30.9.02

Minicontos do desconforto -- 34

Amou-a desde o primeiro aperto de mão, que lhe deu um choque. Mas não conseguiu dizer-lhe isso na primeira noite. Costurou palavras com fio de ouro, que lhe enviou durante meses. Então ela se apaixonou por outro, e ele se desesperou.

Uma tarde encontrou-a sozinha no parque. Respirou fundo, sentou-se e entregou o que lhe ia na alma. Os dois choraram juntos e ele pensou que ela enfim derrubaria o firewall invisível que os continha. Mas pousou por ali um pássaro de plumagem estranha, que atraiu a atenção dela. Depois, o momento foi embora sem se despedir e ela recompôs-se, sumindo rápido da cena.

No dia seguinte ele levou seu gato até o parque e o observou caçando os pássaros. Foi então que nasceu seu sorriso de sarcasmo, de que os amigos tiveram medo até o fim de seus dias.
"Em amor, possuir é nada; desejar é tudo."

(Stendhal)

"Quem não ama demais não ama o bastante."

(Bussy Rabutin)

28.9.02

A night to remember

Ontem aconteceu a melhor noitada que tive nos últimos tempos. Não quis que ela acabasse, foi simplesmente demais. Depois do fechamento, Elis e eu saímos para "abrir os trabalhos" etílicos no Lamas, onde ficamos até cerca das onze, papeando. De lá partimos para o Casarão Hermés, na ladeirona da Hermenegildo de Barros. Um lugar gostosíssimo, de onde se obtém uma visão ímpar da Cidade Maravilhosa. Rolava por lá a festa organizada pela minha doce Crib Tanaka para comemorar 15 anos de amizade com mais três beldades. Sentamos na varanda e rimos demais com a Crib, que estava com a corda toda (ela nem sempre fala muito, a não ser via email, e adorei vê-la agitada e entusiasmada). Permanecemos no Casarão até uma da madrugada, quando então zarpamos em direção à festa de 31 anos do Maloca, na Spin, em Ipanema. Nesta eu já entrei roubando o copo de uísque do aniversariante (e olhem que já havia descido um conhaquinho e uma caipirinha) e subi para cumprimentar a galera roqueira mais legal da cidade: Gustones, Maggi, Rodrigão, Carlos, China... Long live everyone.
E lá estava Alessandra Archer, que eu não via há mais de dois meses. Estava morrendo de saudade dela (assim como da Crib). Mais uns goles e caí na pista. Dançamos a noite inteira, quase sem parar, e conversamos o possível no meio daquele agito. Elis e eu também ensaiamos alguns bons passos no meio da bagunça (eu adoro dançar com ela).
Saímos com o dia claro, quase seis horas da manhã. Maloca, já para lá de Vladivostok, ordenou: todos ao Cervantes. Fomos Maggi, eu, Carlos e ele. Dormi na casa do Maggi e do Maloca. Eu no sofá e a cinzenta gata Sofia em sua "almofada" privê.
O momento mais bizarro da noite começou com uma conversa rápida entre mim e Maggi:
-- André, você vai dormir lá em casa?
-- Vou, pode ser?
-- Beleza. Avisa a Elis que, se ela não se sentir legal para dirigir na volta, tem espaço lá, qualquer coisa.
-- Beleza.
Ato contínuo, eu me viro, pego a Elis pelo braço e repito o que Maggi me disse no ouvido dela. Só que... não era a Elis!!!!! Vocês acreditam que este Guardião tresloucado estava falando com uma menina desconhecida (soube depois que era a outra aniversariante da noite) e a convidando na lata para ir dormir comigo na casa de um terceiro???!!!!
Surreal é isso, baby.
Eu devia ter levado uma bofetada na cara. Mas o que aconteceu é parte do motivo por que chamam esta cidade de de maravilhosa. Quando me dei conta do que estava fazendo, pedi perdão de joelhos (literalmente) à menina -- e ela simplesmente riu muito do absurdo da coisa. Mais tarde ainda me pediu um cigarro. Obrigado, meu São Sebastião, por me deixar nascer um carioca da gema no Grajaú.
E a noite devorou todos os erros, e eu me vi fora da realidade depois do terceiro uísque. É quando as emoções se soltam de você, genuínas, sem polimento. E como a gente precisa disso de vez em quando. Oxalá haja muitas noites assim em nossas vidas.

