5.2.02

Divertidíssimos trechos de recente coluna de Eugênio Bucci no JB, sobre o adultério:

"De onde vem essa obsessão da nossa cultura pelas infidelidades da carne? (...) O adultério, especialmente a mulher adúltera, é um tema neurótico da modernidade, de madame Bovary a Capitu. Mas por quê? Talvez porque ele traga à tona o campo da mentira íntima como uma camada de proteção à liberdade individual, e isso é finamente moderno.

(...)

O amor de juras que se cumprem ao longo de toda a vida é um amor medieval. É o amor que só começa no fim da historinha da gata borralheira, só acontece quando a aventura acaba. Aos olhos da utopia moderna, esse amor é bobo. Há também o amor dos folhetins, mais século XIX, com a cidade industrial servindo de fundo para um beijo no happy end, mas esse, quase moderno, é popularesco. O amor romântico é deserotizado, é meio sacristão. Não pegou o melhor da modernidade, que é a insurreição do recalcado, seja esse recalcado o operário ou o desejo. O amor só é moderno quando mata esses pactos de juras eternas e essas idealizações folhetinescas. O que nos leva a uma conclusão constrangedora: a única modernidade possível no amor é o adultério. O amor moderno é o amor adúltero. Vai ver que vem daí a obsessão.

E tome ironia: o indivíduo só se realiza eroticamente como um adulto quando trai no amor. E tome ambigüidade: o adultério é a emancipação e ao mesmo tempo é a danação. É a liberdade que não se resolve, que fica em aberto, que não tem forma de disciplina, de lei ou de regra, que não faz sentido moral - só estético. Por isso não há uma ética para o adultério - há, porém, uma etiqueta."

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