Minicontos do desconforto -- 10
Sentiu o cheiro do mar na brisa. As folhas dos flamboyants tremelicavam no fiapinho de sol da tarde, que ia adiantada. Sentada à beira da piscina, uma taça de vinho quase vazia na mão, teve uma leve epifania olfativa. Não viu, nem ouviu o paraíso: apenas sentiu seu cheiro exuberante e estupefaciente. Depois dormiu, serena e apaziguada.
Tempos depois, no dia em que recebeu de um amigo um ramo de rosas vermelhas (daqueles cinematográficos) e não conseguiu aspirar o frescor das flores, finalmente se deu conta de que, para o resto da vida, nenhum cheiro deste mundo seria capaz de satisfazê-la. Com o tempo isso foi minando também seu paladar, já que, sem sentir aquele perfume maravilhoso da comida, perdia o apetite com freqüência. E ela foi sumindo aos poucos diante dos que a amavam, até morrer, sequinha, numa tarde exatamente como aquela à beira da piscina. Ascendeu, e São Pedro a recebeu emocionado, pedindo desculpas pelo karma que tão ferozmente a consumira. E advertiu: "nenhuma dimensão é perfeita. Aqui, você não sentirá nenhum dos odores terrestres, exceto um, que terá a liberdade de escolher".
Embora inspirasse com força e sentisse todos os perfumes do Éden entrando em seus pulmões, ela olhou tristemente para ele.
"Como pode me pedir isso?", exclamou. "Eu não me lembro de nenhum há anos!"
E foi assim que Ingrid conheceu a Suprema Ironia de Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário