26.11.09
Esta madrugada o Kiss fez seu primeiro show transmitido ao vivo pela internet, em Los Angeles, Califórnia. Acompanhei o evento desde o pré-show, que teve entrevistas com os caras responsáveis pela turnê da banda, o empresário (Doc McGhee), o co-produtor do novo disco ("Sonic Boom") e familiares do baixista Gene Simmons, que fazem com ele o reality show "Family Jewels". De vez em quando os membros do grupo passavam pelos repórteres; o baterista Eric Singer conversou um tempo com eles. A parte dos bastidores foi esquentando o clima, enquanto mais e mais gente se conectava ao site de streaming (o show também podia ser visto no Facebook, e tinha links com o Twitter do Kiss).
Quando a banda começou com "Deuce", clássico do primeiro disco, já havia mais de 210 mil espectadores no site, de todo o mundo, mas esse número deve ser maior, pois não era preciso se conectar ao serviço para ver o show (só se você quisesse ficar comentando em tempo real, junto com os outros fãs).
A qualidade do streaming foi impecável e não falhou em nenhum momento; e quem estava acompanhando pela web provavelmente viu muito melhor do que quem estava lá (com a diferença do som e das explosões ao vivo, que não pode ser comparado com o de qualquer transmissão). O show começou às duas e meia da manhã e terminou às cinco (horário do Brasil). Como de costume, foi uma chuva de clássicos ("Hotter than hell", "Shock me", "Strutter", "Let me go rock and roll", "Shout it out loud", "Black diamond", "Parasite", "Cold gin", "Love gun", "Detroit rock city"... ) Eles só tocaram duas músicas do disco novo, "Modern day Delilah" e "Say yeah", ambas cantadas por Paul Stanley. Espero que incluam nos shows vindouros algumas das faixas cantadas por Simmons, como "Russian Roulette" e "(Yes I Know) Nobody´s Perfect".
Eric Singer e Tommy Thayer completam a banda muito bem e não deixam nada a dever aos membros originais que substituíram (Peter Criss e Ace Frehley, cujo disco solo novo, "Anomaly", depois de 20 anos, é um sopro de ar fresco no rock pesado americano).
Para mim, foi uma madrugada inesquecível. Que venham outros shows ao vivo pela rede. (A foto é de Mônica Imbuzeiro).
25.11.09
Isto é que é uma abertura de peça teatral.
"Now is the winter of our discontent
Made glorious summer by this sun of York;
And all the clouds that lowered upon our house
In the deep bosom of the ocean buried.
Now are our brows bound with victorious wreaths,
Our bruised arms hung up for monuments,
Our stern alarums changed to merry meetings,
Our dreadful marches to delightful measures.
Grim-visaged war hath smoothed his wrinkled front,
And now, instead of mounting barbed steeds
To fright the souls of fearful adversaries,
He capers nimbly in a lady's chamber
To the lascivious pleasing of a lute.
But I, that am not shaped for sportive tricks
Nor made to court an amorous looking-glass;
I, that am rudely stamped, and want love's majesty
To strut before a wanton ambling nymph;
I, that am curtailed of this fair proportion,
Cheated of feature by dissembling nature,
Deformed, unfinished, sent before my time
Into this breathing world scarce half made up,
And that so lamely and unfashionable
That dogs bark at me as I halt by them -
Why I, in this weak piping time of peace,
Have no delight to pass away the time,
Unless to spy my shadow in the sun
And descant on mine own deformity.
And therefore, since I cannot prove a lover
To entertain these fair well-spoken days,
I am determined to prove a villain
And hate the idle pleasures of these days."
(Shakespeare, Richard III)
"Now is the winter of our discontent
Made glorious summer by this sun of York;
And all the clouds that lowered upon our house
In the deep bosom of the ocean buried.
Now are our brows bound with victorious wreaths,
Our bruised arms hung up for monuments,
Our stern alarums changed to merry meetings,
Our dreadful marches to delightful measures.
