22.3.02

Minicontos do desconforto - 11

A raiva foi subindo pescoço acima até turvar sua visão. Ficou tudo vermelho. Chutou um balde e ele se desfez em dezenas de cacos de plástico. Tirou da parede o relógio enguiçado e esmigalhou-o sob o pé. Gritou. Finalmente, tonto, caiu sentado no chão, ofegante. A pausa fê-lo recuperar a razão. Tomou um banho frio, bem demorado, vestiu-se, pegou a guitarra e foi para o bar. Confraternizou com os companheiros, bebeu várias taças de brandy e, quando o show começou, transmitiu toda a sua raiva para o instrumento. Qual não foi sua supresa quando a guitarra se soltou de sua mão, arrancou-se da alça e começou a espancar sua cara impiedosamente, agitando-se no ar como um inseto gigante e descontrolado. No fim, ela levitou por alguns segundos e explodiu, vaporizando-se como por mágica.

O público aplaudiu durante meia hora. De pé.

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