Minicontos do desconforto -- 51
Seu amor foi ficando cada vez mais absorvente e obsessivo à medida que envelhecia. Ela sempre fora sapeca, brejeira, desde os primeiros anos; e se na juventude ele conseguia ao menos disfarçar a insegurança, na velhice lhe sobreveio uma tremedeira espiritual. Então a vigiava, tentava controlá-la, apesar de saber que era tudo em vão.
Um dia, ao retornar do carteado, encontrou-a com um homem que conhecera na internet. Expulsou-a de casa e acolheu a solidão em seu lugar.
Mas a solidão fez com ele o que debalde procurara fazer com a infiel: vigiava-o por todos os cantos, não o deixava ver tevê, interrompia até mesmo os sonhos mais vagabundos de seu sono precário. Aparecia, a apontá-lo, no meio da multidão no banco todo dia dez.
Então, quando a sapeca voltou, abandonada pelo rufião, recebeu-a sem hesitar, e foi mais gentil com ela. Mas a solidão teve ciúmes: meses depois, ele passou desta para uma outra abraçado com a diáfana amante na biblioteca.
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