Grim-visaged war hath smoothed his wrinkled front,
And now, instead of mounting barbed steeds
To fright the souls of fearful adversaries,
He capers nimbly in a lady's chamber
To the lascivious pleasing of a lute.
But I, that am not shaped for sportive tricks
Nor made to court an amorous looking-glass;
I, that am rudely stamped, and want love's majesty
To strut before a wanton ambling nymph;
I, that am curtailed of this fair proportion,
Cheated of feature by dissembling nature,
Deformed, unfinished, sent before my time
Into this breathing world scarce half made up,
And that so lamely and unfashionable
That dogs bark at me as I halt by them -
Why I, in this weak piping time of peace,
Have no delight to pass away the time,
Unless to spy my shadow in the sun
And descant on mine own deformity.
And therefore, since I cannot prove a lover
To entertain these fair well-spoken days,
I am determined to prove a villain
And hate the idle pleasures of these days."
(Shakespeare, Richard III)
5.11.09
De volta das férias, por isso a longa ausência. De casa nova aqui no jornal, com a mudança da redação da Digital de lugar. Estou achando o novo ambiente muito interessante; além disso, estou mais perto de algumas pessoas muito especiais para mim. Vejam a foto.
Passei parte das férias em Penedo, onde fiz com Wal um tour gastronômico e experimentei algumas cervejas alemãs muito antigas. Uma delas é da mais antiga cervejaria do mundo em atividade, que era uma abadia dedicada a Santo Estêvão no século VIII e virou cervejaria por volta de 1040. Uma viagem etílica no tempo...
19.9.09
Minicontos do desconforto - 100
O amor pode estar num SMS de bom dia, ou num email no cerne do fechamento desgovernado; o amor sobrevive ao trânsito e às distâncias chuvosas e à dificuldade de achar as torres; porque no fundo ele nunca está muito longe (somos nós que não sabemos procurar, com as gavetas de nossa memória sempre desorganizadas e nosssos cofres de emoções cheios de estranhas senhas com símbolos ininteligíveis, cuja chave criptográfica vamos perdendo pelo caminho.)
Minha amiga adorada, não se pode pertencer a alguém nessa vida, ainda que tentemos - amar é bem mais forte do que isso. Ainda assim, esta noite, meu colo é seu. Venha e ocupe-o, deite a cabeça no meu peito e deixe-me sussurrar os velhos feitiços das sacerdotisas de Afrodite; tire suas tristezas do catre, libere-as do cativeiro e graciosamente permita que morram de insolação diante da luz de nós dois.
O amor pode estar num SMS de bom dia, ou num email no cerne do fechamento desgovernado; o amor sobrevive ao trânsito e às distâncias chuvosas e à dificuldade de achar as torres; porque no fundo ele nunca está muito longe (somos nós que não sabemos procurar, com as gavetas de nossa memória sempre desorganizadas e nosssos cofres de emoções cheios de estranhas senhas com símbolos ininteligíveis, cuja chave criptográfica vamos perdendo pelo caminho.)
Minha amiga adorada, não se pode pertencer a alguém nessa vida, ainda que tentemos - amar é bem mais forte do que isso. Ainda assim, esta noite, meu colo é seu. Venha e ocupe-o, deite a cabeça no meu peito e deixe-me sussurrar os velhos feitiços das sacerdotisas de Afrodite; tire suas tristezas do catre, libere-as do cativeiro e graciosamente permita que morram de insolação diante da luz de nós dois.
