28.12.04

Minicontos do desconforto -- 75
(para Carolina)

Viu a neta sofrendo. Dias sem comer. Luzes apagadas e Carpenters na vitrola. Decidiu escrever-lhe uma pequena carta e enfiou-a sob a porta.

"Não tenha vergonha de carpir a morte do seu amor", foi o que leu a neta, com os olhos remelentos de lágrimas. "Quando eu tinha a sua idade, já lera muitos tratados de filosofia e decidi que amar não era uma opção. Principalmente para a mulher, que acaba sempre subjugada por esse sentimento que, então, eu achava maldito. Até que conheci Juan numa festa, que me abordou com as costumeiras palavras elegantes dos malandros. Mal esperava ele receber um jato de argumentos cínicos da boca de tão bela donzela. Titubeou, mas não esmoreceu. Até que, cansada de ficar sentada ouvindo as conversas frívolas de minha primas, resolvi dançar, lá pela meia-noite. E, naquela dança, alguma coisa aconteceu que eu não soube precisar. Mas me deixou cismando por dias.

Perguntei por Juan a uma amiga; ela me disse que ele trabalhava no jornal do Lacerda. Decidida, fui à redação e, vendo-o ali, escrevendo em meio àquele burburinho irresistível dos repórteres no fim de tarde. Estava tão sério e compenetrado -- parecia um jovem filósofo do cotidiano. E tão jovem! Ali, minha mente virou de cabeça para baixo, eu esqueci todo o meu discurso e beijei-o depois de um café despretensioso.

Seguiu-se uma paixão tórrida, que exauriu todas as minhas forças. Logo eu, que me considerava a mais preparada adversária do sentimento, capitulei com uma vontade que não havia percebido em mim.

Até que um dia vi Juan na Colombo com uma vedete. Então foi minha vez de me trancar no quarto e afogar de lágrimas o Zaratustra de Nietszche, querendo que minha vontade férrea fosse a mesma do super-homem.

Mas foi na dor que descobri, afinal, que era humana, e que o amor incendiário é finito, como nossos anos, contados do minuto em que nascemos. E, como escreveu Wilde, da dor que dura para sempre consegui extrair o prazer que dura um instante -- o suficiente para rir de minha arrogância e amar de novo, e ser mais sábia, e compreender a fluidez da paixão.

Fui lá, tirei Juan da vedete e namoramos até cansar. Eu me diverti horrores e acho até que o escandalizei um pouco. No fim, cansei e deixei-o (foi quando ele escreveu suas melhores crônicas).

Nessa época, comecei a arrastar a asa para seu avô, que Deus o tenha. Mas só nos casamos depois que eu namorei vários outros.

Portanto, acredite. Vai passar. E você também vai rir depois."

A neta foi tomar café no dia seguinte. E comeu tudinho.

Havia um novo brilho em seus olhos negros.

Nenhum comentário: