Eu adorava o Mário Lago. Nunca o conheci, mas vou sentir falta dele. Seu Atílio, em "O Casarão", de 1976, merecia um Oscar. Mas de longe a melhor história em que ele atuou foi sua própria vida, uma vida multifacetada de artista e cidadão engajado.
Tomara que a eternidade exista mesmo e que, para ele, seja uma mesa de bar com roda de samba, com seus parceiros favoritos. E que haja alguns interlúdios para que o ator represente de vez em quando um grande texto. Dramaturgos por lá não faltarão, com certeza.
Ave, Mário. Não fique triste aí em cima. Acho que Deus lhe fez um favor poupando-o de assistir à Copa, cá entre nós ;-)
31.5.02
30.5.02
De Gonçalves Dias:
"Desejo
Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;
Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!"
("Primeiros Cantos", julho de 1846)
"Desejo
Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;
Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!"
("Primeiros Cantos", julho de 1846)
27.5.02
Pessoal, voltei! Para celebrar o retorno, aí vai mais um miniconto!
Minicontos do desconforto -- 19
Na entrada da roda-gigante, a moça perguntou: cabine balouçante ou não? Ele escolheu a primeira opção, parecia mais emocionante. Quando a trajetória da roda chegava perto do ápice, a cabine deslizava por barras de ferro estrategicamente dispostas dentro da estrutura, balançando às vezes suavemente, às vezes com violência.
Olhando a paisagem iluminada de cima, exposto ao vento primaveril e ao sol moribundo, recordou sua infância, em que costumava balançar-se sozinho na cama, cantarolando para pegar no sono. Eram momentos em que perdia contato com o mundo externo e se encontrava de bom grado com sua alma, embora não pudesse enxergá-la nem entender seu sorriso complacente.
Aconteceu a mesma coisa ali: não mais que de repente as luzes do parque sumiram e foram substituídas pelo reflexo da lua minguante no lago artificial, acompanhada de uma bela entourage de estrelas que piscavam para ele, desinibidas. Deixou-se levar e a paisagem mudou de novo. Sua alma, bem mais velha do que ele, surgiu num galeão voador e estendeu-lhe a mão. Como recusar o pedido da capitã que o comandara nas piores borrascas da existência?
Tomou-lhe a mão.
-- Não havia um homem nesta cabine? -- perguntou a moça à colega quando a roda parou.
Àquela altura ele já estava no aclive inicial de uma nova montanha-russa, num parque diferente, num mundo diferente. E sua alma era jovem de novo.
Minicontos do desconforto -- 19
Na entrada da roda-gigante, a moça perguntou: cabine balouçante ou não? Ele escolheu a primeira opção, parecia mais emocionante. Quando a trajetória da roda chegava perto do ápice, a cabine deslizava por barras de ferro estrategicamente dispostas dentro da estrutura, balançando às vezes suavemente, às vezes com violência.
Olhando a paisagem iluminada de cima, exposto ao vento primaveril e ao sol moribundo, recordou sua infância, em que costumava balançar-se sozinho na cama, cantarolando para pegar no sono. Eram momentos em que perdia contato com o mundo externo e se encontrava de bom grado com sua alma, embora não pudesse enxergá-la nem entender seu sorriso complacente.
Aconteceu a mesma coisa ali: não mais que de repente as luzes do parque sumiram e foram substituídas pelo reflexo da lua minguante no lago artificial, acompanhada de uma bela entourage de estrelas que piscavam para ele, desinibidas. Deixou-se levar e a paisagem mudou de novo. Sua alma, bem mais velha do que ele, surgiu num galeão voador e estendeu-lhe a mão. Como recusar o pedido da capitã que o comandara nas piores borrascas da existência?
Tomou-lhe a mão.
-- Não havia um homem nesta cabine? -- perguntou a moça à colega quando a roda parou.
Àquela altura ele já estava no aclive inicial de uma nova montanha-russa, num parque diferente, num mundo diferente. E sua alma era jovem de novo.
20.5.02
Aos amigos leitores deste blog:
Nos proximos dias nao poderei atualizar os blogs, pois estou viajando a trabalho. Participo da Borland Conference 2002 em Anaheim, California (nao por acaso estou sem acentos -- na volta conserto este post, ok? ;-)), o paraiso dos programadores de todo o mundo. O keynote principal foi ontem de noite, com o GG (grande guru) David I dando uma de James Bond na entrada e o CEO Dale Fuller distribuindo camisetas com um canhao de ar comprimido para a plateia... Muito divertido. Aqui se fala do futuro das linguagens, sistemas e plataformas, num movimento que pode mudar a cara da web (e talvez da computacao).
Na volta conto mais. Perdoem-me a ausencia. Dia 27 estarei de volta ao bloguniverse. Se der tempo, dou mais uma blogada no meio da semana, entre os montes de conferencias....
Nos proximos dias nao poderei atualizar os blogs, pois estou viajando a trabalho. Participo da Borland Conference 2002 em Anaheim, California (nao por acaso estou sem acentos -- na volta conserto este post, ok? ;-)), o paraiso dos programadores de todo o mundo. O keynote principal foi ontem de noite, com o GG (grande guru) David I dando uma de James Bond na entrada e o CEO Dale Fuller distribuindo camisetas com um canhao de ar comprimido para a plateia... Muito divertido. Aqui se fala do futuro das linguagens, sistemas e plataformas, num movimento que pode mudar a cara da web (e talvez da computacao).
Na volta conto mais. Perdoem-me a ausencia. Dia 27 estarei de volta ao bloguniverse. Se der tempo, dou mais uma blogada no meio da semana, entre os montes de conferencias....
16.5.02
15.5.02
Aniversário de meu pai hoje. 77 anos de praia e um pouco menos de boemia, devido à pressão alta ;-) Parabéns!
Meu velho é uma figura folclórica entre meus amigos, devido às suas histórias divertidíssimas de quando foi médico da Aeronáutica e viajou pelos confins do país, e às bagunças na night carioca nos anos 40 e 50. Meio sisudo no dia-a-dia, nas festas encanta a todos com suas narrativas. Eu o homenageei num dos meus escritos, que talvez pare algum dia aqui no blog, pintando-o como um médico gozador numa passagem em que um dos personagens sobre um acidente. É um legítimo carioca da gema, que costumava gozar até os guardas do hospital em que trabalhou mais tarde. A cada dia dava um nome ao chegar de carro. Digamos que seu nome fosse Alberto Freitas Mello. Na segunda feira, era "dr. Alberto", na terça "dr. Freitas" e na quarta "dr. Mello". Nunca foi barrado ;-)
Meu velho é uma figura folclórica entre meus amigos, devido às suas histórias divertidíssimas de quando foi médico da Aeronáutica e viajou pelos confins do país, e às bagunças na night carioca nos anos 40 e 50. Meio sisudo no dia-a-dia, nas festas encanta a todos com suas narrativas. Eu o homenageei num dos meus escritos, que talvez pare algum dia aqui no blog, pintando-o como um médico gozador numa passagem em que um dos personagens sobre um acidente. É um legítimo carioca da gema, que costumava gozar até os guardas do hospital em que trabalhou mais tarde. A cada dia dava um nome ao chegar de carro. Digamos que seu nome fosse Alberto Freitas Mello. Na segunda feira, era "dr. Alberto", na terça "dr. Freitas" e na quarta "dr. Mello". Nunca foi barrado ;-)
14.5.02
Recentemente tive o grande prazer de conhecer a Suely Mesquita, blogmaster do Sexo Puro, cantora, colunista da revista online Edadrebil e figura interessantíssima. Trocamos figurinhas no aniversário de um amigo comum, e desde então temos nos falado por email. Desde que este blog foi para o ar, meu círculo de amizades vem aumentando, e como conhecer pessoas novas é uma das coisas que mais gosto de fazer, não podia estar mais animado. Yes!
13.5.02
Sente-se, escreva e relaxe
Blogar, falar sobre seu(s) livro(s) favorito(s) e ler os posts de outros sobre o tema. Que delícia de projeto. Estou falando de A Cadeira. Já participei e devo repetir a dose. Vale muito a visita.
Blogar, falar sobre seu(s) livro(s) favorito(s) e ler os posts de outros sobre o tema. Que delícia de projeto. Estou falando de A Cadeira. Já participei e devo repetir a dose. Vale muito a visita.
12.5.02
Já que estou postando a blognovela em meu outro blog, vou despejar um pouco de poesia aqui. Misturar os sabores, que tal?
Poema simples, para me quereres
Desejo preencher teu vazio
com ardor e risos infantis;
Ser o companheiro por que tanto anseias,
mas que não mencionas
movida pelo pavor da perda.
Eis meus braços: aninha-te e repousa.
Eis meus olhos: contempla-os e acredita.
Eis meu espírito: toma-o e dá de beber ao teu.
Oh, não me queres, amada, adorada amiga?
Não vês que são espelhos nossas almas?
Não percebes
que és a soma dos meus sonhos?
Por favor não chores; vem, dança comigo.
Levanta teu rosto e descobre-me agora,
antes que o Instante saia à francesa.
Poema simples, para me quereres
Desejo preencher teu vazio
com ardor e risos infantis;
Ser o companheiro por que tanto anseias,
mas que não mencionas
movida pelo pavor da perda.
Eis meus braços: aninha-te e repousa.
Eis meus olhos: contempla-os e acredita.
Eis meu espírito: toma-o e dá de beber ao teu.
Oh, não me queres, amada, adorada amiga?
Não vês que são espelhos nossas almas?
Não percebes
que és a soma dos meus sonhos?
Por favor não chores; vem, dança comigo.
Levanta teu rosto e descobre-me agora,
antes que o Instante saia à francesa.
Eu acredito no coração. Podem me dizer à vontade que os desejos e anseios se concentram no cérebro, no sexo, mas não adianta. É o coração que se confrange; é ele que dispara; que quase me cai dentro do estômago diante de uma decepção violenta. A cabeça pode enviar o comando, mas é como um titereiro bêbado ou incompetente, só isso.
A verdadeira ceifadora é bela
No meio da algazarra, ele nada via a não ser os olhos verdes da criatura que lhe amarrava docemente as fitas no pulso. Ela o abraçou e beijou, e ele ficou ali, olhando, incrédulo.
Acabara de ser cumprimentado pela Essência da Vida e não sabia.
Só entendeu depois, quando provou da beberagem com que ela o presenteara, e ficou como algumas figuras que abusam do chá de cogumelos e não voltam mais.
Não mais conseguiu trabalhar. Em casa, não ouvia mais as conversas da família nas noites de quarta. Saía cedo de casa, mas era para contemplar o sol. Um dia desapareceu.
Dizem, nas cercanias do Farol em Salvador, que ele é o cego que dedilha uma viola de dez cordas à beira-mar nas madrugadas.
No meio da algazarra, ele nada via a não ser os olhos verdes da criatura que lhe amarrava docemente as fitas no pulso. Ela o abraçou e beijou, e ele ficou ali, olhando, incrédulo.
Acabara de ser cumprimentado pela Essência da Vida e não sabia.
Só entendeu depois, quando provou da beberagem com que ela o presenteara, e ficou como algumas figuras que abusam do chá de cogumelos e não voltam mais.
Não mais conseguiu trabalhar. Em casa, não ouvia mais as conversas da família nas noites de quarta. Saía cedo de casa, mas era para contemplar o sol. Um dia desapareceu.
Dizem, nas cercanias do Farol em Salvador, que ele é o cego que dedilha uma viola de dez cordas à beira-mar nas madrugadas.
11.5.02
Sobre nostalgia e saudade (para você sabe quem)
Nostalgia: segundo o Aurélio, do grego nost (regresso) + algia (dor, sofrimento): na primeira acepção, "melancolia produzida no exilado pelas saudades da pátria". Também é sinônimo de saudade. Esta por sua, vez, é a "lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las".
A nostalgia, então, é tristeza; a saudade é tristeza suave temperada pelo desejo.
Sim, eu tenho nostalgia de nossa pátria mútua, o bar: e de determinados momentos que não serão repetidos, a não ser em nossas mentes.
Mas prefiro ter saudade de você, porque posso despir-me de tal saudade realizando o desejo de vê-la de novo. E então o ciclo recomeça.
Obrigado por sua alegria e por todas as coisas deliciosas que disse naquela noite, incluídas as bobagens.
Foi uma pândega maravilhosa.
Nostalgia: segundo o Aurélio, do grego nost (regresso) + algia (dor, sofrimento): na primeira acepção, "melancolia produzida no exilado pelas saudades da pátria". Também é sinônimo de saudade. Esta por sua, vez, é a "lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las".
A nostalgia, então, é tristeza; a saudade é tristeza suave temperada pelo desejo.
Sim, eu tenho nostalgia de nossa pátria mútua, o bar: e de determinados momentos que não serão repetidos, a não ser em nossas mentes.
Mas prefiro ter saudade de você, porque posso despir-me de tal saudade realizando o desejo de vê-la de novo. E então o ciclo recomeça.
Obrigado por sua alegria e por todas as coisas deliciosas que disse naquela noite, incluídas as bobagens.
Foi uma pândega maravilhosa.
10.5.02
Noite de estréia
Caríssimos leitores, acabei de postar em meu outro blog, o Comentários e Versos do Cadafalso, o prólogo de minha primeira blognovela, "O Destino, o Livre-Arbítrio e o Desejo". Publicarei por lá um capítulo todos os dias (são 31) e convido-os a me acompanhar nessa viagem.
Mas este Cadafalso II continuará a todo vapor, como sempre, com minicontos, citações, momentos rock e outros blogfeatures mais. Também aqui continuarei a publicar o romance "Somente os amantes", à medida que o digito (por isso ele está indo mais devagarzinho. Mas chega lá ;-)).
Então, espero vocês e suas opiniões ao longo da blogjornada, ok?
Caríssimos leitores, acabei de postar em meu outro blog, o Comentários e Versos do Cadafalso, o prólogo de minha primeira blognovela, "O Destino, o Livre-Arbítrio e o Desejo". Publicarei por lá um capítulo todos os dias (são 31) e convido-os a me acompanhar nessa viagem.
Mas este Cadafalso II continuará a todo vapor, como sempre, com minicontos, citações, momentos rock e outros blogfeatures mais. Também aqui continuarei a publicar o romance "Somente os amantes", à medida que o digito (por isso ele está indo mais devagarzinho. Mas chega lá ;-)).
Então, espero vocês e suas opiniões ao longo da blogjornada, ok?
Minicontos do desconforto -- 18
Jurou que era a última vez que ouvia aquele disco. A capa já estava até meio comida pelas traças, o vinil com alguns tec-tecs que ele conhecia de cor no meio das músicas. Deitou a agulha sobre a bolacha e jogou-se no sofá. O show começou, pegou embalo e logo ele batucava e cantarolava junto com a banda. Abriu a garrafa de conhaque e bebeu pelo gargalo. Chovia.
Quando pôs para tocar o último lado do segundo Lp, quase chorou. Não ia mais ouvir as piadas do cantor entre as músicas, nem aquele solo improvisado do guitarrista com uma canção de ninar no meio. Mas era preciso. O disco ia acabar furando.
Chegou o momento. "If you wanna a little bit of rocknroll, shout it out loud", gritou o vocalista. Era a senha para o encore final. A música rolou uma vez mais. Fim. O volume dos aplausos foi diminuindo. E... de repente aumentou de novo! Houve um segundo bis. E um terceiro. Nada disso estava no disco. Até agora.
Ele se sentou no sofá, olhou para a vitrola. Que porra era aquela? A agulha flutuava acima do vinil. A banda parecia estar ali, a turba ensandecida vociferando à sua volta. Deve ser o conhaque, pensou. De repente, do nada eles estavam ali. Um show na sala do conjugado.
Ele se juntou à banda até o décimo-quinto bis, quando por fim diluiu-se no ar e foi sugado pelo disco negro e reluzente. E viveu ali, na ponta da agulha, o resto de seus dias, no meio daquela multidão, assistindo àquele show até o dia em que seu filho, transido de saudade, quebrou a bolacha sem jamais saber que estava mandando seu pai para o limbo.
Jurou que era a última vez que ouvia aquele disco. A capa já estava até meio comida pelas traças, o vinil com alguns tec-tecs que ele conhecia de cor no meio das músicas. Deitou a agulha sobre a bolacha e jogou-se no sofá. O show começou, pegou embalo e logo ele batucava e cantarolava junto com a banda. Abriu a garrafa de conhaque e bebeu pelo gargalo. Chovia.
Quando pôs para tocar o último lado do segundo Lp, quase chorou. Não ia mais ouvir as piadas do cantor entre as músicas, nem aquele solo improvisado do guitarrista com uma canção de ninar no meio. Mas era preciso. O disco ia acabar furando.
Chegou o momento. "If you wanna a little bit of rocknroll, shout it out loud", gritou o vocalista. Era a senha para o encore final. A música rolou uma vez mais. Fim. O volume dos aplausos foi diminuindo. E... de repente aumentou de novo! Houve um segundo bis. E um terceiro. Nada disso estava no disco. Até agora.
Ele se sentou no sofá, olhou para a vitrola. Que porra era aquela? A agulha flutuava acima do vinil. A banda parecia estar ali, a turba ensandecida vociferando à sua volta. Deve ser o conhaque, pensou. De repente, do nada eles estavam ali. Um show na sala do conjugado.
Ele se juntou à banda até o décimo-quinto bis, quando por fim diluiu-se no ar e foi sugado pelo disco negro e reluzente. E viveu ali, na ponta da agulha, o resto de seus dias, no meio daquela multidão, assistindo àquele show até o dia em que seu filho, transido de saudade, quebrou a bolacha sem jamais saber que estava mandando seu pai para o limbo.
9.5.02
Uma tarde com Lord Henry Wotton, em "O retrato de Dorian Gray", de Wilde:
"He played with the idea and grew wilful; tossed it into the air and transformed it; let it escape and recaptured it; made it iridescent with fancy and winged it with paradox. The praise of folly, as he went on, soared into a philosophy, and philosophy herself became young, and catching the mad music of pleasure, wearing, one might fancy, her wine-stained robe and wreath of ivy, danced like a Bacchante over the hills of life, and mocked the slow Silenus for being sober. Facts fled before her like frightened forest things. Her white feet trod the huge press at which wise Omar sits, till the seething grape-juice rose round her bare limbs in waves of purple bubbles, or crawled in red foam over the vat's black, dripping, sloping sides. It was an extraordinary improvisation. He felt that the eyes of Dorian Gray were fixed on him, and the consciousness that amongst his audience there was one whose temperament he wished to fascinate seemed to give his wit keenness and to lend colour to his imagination. He was brilliant, fantastic, irresponsible. He charmed his listeners out of themselves, and they followed his pipe, laughing."
"He played with the idea and grew wilful; tossed it into the air and transformed it; let it escape and recaptured it; made it iridescent with fancy and winged it with paradox. The praise of folly, as he went on, soared into a philosophy, and philosophy herself became young, and catching the mad music of pleasure, wearing, one might fancy, her wine-stained robe and wreath of ivy, danced like a Bacchante over the hills of life, and mocked the slow Silenus for being sober. Facts fled before her like frightened forest things. Her white feet trod the huge press at which wise Omar sits, till the seething grape-juice rose round her bare limbs in waves of purple bubbles, or crawled in red foam over the vat's black, dripping, sloping sides. It was an extraordinary improvisation. He felt that the eyes of Dorian Gray were fixed on him, and the consciousness that amongst his audience there was one whose temperament he wished to fascinate seemed to give his wit keenness and to lend colour to his imagination. He was brilliant, fantastic, irresponsible. He charmed his listeners out of themselves, and they followed his pipe, laughing."
6.5.02
Minicontos do desconforto -- 17
Ficou olhando para o revólver em cima da cama. O palácio estava silencioso.
Entendeu que, cedo ou tarde, os militares tomariam o poder. Só podia adiar o inevitável. Que fosse tarde, ora diabos.
Mas estava com medo. Merda, pensou, por que fui nascer numa época em que só existem presidentes? Se fosse imperador, teria um escravo que não hesitaria em ajudá-lo a se matar. Aí lembrou-se de Nero. "Covardão, precisou que alguém lhe empurrasse o punhal garganta adentro..."
Não, sua decisão seria solitária.
Deu a última tragada no charuto. Ia sentir falta disso. Pegou a arma, apontou-a para o peito, como o amigo lhe ensinara.
Então teve uma visão. Afrodite surgiu diante de si, em todo o seu esplendor. Instou com ele que poupasse a própria vida, mostrou-lhe imagens de um futuro brilhante à frente, após aquela crise de pouca monta se comparada com as que viriam no fim do século.
Ele titubeou. Pensou alguns instantes. Foi o suficiente para se lembrar do pouco de mitologia que aprendera. Afrodite, aquela beldade à sua frente, havia sido amante de Ares. O deus da guerra. Um milico safado!
Olhou para a deusa e viu que seus lábios, perfeitos, tremiam. Os olhos se moviam rapidamente. Ela suspirou e ele viu uma nova deidade se formando perto da escrivaninha. Usava um elmo e portava uma lança.
Atirou no próprio peito, não sem antes sorrir. Morreu gargalhando ante a inépcia olímpica.
Ficou olhando para o revólver em cima da cama. O palácio estava silencioso.
Entendeu que, cedo ou tarde, os militares tomariam o poder. Só podia adiar o inevitável. Que fosse tarde, ora diabos.
Mas estava com medo. Merda, pensou, por que fui nascer numa época em que só existem presidentes? Se fosse imperador, teria um escravo que não hesitaria em ajudá-lo a se matar. Aí lembrou-se de Nero. "Covardão, precisou que alguém lhe empurrasse o punhal garganta adentro..."
Não, sua decisão seria solitária.
Deu a última tragada no charuto. Ia sentir falta disso. Pegou a arma, apontou-a para o peito, como o amigo lhe ensinara.
Então teve uma visão. Afrodite surgiu diante de si, em todo o seu esplendor. Instou com ele que poupasse a própria vida, mostrou-lhe imagens de um futuro brilhante à frente, após aquela crise de pouca monta se comparada com as que viriam no fim do século.
Ele titubeou. Pensou alguns instantes. Foi o suficiente para se lembrar do pouco de mitologia que aprendera. Afrodite, aquela beldade à sua frente, havia sido amante de Ares. O deus da guerra. Um milico safado!
Olhou para a deusa e viu que seus lábios, perfeitos, tremiam. Os olhos se moviam rapidamente. Ela suspirou e ele viu uma nova deidade se formando perto da escrivaninha. Usava um elmo e portava uma lança.
Atirou no próprio peito, não sem antes sorrir. Morreu gargalhando ante a inépcia olímpica.
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