa, mandando brasa no mundo online de novo! Ele agora tem que reativar seu blog, cujo HTML já deve ter criado limo.

6.8.04

Um pouquinho mais de Churchill. Essa o Bush, se lesse, deveria decorar:

Never, never, never believe any war will be smooth and easy, or that anyone who embarks on the strange voyage can measure the tides and hurricanes he will encounter. The statesman who yields to war fever must realize that once the signal is given, he is no longer the master of policy but the slave of unforeseeable and uncontrollable events.

History will be kind to me, for I intend to write it.

Churchill

3.8.04

Mais sobre o livro: ele está disponível em vários sites. Olhem só.

2.8.04

Repito este post do Cadafalso I:

Desde março eu vinha trabalhando num projeto diferente, que me tomou um bom tempo. É o meu primeiro livro -- um livro de informática -- que acaba de sair do prelo pela editora Campus. Chama-se "Como fazer CDs de alta qualidade" e foi escrito junto com o grande mestre do assunto, o físico e músico Aroaldo Veneu. Aroaldo foi minha fonte principal numa reportagem sobre o assunto que saiu no caderno Informática Etc, do Globo, onde trabalho, em fevereiro. Dela surgiu o convite para o livro, em que nos aprofundamos mais sobre a arte de gravar um CD retirando de seus velhos Lps aquelas sujeirinhas e tlec-tlecs para curtir melhor no som as músicas que tanto amamos. Aroaldo sabe tudo do assunto e tem um método todo pessoal, que detalha com um estilo incomparável no livro. Ele deu cursos sobre o tema por vários anos. Eu entrei com meu ofício de repórter. Olha a carinha do livro aí:



Ele já está na lista de lançamentos do site da Campus, aqui.

A noite de autógrafos vai ser no dia 14 de setembro, na Livraria da Travessa, em Ipanema. Quando chegar mais perto, vou postar aqui.

É uma sensação ímpar estar com um livro que você concebeu em suas mãos.

A pedidos, mais fotos do Oriente!



Diante de um guardião do templo budista de Bongeun-sa, um dos mais antigos de Seul. Estive lá num domingo e deu para observar o movimento dos fiéis orando para Buda, o Iluminado. A grande maioria era de mulheres. O templo é muito bonito e tem várias partes encravadas numa montanha, com bosques entremeando.



Eu diante do verdadeiro "campo" de lanternas orientais com homenagens aos mortos e antepassados das famílias, atrás do prédio principal do templo de Bongeun-sa. Perto daqui, fui até um incensário, acendi um incenso e (sempre com as duas mãos) depositei-o numa urna cheia de terra, fazendo um pedido a Buda, num momento de contemplação.

30.7.04

"Fahrenheit 9/11" é um senhor panfleto em imagens. Um tapa na cara do governo Bush. Michael Moore pelo menos admite que o propósito do filme é fazer Bush perder a eleição.

O filme faz a gente dar boas gargalhadas em alguns momentos. Mas termina num clima pesado, focalizando a mãe que perdeu um filho na guerra.

Eu gostei mais de "Tiros em Columbine".

29.7.04



Diante do pagode em Asakusa, no Japão. Após o portal, o visitante atravessa um extenso mercado, com lojas de todos os tipos, até chegar ao templo.  O interessante é que isso fica no meio de um centro movimentadíssimo de Tóquio.

26.7.04

Moçada, estou de volta.

Perdoem o longo tempo sumido, é que estive envolvido numa longa viagem -- no sentido literal e no metafísico -- nas duas últimas semanas. Fui a trabalho ao Extremo Oriente -- Coréia e Japão -- onde o sol nasce e derrama sua sabedoria milenar sobre este planeta. Fui a templos budistas, vi monges orarem pelos mortos e o povo pedindo graças diversas ao Iluminado (de saúde a fertilidade); vi as belezas do palácio imperial de Gyeonbokgung, em Seul, um labirinto de construções tecido pelas necessidades políticas de seu tempo; e observei fascinado Tóquio à noite, com um quê da Los Angeles vista em "Blade Runner", os viadutos sem fim, as rodas gigantes criando arabescos de caleidoscópios. Vi também o futuro frenético da tecnologia, que estou começando a descrever em matérias.  Celulares com televisão ao vivo, centros de lazer equipados com tudo que é aparelho, serviços de mapeamento sofisticadíssimos.

O Oriente dá realmente um nó na cabeça ocidental, por mais rápida que seja a visita. Contarei mais nos próximos posts.

3.7.04

Minicontos do desconforto -- 72

Começou o solo de guitarra que já fizera vezes sem conta. Só que dessa vez os companheiros de banda perderam a deixa para que voltassem a cantar e ele continuou solando. As escalas de repente ficaram mais nítidas, seus dedos pareciam dotados de uma elasticidade que nos últimos tempos vinha se tornando mais difícil.

Por fim, uma nota mais aguda o levou a um outro lugar, onde o solo alcançou notas jamais ouvidas. Percebeu que estava naquela faixa sonora que só os animais racionais (como os cães) ouvem, mas ainda assim escutava tudo enquanto suava, sacudia a guitarra freneticamente e levava as concepções de jazz, rock e improviso a um patamar quase indescritível.

Foi então que olhou para o lado e viu o Divino Negão em pessoa.

-- Jimi Hendrix?! -- balbuciou (sem parar de solar, o que era absolutamente insano).

-- Irmão, que pena. Todo mundo queria você na Dead Band, mas isso foi um acidente. Excuse me while I kiss the sky...

E Hendrix beijou sua guitarra, enquanto ele sentia uma microfonia terrível nas orelhas e via ao longe as faces sorridentes de Janis Joplin, Jim Morrison, Randy Rhoads, Keith Moon e John Entwistle.

Acordou com um paramédico em cima de seu peito, em pleno palco. A platéia urrava. O baixista sorria para ele com uma cara de babaca. "Cara, você fez o melhor solo de sua vida! E nós estávamos gravando! Não foi à toa que desmaiou..."

Terminaram o show e foram correndo para a sala de gravação.

Mas, em lugar do solo miraculoso, só ouviram dez minutos de estática.

Ele chorou muito. E nunca mais conseguiu solar daquele jeito. Mas os fãs não o deixaram. E o rock rolou por décadas.

Quando chegou o fim da turnê pela vida, enquanto pescava com um neto, subiu curioso.

Hendrix estava lá. Com um CD dourado nas mãos.

-- Irmão, bem na hora. Lennon e Harrison querem ver se você topa uma seqüência de acordes nova para combinar com o solo.

O primeiro ensaio post-mortem foi um marco na música pop do céu.

28.6.04

Este fim de semana revi "O Homem Elefante", um dos mais comoventes filmes já feitos. E um dos mais lineares de David Lynch, também. Eu me emocionei exatamente como aconteceu quando assisti ao filme pela primeira vez, no antigo Cine Veneza, na Urca. A decisão de Lynch de filmar em preto e branco foi acertada; até hoje me parece que filmes sobre a era vitoriana, uma era que só conhecemos em p x b , deveriam ser assim. Anthony Hopkins está contido como o dr. Frederick Treves, e John Hurt arranca lágrimas até de uma pedra em sua recriação de John Merrick.

23.6.04

Eu contei que fui a Brasília outro dia? Minha primeira impressão da cidade foi a de um imenso campus universitário espalhado pelo cerrado, sob um belo céu azul. O tempo estava uma beleza.

Do alto, no avião, quando eu chegava, deu para ver um pedaço do plano piloto, todo iluminado à noite.

Mas a falta de cruzamentos realmente confunde a gente. E é tudo muito espalhado, ao contrário do nosso Rio apertado entre mar e montanha. Estranhei, de fato.

Entretanto, a cidade tem seu charme, definitivamente.

18.6.04

Sexta de fechamento: só eu e Elis.
Semana que verem serei eu... e eu (ela estará de férias).
Pelo menos até quinta, quando nosso editor-assistente retorna à lida.
Vai ser uma semana comprida.

10.6.04

"Selfishness is not living as one wishes to live, it is asking others to live as one wishes to live."

Oscar Wilde (1854 - 1900)

6.6.04

Muito bom o artigo de Carlos Haag ontem no Globo analisando "A ética protestante e o espírito do capitalismo", do bom e velho Max Weber. O trecho mais legal é este:

"O capitalismo nasceria, portanto, de uma 'teodicéia do sofrimento', em que o sofrer perde o seu registro negativo e se transmuta em ética do racionalismo. (...) Ter riquezas não é um pecado; ao contrário, pode indicar justamente o caráter de 'eleito' por Deus. Desde que, é claro, sem o prazer e com todo o trabalho decorrente dessa posse, adquirida legalmente. Em contrapartida, o Criador oferece ao poder do ascetismo religioso uma 'classe operária'laboriosa.

"(...) A ética protestante foi necessária para converter a ganância natural de riquezas numa frugalidade com propósito e racionalidade. O calvinismo, ao abolir a distinção entre sagrado e profano, tirou o ideal ascético das ordens religiosas para a vida secular. 'O puritano queria trabalhar por vocação; nós somos forçados a isso. Pois quando o ascetismo foi retirado da cela monástica e jogado no cotidiano, ele teve sua parte na construção do cosmos da ordem econômica moderna', escreve Weber. A frugalidade de que falava Adam Smith agora deriva não de um desejo natural por mais riqueza, mas de um desejo de salvação da alma."

