17.12.01

Bom, aí vai. Vamos começar a publicar meu primeiro folhetim via blog.

"SOMENTE OS AMANTES"

Prólogo

"Meu nome é Jean. Sou jornalista e, como tal, treinado para me ater aos fatos, embora muitas vezes os fatos sejam de pouca ou nenhuma importância: os sentimentos por trás deles é que realmente contam. Por isso, ao menos desta vez, depois de tantos anos com minha garganta e meus olhos ardendo devido ao silêncio, decidi pôr no papel a história mais estranha de amizade que já presenciei. Poderia dizer que fui um personagem desta história, mas não seria verdade. Conheci seus protagonistas, estive em suas casas, durante algum tempo fizemos juntos um periódico universitário cheio de fanfarronices, mais fui mais testemunha (apesar de pelo menos um ato desastroso) do que aconteceu entre eles que qualquer outra coisa. Chamavam-se Otávio e Marcel.
Fala-se muito do amor; diz-se que o amor está estreitamente ligado à morte; que uma paixão fulminante é pior que cem sabres. Mas a amizade também é um sentimento volátil. Dizem que a felicidade é sua maior inimiga, porque uma pessoa feliz sempre atrai inveja, mesmo dos melhores amigos. Não concordo. A felicidade repele a amizade, sim, mas porque quem está feliz logo começa a se tornar um moralista. Quem é feliz torna-se tão cego quanto um apaixonado, acha que a vida lhe sorriu porque é um eleito, fica arrogante, impiedoso e só tem olhos para seus próprios vícios (que define como virtudes).
Que não me censurem. Eu já fui feliz, e nenhum de meus amigos me invejou. Mas eu os repeli, um a um, como se répteis fossem. Estava certo de ter um coração dourado, e os defeitos deles, eu sabia, intuía, não deviam maculá-lo. Por isso, em meus sonhos, matava-os todos. Tornei-me indiferente e frio. Um altar, sem carne nem sangue, apenas pedra polida. E, no fim, morri eu mesmo, provavelmente de tédio.
A morte, contudo, rondou de maneira mais eficaz as vidas de Otávio e Marcel e mostrou do que a felicidade é capaz quando se transforma em veneno. Por isso, antes de retornar às glórias da vida jornalística (esqueci de dizer, sou cronista de "O Tempo"), vou aproveitar minhas breves férias para redigir este aviso: que todos os que amam o seu amigo se previnam contra as armadilhas da felicidade. A única maneira de ser feliz é cultivando os amigos... mesmo à custa da dor. Mas vamos à história, que já é tempo."

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