31.1.04

Embora nos EUA os dois partidos sejam no fim das contas iguaizinhos, eu confesso que estou torcendo para que o candidato democrata, seja ele qual for, passe por cima de Bush e cia. como um rolo compressor nas eleições. Tem que ser uma vitória humilhante, para vingar a eleição roubada de Al Gore em 2000.
É uma vergonha esse final do inquérito inglês que inocentou o governo e encheu de porrada a BBC. É triste a Inglaterra de Thatcher, Major e Blair, indigna de sua História fascinante.

29.1.04

Muito provavelmente "O senhor dos anéis" ganhará o Oscar, embora a trilogia não consiga emocionar nem interessar como o livro. Além do mais, embora eu tenha gostado de ler a saga de Frodo e companhia, considero-a um grande feito de imaginação e uma história muito bem narrada. E só. Não a considero um livro-chave de minha vida, nem tenho qualquer pretensão a falar elfo ou qualquer outra língua fictícia derivada do universo tolkieniano. No máximo, algum dia, jogar um rpg ou outro.

O melhor deste Oscar está nos atores, pelos filmes que já vi -- "Lost in translation" ("Encontros e desencontros", o título nacional, não tem nada a ver) e "Sobre meninos e lobos" (pretendo ver ainda "Mestre dos mares", pelo menos). Bill Murray dá um show no primeiro e Tim Robbins, no segundo.

"Lost in translation" é um filme sobre a solidão, o estranhamento e ennui. De cara dá para entender porque boa parte da crítica "muderna" gostou: a personagem de Scarlett Johansson (belíssima) é jovem e um tantinho arrogante, embora sua vida mal tenha começado; o de Murray é velho e completamente entedidado, perdido numa Tóquio que poderia bem ser Marte, dado o modo como ele se sente. As vidas de ambos estão empacadas e acho que nenhum dos dois acredita que haja real esperança para eles. A única personagem feliz da fita é uma atriz loura-burra. E a diretora Sofia Coppola destila uma tristeza em suas imagens que me lembrou em alguns momentos "Despedida em Las Vegas". Só que este último é o filme mais amargo que já vi, e "Lost in translation" tem senso de humor. Mas, no fim das contas, a gente sai down do cinema.

"Sobre meninos e lobos" é mais sombrio e mostra que não há redenção possível para certas coisas além da própria morte. E o filme é de Robbins, o próprio farrapo humano, arrasado por uma sociedade doente e proferindo algumas frrases cruciais. Ele está no limbo, ao contrário de seus dois antigos amigos (Sean Penn e Kevin Bacon), que escolheram lados opostos dirigidos pela culpa avassaladora que sentem pelo que aconteceu ao personagem de Robbins na infância.

27.1.04

Zelza, velho parceiro musical, está gravando algumas de minhas velhas músicas para mais um CD independente. Ouvi recentemente algumas das faixas, e adorei os arranjos. Além disso, foi um tanto curioso ouvir algumas das letras que escrevi muito jovem, no começo dos anos 80, passeando por vários estilos, das baladas aos rocks. É claro que curti mais os arranjos para estes últimos, com destaque para a guitarra afiada de Tony Corrêa, o guitarrista mais britânico de Nikiti City. Não há músico capaz de performance mais tranqüila, mesmo quando executa o mais intrincado solo. Entretanto, nas baladas e faixas com tom mais pop, Gugu, nosso antigo flautista, arrasa em tudo: clarinete, saxofone, o escambau. O homem é o hoje o músico mais bem-sucedido da formação inicial do Estrada Fróes. Um profissional que não precisa ensaiar nada. Aliás, em 1980 já não precisava. Tinha um ouvido infernal.

23.1.04

Estou curtindo muito o programa "Campos de batalha", do Discovery, em que eles analisam o que ocorreu em confrontos célebres. Perdi o programa sobre Guilherme, o Conquistador, mas vi os de Waterloo e Balaclava, que demoliram mitos que a História consagrou. Ficamos sabendo, por exemplo, que na madrugada de 18 de junho de 1815 choveu às pampas em Waterloo, o que provavelmente levou Napoleão a atrasar de forma considerável o ataque de seu exército aos ingleses, permitindo a Wellington se posicionar melhor. E, no caso de Balaclava, em 1854, a famosa carga da Brigada de Cavalaria Ligeira, celebrada nos versos de Tennyson, foi erroneamente direcionada pela incapacidade de um oficial de ver o alvo do ataque, resultando daí o massacre de cerca de 150 homens (e não os "nobres 600", como reza a lenda). A História, contada pelos ocidentais, deixou de lado igualmente a brava resistência da vanguarda do exército turco contra os russos.

19.1.04

Para quem curte filmes de terror, uma boa dica: "Submersos" ("Below"). O mote do filme é "U-571 encontra Poltergeist". Em 1943, um submarino americano recolhe sobreviventes de um navio-hospital britânico torpedeado por um U-boat alemão. A partir daí, coisas estranhas começam a acontecer no ambiente claustrofóbico e sufocante do submarino... Já disponível em vídeo.