27.9.02

Marcas

Crib Tanaka e André Machado

Água fria para acordar de vez. Sentiu o sangue pelas pernas. Circulação acordando devagar, junto com os movimentos-vento do corpo dela. Deixava os olhos se irritarem com a água; por vezes, experimentava um leve afogar. Saiu deixando marcas-gotas no chão branco da casa. Com as costas e os pés molhados, deitou-se no sofá, de frente para o ventilador. Balançava os cabelos-chicote deixando-os mancharem as almofadas, paredes, livros. Jogou no chão a toalha que lhe servia de saia até aquele instante. Perto da janela, ensaiou um espreguiçar de férias. Não custava nada enganar-se por alguns segundos. Sentou-se e tomou calmamente uma xícara de café. Com os pés, trouxe até si o jornal deixado embaixo da porta. Passou o olho pela programação do cinema e horóscopo. Acordou.

Foi cumprir suas horas intermináveis no espaço computadorizado, artificialmente frio, vestida como um personagem. Formalidade hipócrita em mórbidos uniformes massificadores. Barulhos de conexões estranhas, vozes comedidas. Desfile coletivo nos corredores de atapetada alergia.

Saindo da cela, acendeu um cigarro. Deixou os vidros do carro abertos e ligou o som. Tirou o blazer e rasgou a meia-calça pretensiosamente cor-da-pele.

Parou em frente à casa dele.

Do chuveiro saíram, deixando marcas-gotas pelo corredor e quarto. Sentia o sangue pelas pernas. Circulação correndo junto com os movimentos-ondas do corpo dele. Circulação estagnada em marcas na alva pele.

Beijaram-se longamente. Tinha saudades da língua dele. Pensara nesse beijo o dia todo, enquanto fazia contas no trabalho. Quando tudo terminou, observou-o -- silenciosa -- arfando, trêmulo e satisfeito. Ele não percebera que ela sangrava de verdade; ele não a percebia. Estava ali, empanzinado e sonolento, encaixando seu cigarro na piteira e acendendo-o com o isqueiro dourado que já falhava. Ele olhava para o teto -- era como se a mulher a seu lado de repente pertencesse a outra galáxia.

Olhando aquele homem, que se bastava com tanta naturalidade, foi sentindo uma raiva surda tomar conta de si. Num ímpeto, tomou a cabeça do amante e forçou-a contra o meio das pernas, chafurdando a expressão beatífica de gozo dele no sangue feminino, pulsante, quente. Ele pensou que ela desejasse mais prazer e beijou seu sexo. Ela marcou seu rosto com a grande mão que tinha, derrubou-o da cama e se dirigiu calmamente ao banheiro.

Água fria. Gelada. Forte.

Abriu a porta ainda o olhando com ódio e com passos decididos, saiu nua pela rua, sangrando e vociferando: filho da puta, filho da puta, filho da puta.
Ontem tive a honra de almoçar com a bela Valeska, gente finíssima e uma delícia de companhia. Foi aniversário dela e tivermos um longo papo sobre a vida e suas vertentes no ambiente tranqüilo da Leiteria Mineira, no Centro. Se não tivesse de vir para a redação, ficaria papeando com ela até anoitecer, porque toda vez que nos encontramos a conversa flui, gostosa, mesmo nos momentos mais sérios. Val, um grande beijo deste Guardião e muitas felicidades, sempre.

25.9.02

Momento rock -- 18

"Alguns cientistas acreditam que o hidrogênio, por ser tão abundante, é o elemento básico do universo. Eu questiono este pensamento. Existe mais estupidez do que hidrogênio. Estupidez é o elemento básico do universo."

(Frank Zappa)

24.9.02

Minicontos do desconforto -- 33

Banhistas a trouxeram, semidesmaiada, até ele, depois de a tirarem das ondas. Colou sua boca na dela e começou a aplicar a respiração. Quando os olhos azuis acordaram, estavam estranhamente despidos de sentido. E ele tremia e chorava sem entender: havia puxado a alma dela pelos pulmões.
Minicontos do desconforto -- 32

Acordou na calçada, as gotas da garoa descendo em sua boca. Apalpou o bolso. A carteira estava lá. Perscrutou o peito: o coração tinha sido roubado.

23.9.02

Voltei hoje de férias (em Terê e na minha Nikiti City) e já encontrei um blog novo: o de Alessandra Archer. Também fiquei sabendo que o Maloca partiu para outra no trabalho. Things change...
Também haverá mais uma festa "Mate-me por favor" esta sexta, a cargo de Mr. Gustones, na Spin. E a bela Crib Tanaka mais três amigas vão celebrar sua amizade na night da Glória. Semana boa para voltar ao Rio! Vamos agitaaaarr!!!
Em breve, novos minicontos por aqui.