6.5.02

Minicontos do desconforto -- 17

Ficou olhando para o revólver em cima da cama. O palácio estava silencioso.

Entendeu que, cedo ou tarde, os militares tomariam o poder. Só podia adiar o inevitável. Que fosse tarde, ora diabos.

Mas estava com medo. Merda, pensou, por que fui nascer numa época em que só existem presidentes? Se fosse imperador, teria um escravo que não hesitaria em ajudá-lo a se matar. Aí lembrou-se de Nero. "Covardão, precisou que alguém lhe empurrasse o punhal garganta adentro..."

Não, sua decisão seria solitária.

Deu a última tragada no charuto. Ia sentir falta disso. Pegou a arma, apontou-a para o peito, como o amigo lhe ensinara.

Então teve uma visão. Afrodite surgiu diante de si, em todo o seu esplendor. Instou com ele que poupasse a própria vida, mostrou-lhe imagens de um futuro brilhante à frente, após aquela crise de pouca monta se comparada com as que viriam no fim do século.

Ele titubeou. Pensou alguns instantes. Foi o suficiente para se lembrar do pouco de mitologia que aprendera. Afrodite, aquela beldade à sua frente, havia sido amante de Ares. O deus da guerra. Um milico safado!

Olhou para a deusa e viu que seus lábios, perfeitos, tremiam. Os olhos se moviam rapidamente. Ela suspirou e ele viu uma nova deidade se formando perto da escrivaninha. Usava um elmo e portava uma lança.

Atirou no próprio peito, não sem antes sorrir. Morreu gargalhando ante a inépcia olímpica.

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