É uma idéia interessante misturar a relação com Deus e a salvação pessoal através da ética da responsabilidade, que separa da riqueza a idéia de pecado. Dá inclusive para pensar, guardadas as devidas proporções, é claro, em Max Weber quando escutamos certas rádios evangélicas de hoje chamando para cultos: "Você, que está endividado, com o nome no SPC, que não tem mais a quem recorrer, que está desesperado, venha à assembléia na rua tal..." O apelo a uma vida melhor no céu associada ao sucesso pessoal/profissional na terra, parece-me, tem um pouco a ver com essa velha ética detectada pelo teórico alemão.

4.6.04

"When a man tells you that he got rich through hard work, ask him: 'Whose?'"

Don Marquis (1878-1937)

1.6.04

Minicontos do desconforto -- 71

Sentia nitidamente que o coração estava com capacidade ociosa: ansiava por amar mais, por passar o amor por um prisma e vê-lo espalhar-se em diversos tons. Não compreendia o zelo da sociedade pela constância absoluta (e na verdade impossível); de modo que só conseguia a realização plena tocando sua guitarra no quarto escuro e enchendo a noite de raios invisíveis que saíam de seu peito em chamas.

Os amigos faziam troça dele por ter coragem de lidar com as próprias emoções e aspirar a algo imaterial. Chamavam-no de medieval, retrô e outros adjetivos fáceis. Ele ria e fingia não se abalar; mas percebia a solidão deles (e a sua).

Então, depois de beber alguns uísques a mais numa noite fria de sábado, sonhou com um futuro onde os arqueólogos encontravam suas cartas a Cecily e ficavam se perguntando o que significariam vocábulos como "amo", "desejo", "alma", "beijo".

Despertou sobressaltado e ligou correndo para ela.

-- Venha jantar comigo, pelamordedeus.

-- São duas da manhã, querido.

-- Precisamos celebrar a vida antes que a Tempestade da Banalização vença. No fim, ela é a senhora de todos os impérios, de todos os tiranos, de todos os servos da etiqueta e da diplomacia. Eu sou apenas um homem, e neste invólucro não posso lhe dar todo o amor que sinto; mas o que posso lhe dar não é banal, não é lugar-comum, não é um cinza desbotado. Venha, porque o Tempo sempre passa por aqui e escarnece de meus cabelos cansados.

Cecily ia perguntar "o que deu em você", mas entendeu (e ele pôde sentir do outro lado da linha) que se o fizesse estaria sendo uma agente do banal, do ennui imperdoável.

-- Estou indo.

Quando ela chegou, os dois beberam, dançaram, fizeram amor e dormiram tão profundamente que era como se estivessem mortos. E, embora fizessem tudo como se o mundo fosse acabar amanhã, o Tempo se hospedou aquela noite no velho cuco parado, só para assistir, e a lua não quis ceder seu lugar ao sol, só se retirando após muita argumentação e ainda assim contrafeita.

31.5.04

Amanhã, algo sobre o amar.

28.5.04

Weapons of Math Instruction

At New York's Kennedy airport today, an individual later discovered to be a
public school teacher was arrested trying to board a flight while in
possession
of a ruler, a protractor, a setsquare, a slide rule, and a calculator.

At a morning press conference, Attorney general John Ashcroft said he
believes
the man is a member of the notorious al-gebra movement. He is being
charged by
the FBI with carrying weapons of math instruction.

"Al-gebra is a fearsome cult,", Ashcroft said. "They desire average solutions
by means and extremes, and sometimes go off on tangents in a search of
absolute value. They use secret code names like "x" and "y" and refer to
themselves as "unknowns", but we have determined they belong to a common
denominator of the axis of medieval with coordinates in every country.

"As the Greek philanderer Isosceles used to say, there are 3 sides to every
triangle," Ashcroft declared.

When asked to comment on the arrest, President Bush said, "If God had wanted
us to have better weapons of math instruction, He would have given us more
fingers and toes.

"I am gratified that our government has given us a sine that it is intent on
protracting us from these math-dogs who are willing to disintegrate us with
calculus disregard. Murky statisticians love to inflict plane on every sphere
of influence," the President said, adding: "Under the circumferences, we must
differentiate their root, make our point, and draw the line."

President Bush warned, "These weapons of math instruction have the potential
to decimal everything in their math on a scalene never before seen unless we
become exponents of a Higher Power and begin to factor-in random facts of
vertex."

Attorney General Ashcroft said, "As our Great Leader would say, read my
ellipse. Here is one principle he is uncertainty of: though they continue to
multiply, their days are numbered as the hypotenuse tightens around their
necks."

