Do Márcio Moreira Alves, o melhor diagnóstico deste Titanic econômico que estamos vivendo.
"Médicos do século XVIII e o FMI
Se alguém advertisse um médico do século XVIII que fazer sangrias e aplicar sanguessugas debilitava o paciente e poderia até levá-lo à morte, o médico daria de ombros, acharia a advertência uma impertinência de ignorante e continuaria a tirar o sangue dos doentes com a consciência tranqüila de quem cumpre o dever segundo as melhores normas da ciência.
A mesma coisa acontece hoje com os economistas que seguem as imposições do mercado e obedecem às imposições do FMI, que é uma espécie de descarado capanga dos especuladores. Criado para evitar que eventuais desequilíbrios de balança de pagamento ameacem as economias dos países membros, acaba de escancarar, no caso da Argentina, a sua verdadeira função. Colocou como condição para assinar um novo acordo com o país que se elevassem as tarifas das empresas de serviços públicos privatizadas no governo Menem.
Ou seja: a situação de comoção social no país não interessava ao Fundo. O que interessava era garantir o lucro dos investidores estrangeiros nas empresas de serviços públicos. Interessava também, e era essa outra das precondições, que o Estado argentino salvasse os bancos privados, quebrados pelo abandono do regime de câmbio fixo, regime apoiado anos a fio pelo próprio FMI. Queria um Proer platense.
O presidente Néstor Kirchner pagou para ver. Ou melhor, não pagou e viu as condições serem amainadas pela pressão dos Estados Unidos, que é quem manda no Fundo, do presidente Vicente Fox, do México, e dos demais países latino-americanos, inclusive do Brasil, cujas equipes econômicas têm sido as mais obedientes alunas do FMI. Engolem tudo o que ouvem em Washington como se fossem verdades evangélicas.
Ainda bem que, vez por outra, aparecem aqui economistas americanos menos acríticos. Paul Volcker, por exemplo, um ex-presidente do Federal Reserve, o Fed, para os íntimos, fez em São Paulo uma palestra pessimista sobre o futuro da economia brasileira. Razão para o pessimismo: a exagerada dependência e obediência do país ao FMI. Outro que aqui esteve foi Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia de 2001, ex-assessor do próprio FMI e severo crítico de suas políticas.
Stiglitz não é um economista qualquer — nascido em Gary, Indiana, tal como Paul Samuelson, o primeiro americano a receber o Nobel econômico, considerado um dos mais importantes economistas do século XX. Muito jovem, antes mesmo de completar o seu doutorado no MIT, foi encarregado de preparar a publicação da obra completa de seu ilustre conterrâneo, que teve o título de Collected Scientific Papers. Ao terminar o doutorado, foi contratado como professor do próprio MIT, ensinando depois em Yale, Stanford, Oxford e Princeton, antes de voltar à Califórnia, a Stanford. Em 1979, recebeu a mais alta distinção da Associação Americana de Economistas, a Medalha John Bates Clark. Foi diretor das principais revistas de economia dos Estados Unidos, a “Journal of Economic Perspectives”, a “American Economic Review” e a “Journal of Economic Theory”. Depois de tudo isso, o Prêmio Nobel veio quase como um coroamento natural da carreira.
Stiglitz publicou mais de 250 artigos e capítulos em livros técnicos sobre uma grande variedade de assuntos, mas as suas principais contribuições foram no campo da análise das imperfeições dos mercados e do efeito sobre eles da economia da informação. Aqui no Brasil, disse duas coisas importantes que, sem serem novidade, adquirem maior peso dada a autoridade de quem as disse:
a) O Brasil não precisa procurar no exterior receitas para seu desenvolvimento sustentado. Ao longo dos primeiros 75 anos do século XX, foi o país que mais cresceu no mundo. Isso é uma notável série de crescimento sustentável. Para retomá-lo, bastaria adaptar às condições presentes as políticas do passado.
b) As injustificáveis taxas de juros praticadas no país estrangulam a sua economia.
Não creio que haja muitos políticos, economistas ou analistas que discordem da necessidade do governo Lula de fazer o que fez na área econômica: manter os compromissos com o FMI, garantir um superávit primário ainda maior que o acordado, jogar os juros na estratosfera para assegurar a permanência de capitais especulativos, evitar o repasse para os preços da alta do dólar através do aumento do dinheiro que os bancos são compulsoriamente obrigados a depositar no Banco Central e, assim, paralisar a economia, aumentar o desemprego e reduzir a capacidade de compra dos assalariados. Na época da campanha eleitoral, escrevi que o medo dos investidores não era com um efeito Lula, mas com um efeito Malan. Ou seja, com a continuidade das políticas da equipe econômica que produzira a menor taxa de crescimento desde a proclamação da República, decuplicara a dívida pública, adotara anos a fio a mais alta taxa de juros do planeta e, mesmo assim, repassava o bastão com uma inflação de 20% que, incontida, chegaria a 40% ao ano em 2003. O dr. Palocci e seus colaboradores optaram por um tratamento Butantã, quer dizer, enfrentar o veneno da cobra com veneno da própria cobra.
Agora basta, dizem seus próprios correligionários, como o senador Aloizio Mercadante e a economista Maria da Conceição Tavares. A continuar o mesmo tratamento, o doente morre. Aliás, fazê-lo reviver não é fácil, nem há receita garantida."
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