14.1.04

Minicontos do desconforto -- 63

Ela era alta, linda e o envolvia com seus braços lisos, impecáveis. E o beijava na nuca. Ele estremecia e acordava. Outro sonho. Há quanto tempo não era seduzido assim, docemente, por alguém? Há quantos meses se olhava no espelho e percebia na velhice iminente a única companheira?

Sentiu falta dos jogos de seus vinte anos. Da morena com olhos de raposa. Dos cabelos intermináveis de S. Do corpo irreprochável da jovem de Copa.

Quis dormir mais, para ver se reencontrava a belezura do sonho. Resolveu tomar um sedativo.

E lá estava ela de novo. Veio o conhecido abraço, o perfume familiar. Mas desta vez ela o virou para si.

-- Feche os olhos. Vamos viajar.

Ele fechou os olhos também no sonho.

E o beijo da Morte nunca foi tão doce, tão intenso, tão arrebatador.

Quando o encontraram, a amiga de infância foi a única que reconheceu seu sorriso. E compreendeu que ele morrera de enlevo.

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