25.8.09
16.7.09
De volta de viagem a trabalho na Califórnia, na semana passada. No último dia, que era livre, tive a oportunidade de visitar algumas vinícolas na região de Sonoma. Por isso hoje mesmo twittei que "in vino veritas" - a verdade está no vinho. Além do natural prazer da degustação, fiquei vivamente impressionado com a paixão sobre o tema demonstrada por nossa anfitriã num dos vinhedos, que contou a história do lugar com um jeito todo especial, com uma simpatia a toda prova. Ela já tinha uma certa idade, mas o amor pelo vinho e pelas delicadas facetas do bebê-lo conferiu-lhe uma jovialidade inimitável; conheço muitos jovens com almas bem mais idosas do que essa senhora. E eu mesmo, que me sinto envelhecer e não gosto nada do processo, me senti jovem e entusiasmado de novo perto dela. Fiz questão de cumprimentá-la efusivamente e dizer-lhe que era a anfitriã perfeita. Não esquecerei a experiência (que ela - seu nome é June - definiu assim para um colega enquanto lhe servia vinho, rindo: "oh, you want to have your June experience in July...") e, se puder, um dia lá voltarei.
Enquanto isso não acontece, este post fica como uma pequena homenagem e uma lembrança, para mim e para vocês, de que ter ou observar a verdadeira paixão pelas boas coisas (e pessoas, e ações, e situações) faz florescer a primavera dentro de nossos peitos seja qual for a estação do ano. Obrigado, June. E saúde!
Enquanto isso não acontece, este post fica como uma pequena homenagem e uma lembrança, para mim e para vocês, de que ter ou observar a verdadeira paixão pelas boas coisas (e pessoas, e ações, e situações) faz florescer a primavera dentro de nossos peitos seja qual for a estação do ano. Obrigado, June. E saúde!
5.7.09
Ontem assisti pela milésima vez a "Shakespeare apaixonado". "Romeu e Julieta", ao lado de "Ricardo III", é minha peça favorita do Bardo, e a beleza de Gwyneth Paltrow é arrebatadora na tela. Sabem aquelas cenas em que, não importa quantas vezes você veja, uma lágrima furtiva é derramada? Acontece comigo todas as vezes quando termina a apresentação de estreia de "Romeu e Julieta" no filme: fica um silêncio enorme do teatro e depois a plateia irrompe num aplauso estrondoso diante da verdadeira expressão da Beleza que todos acabaram de fruir. Não dá para não se emocionar.
Outra cena em que é impossível não ficar arrasado é quando, em "Coração Valente", o William Wallace ainda menino está no enterro de seu pai, morto de forma terrível, e a menina Murron se apieda dele e lhe dá uma flor.
Outra cena em que é impossível não ficar arrasado é quando, em "Coração Valente", o William Wallace ainda menino está no enterro de seu pai, morto de forma terrível, e a menina Murron se apieda dele e lhe dá uma flor.
17.6.09
Recentemente recebi um texto do Alexandre Oliva, da Fundação Software Livre da América Latina, falando de mais uma visita do Richard Stallman (conhecido como RMS), pai do Movimento Software Livre, ao Brasil nesta semana e na próxima, para o FISL em Porto Alegre. Eu posso, fácil, fácil, botar o release de Oliva entre os mais interessantes que já chegaram a minha caixa postal nesses 25 anos de profissão. Ele faz uma defesa apaixonada do software livre e da missão sagrada de Stallman ao criar o sistema GNU e o movimento, em 1983. Vale a lida:
"Embora o nome possa fazer parecer que se trate de um movimento tecnológico, o Movimento Software Livre tem suas fundações em questões sociais, políticas, éticas e morais. RMS pode muito bem ser descrito como o primeiro abolicionista da escravidão digital.
Há mais de 25 anos ele notou que artifícios técnicos e jurídicos aplicados a programas de computador começavam a ser utilizados para manter usuários impotentes e divididos.
Para evitar a impotência e alcançar a independência, é necessário que um usuário possa deter o controle sobre o funcionamento do software, podendo utilizá-lo para qualquer finalidade, mesmo que sejam necessárias adaptações e verificações. Não deve o usuário depender do fornecedor original do software para efetuá-las, caso contrário o fornecedor poderia limitar artificialmente o funcionamento do computador, ou mesmo induzir o computador a trabalhar contra os interesses do usuário, como fazem os sistemas operacionais não-Livres mais comumente utilizados hoje.
