O cinema
Crib Tanaka e André Machado
De repente percebeu que estava só. E que assim sempre seria. Como naquela música.
Entrou no cinema para ver a sessão das duas horas. Um filme mexicano. Sentiu-se incomodada por não ter nada nas mãos pra ocupar o lugar de seu constrangimento. Comprou então o maior saco de pipoca. Dois reais. E um refrigerante médio.
Sentou-se no meio. Na fila do meio, na cadeira do meio, no meio do cinema. Afundou um pouco o corpo na cadeira de couro vermelha. No primeiro gole que deu, o barulho ecoou.
É sempre assim. Quando acaba o trailer, na hora do silêncio, alguém tosse, abre saquinho de amendoim. Ou o celular toca.
Olhou em volta e percebeu que não havia niguém. Aspirou um ufa.
Começou então a comer a pipoca sem se preocupar com o barulho que poderia fazer. Nem com o fato de alguém poder vê-la enfiando o dedo na boca para tirar pelinhas.
A primeira cena do filme era um assassinato tão brutal que ela saltou na cadeira e derramou metade do refrigerante.
Alguém deu uma gargalhada gutural.
Ela olhou em volta de novo, sobressaltada. Ninguém. Mas não vou fazer como esses personagens idiotas de filme de terror, pensou. Vou sair daqui agora mesmo. Levantou-se e derrubou as pipocas à medida que saía da fileira de cadeiras, meio atabalhoada. Tropeçou e caiu sentada.
Nova gargalhada. Parecia cada vez mais perto.
-- Socorro! -- O grito saiu de suas entranhas agudo e quebrado. Enrubesceu de vergonha. Mas gritou de novo.
As luzes se acenderam. O lanterninha entrou correndo. Perguntou se ela estava bem.
Ela não respondeu. Olhava em volta. Exceto pela fileira onde se sentara, o cinema estava lotado. Então, onde estivera? Jurava que estava tudo vazio.
Tinha mais. Agora o filme era outro. Uma comédia romântica, bem leve.
Saiu dali desorientada. A história nunca mais lhe saiu da cabeça. Imaginou que tivera uma alucinação de algum tipo.
Muitos anos mais tarde, bem velhinha e já um pouco desmemoriada, voltou ao mesmo cinema para ver um drama. Sentou-se com o marido ao lado e conversavam baixinho quando ele puf! desapareceu no ar.
Ela teve um calafrio ao compreender que ele se sentara exatamente na fila do meio, na cadeira do meio, no meio do cinema. E que -- só podia ser -- existia ali algum tipo de portal, de vórtice, entre mundos, tempos ou dimensões.
Depois de hesitar, tomou coragem e sentou-se na cadeira. Pensou ver o marido flutuando em algum ponto da viagem, mas estava tudo embaçado. Até que caiu no chão de um cinema vazio.
Viu então uma moça com um saco de pipoca grande e um refrigerante médio sentada na fila do meio. Mas que ironia.
No escuro, perdeu o ponto preciso onde aterrissara. Compreendeu que não saberia como voltar. Achou um conjunto de interruptores, mas nenhum deles acendia a luz.
Começou a chorar baixinho, arfando, tremendo de terror, cada vez mais histérica.
Então, no limite de seu sistema nervoso, soltou uma gargalhada.
Uma gargalhada gutural.
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