26.11.01

Vamos soltar mais algumas coisas -- como este texto, que originalmente escrevi para o supersite Falaê, mas não resisto a publicá-lo aqui...

Títulos (quase) inesquecíveis

Não tem nada mais divertido (quer dizer, tem, mas vá lá) que comprar um jornal fait divers saído quentinho do forno no ponto de ônibus no terminal de ônibus ao lado da praça XV, ou na estação das barcas, às três da manhã, em especial se você estiver bêbado e quiser cuidar para não dormir no trajeto. Eu acabava dormindo assim mesmo, mas antes me entretinha com manchetes sensacionais, verdadeiras obras-primas da subliteratura como “Chinelada na bunda acaba com alegria da sapatão” ou “Levou onze tiros na cabeça e está vivo”.
Até me lembro duma antiquíssima matéria — “Boi de 400 quilos é retalhado por multidão faminta”, ou algo assim — que contava a história do pobre boi Amélio, que, imprevidente, caiu de um barranco nos fundos de um conjunto habitacional e foi impiedosamente retalhado pela galera da vizinhança. O pessoal estava com muita fome e invadiu o conjunto munido de facas, cutelos, serrotes e o escambau... Saiu num diário carioca como reportagem, mas tinha todos os retoques do mais puro realismo fantástico. Sem falar dos hilariantes entretítulos. Um era “Boi nos ares” e a ele se seguia, aproximadamente (escrevo de memória), o texto: “Tudo começou quando dois estudantes dobravam a esquina do conjunto tal, quando um deles olhou para cima e perguntou ao outro:
— Boi voa?
— Não.
— Bom, então caiu um boi ali do barranco”.
Ato contínuo, vinha a narração do ruído da turba enfurecida atacando o lugar e arrancando tudo do Amélio até restarem apenas os ossos. O final patético falava do desespero do português que era dono do boi acidentado, chorando de soluçar ao lado da ossada: “Ó pá, mas o que fizeram com meu Amélio?...”
Os títulos fait-divers deixam de ser engraçados quando é no seu texto que eles aparecem, cortesia de seu editor, que de vez em quando resolve mudá-los com uma sutileza hipopotâmica. Um velho amigo -- o inesquecível Marcão (Marco Antônio Anchieta) -- certa vez escreveu um conto nelson-rodriguiano em que o marido de Helena, uma mulher fria e distante, ia aos poucos descobrindo mudanças “calientes” nela, a ponto de abandonar sua amante e resolver, certa tarde, levar à esposa flores de surpresa. Ele, naturalmente, encontra a cara metade nos braços de outro... O título que o autor deu, “Flores para Helena”, foi mudado para “Helena, a insaciável”...
Depois disso, o Marcão decidiu estudar filosofia. ;-)

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