20.5.04

Minicontos do desconforto -- 70

Ela foi para ele como uma Górgona ao contrário: fez com que sua face de pedra se esboroasse e revelasse os sentimentos há tanto tempo enterrados, a tristeza há tanto sublimada quando a perdera. Ele se permitiu ser feliz por um instante -- e ficou tonto, exatamente como a gente fica quando não dá uma tragada num cigarro faz tempo.

14.5.04

Minicontos do desconforto -- 69

Um olhar bastou para ele perceber o fim do casamento. Foi quando ela fitou o mar e o infinito tédio das ondas se atirando contra a areia durante milhões de anos, antes e depois de Deus, antes e depois dos dinossauros, antes e depois de todas as grandes novidades tecnológicas, antes e depois de Grécia, Roma, Império Britânico e outras lidas sangrentas do homem -- o infinito tédio desse movimento repetitivo e desprovido de paixão se refletiu nos seus olhos negros, e seu corpo perfeito murchou, como se parte fosse chupada por outra dimensão por alguns segundos. Só restou a ele dar uma longa tragada no cigarro e procurar na memória o telefone de seu advogado.

13.5.04

Eu realmente estou irritado com essa história do NYT (vide Cadafalso I). Acho que nossos irmãos workaholics do Norte deveriam lembrar a frase do Oscar Wilde que põe as coisas na perspectiva correta, nos dias globalizantes de hoje:

"O trabalho é o vício das classes bebedoras".

9.5.04

Niver de Rebeca hoje. Comemoramos ontem numa festinha discreta. O importante é que ela se divertiu horrores. E eu gostei, faz tempo que não dava uma festinha e papeava em casa com alguns amigos, tomando cerveja enquanto a criançada bagunçava no quintal. Minha casa ainda precisa de bons retoques para que eu dê uma festa de verdade, mas já foi um começo.

* * *

Eu e Jessica assistimos a "Simplesmente amor" no DVD. Rimos à beça. Richard Curtis realmente sabe fazer comédias românticas.

Antes, na quinta, cochilei solenemente em "Matrix Revolutions", que ainda não vira. Devia se chamar "Matrix Revenues"...

30.4.04

Uma boa do Woody Allen:

"I don't want to achieve immortality through my work... I want to achieve it through not dying."

27.4.04

Minicontos do desconforto -- 68

Fim de outono, 1844. Nos arredores de uma fazenda no estado de Nova York, Johnny flana entre as árvores, deprimido. Sua companheira de anos -- uma gentil sem-teto -- desaparecera misteriosamente após uma farra na taverna local. Ele já não sabe viver sem os mimos dela; sente-se só e faminto. Um vento cortante torna sua passagem pelo bosque ainda mais soturna.

Johnny vê uma janela na casa de fazenda, e dirige-se para lá.

Vê um rosto pálido e imóvel recebendo a tênue luz de uma lamparina, perto da janela. Sorri por dentro (sua boca não se move, porém) e dispara até a face, que imagina ser de sua amada, cuja palidez ainda lembra bem.

Johnny toca nos ombros da figura. Percebe que ela está numa espécie de pedestal. Sente-se aquecido e permanece lá, observando um homem sentado a uma mesa no aposento. O homem treme levemente e chora sobre a mesa cheia de papéis. Então vê Johnny e pára. Observa-o atentamente. Súbito, começa uma conversa estranha com seu visitante. Johnny jamais responde.

Mas suas respostas imaginárias serão eternas, e soarão como o pêndulo da noite na mente de todos os amantes abandonados.

Porque Johnny é um corvo.

E o homem transtornado é Edgar Allan Poe.

A pena se move, e no papel surgem as palavras conjuradas em poesia arcana: "Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary..."


16.4.04

Nessa era do email em que a correspondência anda tão atulhada de "spamalas diretas", sobrevivem ainda aquelas mensagens das pessoas de que gostamos profundamente, e que são aguardadas como se aguardava o carteiro antigamente. É tão bom pensar em alguém que você realmente preza e ver uma mensagem desse alguém chegar de repente, no meio de um fechamento corrido ou de um momento estressante...

É quase como o primeiro gole de um chope estupidamente gelado depois de um dia estafante.

Por isso mesmo, este post é um brinde aos bons amigos de todos os tempos. Longa vida, prosperidade e boas notícias, sempre, para todos.

