Minicontos do desconforto -- 14
Acabara de acender um cigarro e dava uma preguiçosa tragada, quando ela começou a chorar e tomou sua mão, apertando-a docemente. Sentiu que a angústia que transbordava de seus olhos, lindos e desamparados, escapava por entre os dedos dela e penetrava em seus vasos capilares, o que causou nele uma tremedeira seguida de um tufão de sentimentos a princípio desconexos.
Antes que ela o dissesse, ele entendeu imediatamente a extrema solidão e a nostalgia invencível da inocência que queimavam no cérebro de sua companheira de mesa. Tudo aquilo que estava impresso nos olhos dela e que até ali não soubera aquilatar. Então os tremores aumentaram, pois era exatamente assim que ele se sentia há muito tempo. Seu peito -- protegido há anos por extensa carapaça de aço -- de súbito amoleceu, e ele a amou, ou descobriu que a amava, longa e sofregamente, desde o primeiro instante em que lera seu nome, em letras miúdas, após um parágrafo carregado de dor, mostrado por um amigo comum.
Mas como dizer-lhe? Ele estava velho e desiludido; mais um ponto no seu rejeitômetro e morreria ali mesmo. Ela continuava a chorar -- tão sozinha, em todos os sentidos -- e ele tremia com a força da emoção teleportada, mas também com medo de se levantar, abraçá-la e beijar sua boca, inundando-a com a única coisa que poderia lhe dar: um novo desejo. Um rastilho finíssimo de esperança.
Só parou de tremer quando percebeu algo quente descendo por sua face esquerda. Era uma lágrima. Sentiu-se beatificado com o pranto copioso que afinal expulsava de seus próprios olhos, após o que lhe parecia o triássico, o jurássico e o cretáceo juntos, e deu um longo suspiro de alívio. Perdeu a noção do tempo e quando olhou para a cadeira à sua frente, em meio à neblina, ela não estava mais lá.
Estava a seu lado.
Delicadamente, ela pôs os braços em volta de seu pescoço.
E beijou-o na boca.
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