16.1.04

Sobre o inimigo:

"Observe bem seus inimigos, pois eles são os primeiros a descobrir seus defeitos."
(Antístenes)

"Nunca se explique -- seus amigos não precisam disso e seus inimigos não vão acreditar mesmo em você."
(Elbert Hubbard)

"Nunca interrompa seu inimigo enquanto ele estiver cometendo um erro."
(Napoleão)

"Às vezes permanecemos fiéis a uma causa porque seus oponentes não conseguem deixar de ser insípidos."
(Nietzsche)

"É mais fácil perdoar um inimigo do que perdoar um amigo."
(William Blake)

14.1.04

Meus "Minicontos do Desconforto" já começaram a ser publicados no site Paralelos! Eles estão aqui, e também há aqui uma introdução sobre as séries do site por mestre Augusto Sales.

Os contos estão saindo em séries de dez, que serão publicadas em seis semanas. Grande Augusto, quero agradecer a gentileza.

Minicontos do desconforto -- 63

Ela era alta, linda e o envolvia com seus braços lisos, impecáveis. E o beijava na nuca. Ele estremecia e acordava. Outro sonho. Há quanto tempo não era seduzido assim, docemente, por alguém? Há quantos meses se olhava no espelho e percebia na velhice iminente a única companheira?

Sentiu falta dos jogos de seus vinte anos. Da morena com olhos de raposa. Dos cabelos intermináveis de S. Do corpo irreprochável da jovem de Copa.

Quis dormir mais, para ver se reencontrava a belezura do sonho. Resolveu tomar um sedativo.

E lá estava ela de novo. Veio o conhecido abraço, o perfume familiar. Mas desta vez ela o virou para si.

-- Feche os olhos. Vamos viajar.

Ele fechou os olhos também no sonho.

E o beijo da Morte nunca foi tão doce, tão intenso, tão arrebatador.

Quando o encontraram, a amiga de infância foi a única que reconheceu seu sorriso. E compreendeu que ele morrera de enlevo.

13.1.04

Sobre esse debate quanto ao fichamento de brasileiros e americanos nos aeroportos: um leitor do Globo sugeriu hoje que, se é para os EUA registrarem os viajantes tupiniquins, que o façam logo em solo brasileiro, que assim a gente viaja sem aquela angústia antecipada do encontro com os funcionários da Imigração, que são um primor de falta de educação. Ou fica sabendo logo que não deve viajar, e assim não se aporrinha.

Dá até para imaginar o encontro dos amigos no botequim depois:

-- Ué, você não ia para Nova York hoje?

-- Ia, mas o escritório de fichamento examinou meus documentos, disse que eles não bastavam, e me mandou tirar um visto de "centos" dólares. Então f#%!@&*, vou ficar bem aqui. Resolvo tudo por teleconferência. E ainda posso tomar uns gorós pagando em real. Ô Bento, traz aí uma caipirinha...

9.1.04

Tem um momento no DVD "Rocking the Globe" em que Sheryl Crow, enquanto ajeita o suporte da gaita no pescoço, dispara para o público:

-- Anyone here got a broken heart?

E depois de uma pausa:

-- I hear it sucks...

E emenda "It don't hurt", com uma letra que é uma porrada...

It don't hurt like it did
I can sing my song again
It don't hurt like it did
I can sing my song again

I scraped the paper off the wall
I put down carpet in the hall
I left no trace of you at all
And I can sing my song again

I dont dream cuz I dont sleep
The moon is hanging like your hat
The sun comes up well I dont see
Curtains tied up like a bat

The electric man looks good today
Maybe not -- well I'm trying hard
Trying hard to feel that way
The electric man's a good place to start

Took your paintings off the wall
That one of me that you called doll
I added on cuz the house was feeling small
Now I can sing my song again

I don't think of you no more
Except for everyday or two
I don't think of you no more
Except for in between the sun and moon

Packed up and moved out after all
Bulldozed the house and watched it fall
That blessed sight I still recall
I can sing my song again
I can sing my song again

It don't hurt like it did
it hurts worse
Who do I kid

7.1.04

Quem me ligou há pouco foi mestre Augusto Sales, com uma excelente notícia: a série Minicontos do Desconforto, que escrevo neste canto, será publicada no site bacana Paralelos.org, que reúne um time de bambas da pesada na arte de juntar letrinhas. Assim que tiver o endereço, vocês saberão.

6.1.04

Como é bom começar o ano com "The importance of being earnest" em cartaz no Rio. Nada como Wilde para esquecer nossas resoluções de réveillon ;-) Não posso perder de jeito nenhum.

4.1.04

Minicontos do desconforto -- 62

Todos à sua volta estavam histéricos, emocionalmente doentes; e ninguém percebia. É exatamente isso o que deve ter sido a torre de Babel, pensou: gente se afirmando para os outros o tempo inteiro, numa algaravia incompreensível, porque todos só falavam, no fundo, para si e ninguém parava para apreender as necessidades do outro.

O que era mais incrível é que, tomadas individualmente, as pessoas pareciam perfeitamente normais. Mas o juízo fugia espavorido todas as vezes que se juntavam numa sala.

Foi quando Robert Wilde percebeu que não era mais um membro daquela família, no seio da qual viera parar aqui. E partiu para o mundo, ao qual pertencera desde sempre (agora entendia a extrema solidão e o desligamento automático do pensamento que o caracterizavam).