14.4.04

Extraído do blog do Léo Jaime:

"Guerra do tráfico no Rio

Só há tráfico porque há compradores. O dinheiro para as balas que oprimem a sociedade sai do bolso do usuário. A grana que corrompe o estado brasileiro sai do bolso do usuário.
Uma pergunta: não dá pra ficar sem comprar? Nem esses episódios o motivam? Saber que o mundo em que você vive está pior por sua causa, que gente inocente morre todo dia, que criancas são cooptadas pelo crime, que toda a estrutura do país fica comprometida não te deixa com vontade de deixar de comprar por uns seis meses?
É impressionante a falta de civilidade. É impressionante o nivel de alienação. E um horror que nessa guerra a população esteja inclinada a torcer pelos bandidos e contra a polícia."


Há muita hipocrisia na mídia sobre esse assunto. Eu tenho horror a Little Boy e Little Rose, mas é fácil jogar a culpa em cima do governo e das corporaçòes (como todos gostamos de fazer) e não pensar em como a droga está disseminada socialmente e culturalmente hoje em dia.

Nesse ponto o pessoal "muderno" pode me chamar de extremamente careta. Experimentei maconha duas vezes para nunca mais. Fico nas drogas "legais": álcool e cigarro (e não sou viciado em nenhuma delas). E faço absoluta questão de educar minhas filhas para que elas não alimentem o ciclo.

Certamente falta governança e infra-estrutura decente para o trabalho policial. Mas, como no caso dos pitboys, faltam pais responsáveis que tomem a si, a sério, a tarefa de criar um filho.

E falta, sim, o país acreditar que investir em educação é a saída. E não no "spread" mais alto do mundo.

8.4.04

Estou lendo "O livro de Saladino", do paquistanês Tariq Ali. É uma biografia romanceada do grande sultão que tomou Jerusalém dos cruzados no fim do século XII. Não consigo largar, a narrativa é uma delícia.
Acharam o avião do Saint-Exupéry. Falta achar o do Glenn Miller, que sumiu no mesmo ano.

4.4.04

E o que é Allison Lohman no filme "Deixe-me viver", ao lado de Michelle Pfeiffer e Renée Zellwegger?
Ela até que tenta, mas não consegue ficar feia. É a própria beleza (na foto, com Patrick Fugit, de "Quase famosos).
Quem não viu, que veja "Identidade". É imperdível. Vi ontem com Jessica, e curtimos muito a história do misterioso motel de beira de estrada em que começam a ocorrer crimes...

26.3.04

Minicontos do desconforto -- 67

O imperador respirava com dificuldade em seu palácio. Sentia a morte se aproximando e o remorso lhe corroía mais os pulmões do que a tuberculose galopante e sorridente. Tivera uma vida regida por impulsos, entre os quais os da carne não ficavam por último. Pensou na primeira esposa, que tanto fecundara e fizera sofrer. Era o seu castigo, morrer jovem -- tinha apenas 36 anos -- apesar (ou talvez por causa) das missões cumpridas e do desejo de açoitar mais a vida, de dominá-la.

Quando ele chegou ao Portão, São Pedro, que imaginava que o impetuoso soberano iria direto para o inferno, recebeu um SMS do celular do Altíssimo:

-- Esse aí me divertiu muito durante sua curta vida. Mande-o para o departamento grego.

E foi assim que D. Pedro I seguiu para a eternidade ao lado de Zeus e sua corte. E dizem as más línguas das Erínias que o Olimpo nunca mais foi o mesmo.

19.3.04

"If you have built castles in the air, your work need not be lost; that is where they should be. Now put the foundations under them."

Henry David Thoreau

17.3.04

Enquanto se discute Luma de Bombeiroliveira e Zeca Pagodinho, o número 1 que só experimenta, o reality show da vida baixou mesmo no Senado, com um desempregado clamando por comida da beira das galerias. Cena mais Janete Clair, impossível. Pena que foi um só. Deviam ter sido uns cem para acordar esse pessoal de Brasília.

Meu Deus, nunca pensei que ia ter saudade dos tempos inflacionários do Zé Sarney. Ele bem que podia se reeleger e fazer um novo plano Cruzado, só que mais pactuado com a turma do andar de cima, para evitar o desabastecimento. A época entre 85 e 89 foi a única na minha vida em que tive algum dinheiro para viver com alguma despreocupação. Não agüento mais minha vida de classe "mérdea".

11.3.04

Semana corrida, para variar. Viajo a trabalho nos próximos dias. Depois volto com calma e conto tudo.

7.3.04

E a Luma, hein? ;-)
Vale cantarolar o clássico "Firehouse", do Kiss:

"Get the firehouse!
'Cause she sets my soul on fire..."
Outra boa de mestre C@t:

Do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal - Sentença proferida em 1487, no processo contra o Prior de Trancoso - Autos arquivados no armário 5º, maço 7:

"Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de 62 anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de ter dormido com 29 afilhadas e tendo delas 97 filhas e 37 filhos. De cinco irmãs, teve 18 filhas; de nove comadres 38 filhos e 18 filhas; de sete amas teve 29 filhos e cinco filhas; de duas escravas teve 21 filhos e sete filhas; dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve três filhas, da própria mãe teve dois filhos. Total: 299, sendo 214 do sexo feminino e 85 do sexo masculino, tendo concebido em 53 mulheres".

O prior escapou da morte, tendo o rei D. João II lhe poupado a vida.

Segundo C@t, esta é apenas uma das pérolas processuais publicadas às terças e sextas-feiras no site Espaço Vital.

4.3.04

Já está na terceira fase a seqüência de publicação dos Minicontos deste guardião no site literário paralelos. A seqüência, editada por mestre Augusto Sales, vai do miniconto 21 ao 30. Aqui.

29.2.04

Minicontos do desconforto -- 66

Quando o dr. Victor Frankenstein chegou à terra além da morte, os cientistas incompreendidos de todos os tempos vieram lhe prestar solidariedade. O célebre personagem recebeu até os cumprimentos de sua criadora, Mary Shelley, que se penitenciava por haver tornado sua vida tão infeliz. (Não tanto quanto ele conseguira fazer com sua heterogênea criação, o monstro cujo único traço realmente aterrorizante é a solidão.)

Frankenstein sentou-se num canto de nuvem e chorou por boa parte da eternidade, até que um velho monge budista passou por ele e decidiu conceder-lhe mais uma vida, para que ele entendesse que não pecara tanto assim. O monge fez um gesto e zás! não se ouviu mais o ranger de dentes do cientista.

Frankenstein reeencarnou como cirurgião plástico no Rio de Janeiro, a poucos meses do carnaval carioca.

19.2.04

Momo me propiciou alguns carnavais deliciosos. Sempre em bailes no interior. Mas nunca liguei para festa com data marcada. E, como vocês sabem, meu negócio é rock and roll.
Acho que este ano não vou escapar daquela sensação de estranheza que vemos em alguns filmes: minha turma de faculdade faz vinte anos de fim de curso (na verdade, a formatura foi em março de 85, mas o curso acabou em dezembro). Parece que vai haver festa.
Retiro etílico-espiritual à vista no carnaval.
Perto do mar.

13.2.04

Minicontos do desconforto -- 65

-- O que foi isso? -- perguntou a enfermeira, ao ver o profundo corte na cabeça dele.
-- Eu só disse a ela que queria um pouco mais de romance...
-- Só isso?
-- ...aí ela me golpeou com "Razão e sensibilidade."

10.2.04

Minicontos do desconforto -- 64

Ruminava sobre qual seria sua missão na Terra quando a barata voadora entrou pela janela e entrou na camisola da irmã, que ficou em pânico. Logo o inseto saiu e inadvertidamente parou sob a sola de seu tênis. Adeus, gritou a pequena pulga na cabeça do gato para a barata, que não ouviu.

São Pedro olhou o Livro e viu que a missão dele era salvar a irmã de quebrar o pescoço ao cair do sofá assim que a barata saísse da camisola; e ele a aparara com seus braços fortes ao mesmo tempo que pisava no inseto.

Pelo Livro, ele deveria vir ter com o Porteiro. Mas o santo tinha tomado o vinho deixado por um velhinho mafioso que tentara suborná-lo e resolveu deixar o rapaz viver.

O resultado foi uma vida governada pela angústia.

6.2.04

Alguém aí viu "Cold Mountain"? O que acharam? Vale a pena ver?

2.2.04

It has been said that man is a rational animal. All my life I have been searching for evidence which could support this.

(Bertrand Russell)

31.1.04

Embora nos EUA os dois partidos sejam no fim das contas iguaizinhos, eu confesso que estou torcendo para que o candidato democrata, seja ele qual for, passe por cima de Bush e cia. como um rolo compressor nas eleições. Tem que ser uma vitória humilhante, para vingar a eleição roubada de Al Gore em 2000.
É uma vergonha esse final do inquérito inglês que inocentou o governo e encheu de porrada a BBC. É triste a Inglaterra de Thatcher, Major e Blair, indigna de sua História fascinante.

29.1.04

Muito provavelmente "O senhor dos anéis" ganhará o Oscar, embora a trilogia não consiga emocionar nem interessar como o livro. Além do mais, embora eu tenha gostado de ler a saga de Frodo e companhia, considero-a um grande feito de imaginação e uma história muito bem narrada. E só. Não a considero um livro-chave de minha vida, nem tenho qualquer pretensão a falar elfo ou qualquer outra língua fictícia derivada do universo tolkieniano. No máximo, algum dia, jogar um rpg ou outro.

O melhor deste Oscar está nos atores, pelos filmes que já vi -- "Lost in translation" ("Encontros e desencontros", o título nacional, não tem nada a ver) e "Sobre meninos e lobos" (pretendo ver ainda "Mestre dos mares", pelo menos). Bill Murray dá um show no primeiro e Tim Robbins, no segundo.

"Lost in translation" é um filme sobre a solidão, o estranhamento e ennui. De cara dá para entender porque boa parte da crítica "muderna" gostou: a personagem de Scarlett Johansson (belíssima) é jovem e um tantinho arrogante, embora sua vida mal tenha começado; o de Murray é velho e completamente entedidado, perdido numa Tóquio que poderia bem ser Marte, dado o modo como ele se sente. As vidas de ambos estão empacadas e acho que nenhum dos dois acredita que haja real esperança para eles. A única personagem feliz da fita é uma atriz loura-burra. E a diretora Sofia Coppola destila uma tristeza em suas imagens que me lembrou em alguns momentos "Despedida em Las Vegas". Só que este último é o filme mais amargo que já vi, e "Lost in translation" tem senso de humor. Mas, no fim das contas, a gente sai down do cinema.

"Sobre meninos e lobos" é mais sombrio e mostra que não há redenção possível para certas coisas além da própria morte. E o filme é de Robbins, o próprio farrapo humano, arrasado por uma sociedade doente e proferindo algumas frrases cruciais. Ele está no limbo, ao contrário de seus dois antigos amigos (Sean Penn e Kevin Bacon), que escolheram lados opostos dirigidos pela culpa avassaladora que sentem pelo que aconteceu ao personagem de Robbins na infância.

27.1.04

Zelza, velho parceiro musical, está gravando algumas de minhas velhas músicas para mais um CD independente. Ouvi recentemente algumas das faixas, e adorei os arranjos. Além disso, foi um tanto curioso ouvir algumas das letras que escrevi muito jovem, no começo dos anos 80, passeando por vários estilos, das baladas aos rocks. É claro que curti mais os arranjos para estes últimos, com destaque para a guitarra afiada de Tony Corrêa, o guitarrista mais britânico de Nikiti City. Não há músico capaz de performance mais tranqüila, mesmo quando executa o mais intrincado solo. Entretanto, nas baladas e faixas com tom mais pop, Gugu, nosso antigo flautista, arrasa em tudo: clarinete, saxofone, o escambau. O homem é o hoje o músico mais bem-sucedido da formação inicial do Estrada Fróes. Um profissional que não precisa ensaiar nada. Aliás, em 1980 já não precisava. Tinha um ouvido infernal.

23.1.04

Estou curtindo muito o programa "Campos de batalha", do Discovery, em que eles analisam o que ocorreu em confrontos célebres. Perdi o programa sobre Guilherme, o Conquistador, mas vi os de Waterloo e Balaclava, que demoliram mitos que a História consagrou. Ficamos sabendo, por exemplo, que na madrugada de 18 de junho de 1815 choveu às pampas em Waterloo, o que provavelmente levou Napoleão a atrasar de forma considerável o ataque de seu exército aos ingleses, permitindo a Wellington se posicionar melhor. E, no caso de Balaclava, em 1854, a famosa carga da Brigada de Cavalaria Ligeira, celebrada nos versos de Tennyson, foi erroneamente direcionada pela incapacidade de um oficial de ver o alvo do ataque, resultando daí o massacre de cerca de 150 homens (e não os "nobres 600", como reza a lenda). A História, contada pelos ocidentais, deixou de lado igualmente a brava resistência da vanguarda do exército turco contra os russos.

19.1.04

Para quem curte filmes de terror, uma boa dica: "Submersos" ("Below"). O mote do filme é "U-571 encontra Poltergeist". Em 1943, um submarino americano recolhe sobreviventes de um navio-hospital britânico torpedeado por um U-boat alemão. A partir daí, coisas estranhas começam a acontecer no ambiente claustrofóbico e sufocante do submarino... Já disponível em vídeo.

16.1.04

Sobre o inimigo:

"Observe bem seus inimigos, pois eles são os primeiros a descobrir seus defeitos."
(Antístenes)

"Nunca se explique -- seus amigos não precisam disso e seus inimigos não vão acreditar mesmo em você."
(Elbert Hubbard)

"Nunca interrompa seu inimigo enquanto ele estiver cometendo um erro."
(Napoleão)

"Às vezes permanecemos fiéis a uma causa porque seus oponentes não conseguem deixar de ser insípidos."
(Nietzsche)

"É mais fácil perdoar um inimigo do que perdoar um amigo."
(William Blake)

14.1.04

Meus "Minicontos do Desconforto" já começaram a ser publicados no site Paralelos! Eles estão aqui, e também há aqui uma introdução sobre as séries do site por mestre Augusto Sales.

Os contos estão saindo em séries de dez, que serão publicadas em seis semanas. Grande Augusto, quero agradecer a gentileza.

Minicontos do desconforto -- 63

Ela era alta, linda e o envolvia com seus braços lisos, impecáveis. E o beijava na nuca. Ele estremecia e acordava. Outro sonho. Há quanto tempo não era seduzido assim, docemente, por alguém? Há quantos meses se olhava no espelho e percebia na velhice iminente a única companheira?

Sentiu falta dos jogos de seus vinte anos. Da morena com olhos de raposa. Dos cabelos intermináveis de S. Do corpo irreprochável da jovem de Copa.

Quis dormir mais, para ver se reencontrava a belezura do sonho. Resolveu tomar um sedativo.

E lá estava ela de novo. Veio o conhecido abraço, o perfume familiar. Mas desta vez ela o virou para si.

-- Feche os olhos. Vamos viajar.

Ele fechou os olhos também no sonho.

E o beijo da Morte nunca foi tão doce, tão intenso, tão arrebatador.

Quando o encontraram, a amiga de infância foi a única que reconheceu seu sorriso. E compreendeu que ele morrera de enlevo.

13.1.04

Sobre esse debate quanto ao fichamento de brasileiros e americanos nos aeroportos: um leitor do Globo sugeriu hoje que, se é para os EUA registrarem os viajantes tupiniquins, que o façam logo em solo brasileiro, que assim a gente viaja sem aquela angústia antecipada do encontro com os funcionários da Imigração, que são um primor de falta de educação. Ou fica sabendo logo que não deve viajar, e assim não se aporrinha.

Dá até para imaginar o encontro dos amigos no botequim depois:

-- Ué, você não ia para Nova York hoje?

-- Ia, mas o escritório de fichamento examinou meus documentos, disse que eles não bastavam, e me mandou tirar um visto de "centos" dólares. Então f#%!@&*, vou ficar bem aqui. Resolvo tudo por teleconferência. E ainda posso tomar uns gorós pagando em real. Ô Bento, traz aí uma caipirinha...

9.1.04

Tem um momento no DVD "Rocking the Globe" em que Sheryl Crow, enquanto ajeita o suporte da gaita no pescoço, dispara para o público:

-- Anyone here got a broken heart?

E depois de uma pausa:

-- I hear it sucks...

E emenda "It don't hurt", com uma letra que é uma porrada...

It don't hurt like it did
I can sing my song again
It don't hurt like it did
I can sing my song again

I scraped the paper off the wall
I put down carpet in the hall
I left no trace of you at all
And I can sing my song again

I dont dream cuz I dont sleep
The moon is hanging like your hat
The sun comes up well I dont see
Curtains tied up like a bat

The electric man looks good today
Maybe not -- well I'm trying hard
Trying hard to feel that way
The electric man's a good place to start

Took your paintings off the wall
That one of me that you called doll
I added on cuz the house was feeling small
Now I can sing my song again

I don't think of you no more
Except for everyday or two
I don't think of you no more
Except for in between the sun and moon

Packed up and moved out after all
Bulldozed the house and watched it fall
That blessed sight I still recall
I can sing my song again
I can sing my song again

It don't hurt like it did
it hurts worse
Who do I kid

7.1.04

Quem me ligou há pouco foi mestre Augusto Sales, com uma excelente notícia: a série Minicontos do Desconforto, que escrevo neste canto, será publicada no site bacana Paralelos.org, que reúne um time de bambas da pesada na arte de juntar letrinhas. Assim que tiver o endereço, vocês saberão.

6.1.04

Como é bom começar o ano com "The importance of being earnest" em cartaz no Rio. Nada como Wilde para esquecer nossas resoluções de réveillon ;-) Não posso perder de jeito nenhum.

4.1.04

Minicontos do desconforto -- 62

Todos à sua volta estavam histéricos, emocionalmente doentes; e ninguém percebia. É exatamente isso o que deve ter sido a torre de Babel, pensou: gente se afirmando para os outros o tempo inteiro, numa algaravia incompreensível, porque todos só falavam, no fundo, para si e ninguém parava para apreender as necessidades do outro.

O que era mais incrível é que, tomadas individualmente, as pessoas pareciam perfeitamente normais. Mas o juízo fugia espavorido todas as vezes que se juntavam numa sala.

Foi quando Robert Wilde percebeu que não era mais um membro daquela família, no seio da qual viera parar aqui. E partiu para o mundo, ao qual pertencera desde sempre (agora entendia a extrema solidão e o desligamento automático do pensamento que o caracterizavam).