Desde sítios na Internet até controladores de dispositivos, fornecidos de maneira que funcionem exclusivamente em determinadas plataformas, negam aos usuários a possibilidade de adaptá-los para suas preferências de comportamento e plataforma. O armazenamento de arquivos dos usuários em formatos secretos faz com que, para acessar seus próprios dados, o usuário dependa do uso de um programa específico que carrega as chaves para decodificá-los. São algemas digitais, um desrespeito aos usuários, que os torna prisioneiros indefesos e impotentes.
Para o exercício da solidariedade, a vida em comunidade, e para acelerar o aprendizado e a evolução científica e tecnológica, é essencial que usuários possam compartilhar entre si as soluções para problemas ou dificuldades que encontrem. Ao melhorar um programa para resolver um determinado problema, ou ao descobrir que ele já serve a esse propósito, é fundamental que cada usuário possa compartilhar essa solução com outros membros da comunidade.
A proibição ao compartilhamento, ao contrário, exige que cada um decida ou ser um bom membro da comunidade ou atender a demandas mesquinhas e anti-sociais. Quem aceita o desrespeito cria um problema para si, mas também divide e enfraquece a comunidade.
Para combater a impotência, a dependência, e a divisão da comunidade de usuários, Richard começou a desenvolver em 1984 o sistema GNU, para permitir a qualquer usuário utilizar computadores sem sacrificar suas liberdades ou seus direitos humanos. O resultado dos esforços que ali se iniciaram é o sistema operacional Livre GNU/Linux, ícone do Software Livre, utilizado em computadores dos mais potentes do mundo a minúsculos telefones e roteadores, que inspirou o desenvolvimento de milhares de programas Livres, dentre eles suítes de oficina, navegadores e servidores web utilizados por milhões de usuários."
"Embora o nome possa fazer parecer que se trate de um movimento tecnológico, o Movimento Software Livre tem suas fundações em questões sociais, políticas, éticas e morais. RMS pode muito bem ser descrito como o primeiro abolicionista da escravidão digital.
Há mais de 25 anos ele notou que artifícios técnicos e jurídicos aplicados a programas de computador começavam a ser utilizados para manter usuários impotentes e divididos.
Para evitar a impotência e alcançar a independência, é necessário que um usuário possa deter o controle sobre o funcionamento do software, podendo utilizá-lo para qualquer finalidade, mesmo que sejam necessárias adaptações e verificações. Não deve o usuário depender do fornecedor original do software para efetuá-las, caso contrário o fornecedor poderia limitar artificialmente o funcionamento do computador, ou mesmo induzir o computador a trabalhar contra os interesses do usuário, como fazem os sistemas operacionais não-Livres mais comumente utilizados hoje.
Desde sítios na Internet até controladores de dispositivos, fornecidos de maneira que funcionem exclusivamente em determinadas plataformas, negam aos usuários a possibilidade de adaptá-los para suas preferências de comportamento e plataforma. O armazenamento de arquivos dos usuários em formatos secretos faz com que, para acessar seus próprios dados, o usuário dependa do uso de um programa específico que carrega as chaves para decodificá-los. São algemas digitais, um desrespeito aos usuários, que os torna prisioneiros indefesos e impotentes.
Para o exercício da solidariedade, a vida em comunidade, e para acelerar o aprendizado e a evolução científica e tecnológica, é essencial que usuários possam compartilhar entre si as soluções para problemas ou dificuldades que encontrem. Ao melhorar um programa para resolver um determinado problema, ou ao descobrir que ele já serve a esse propósito, é fundamental que cada usuário possa compartilhar essa solução com outros membros da comunidade.
A proibição ao compartilhamento, ao contrário, exige que cada um decida ou ser um bom membro da comunidade ou atender a demandas mesquinhas e anti-sociais. Quem aceita o desrespeito cria um problema para si, mas também divide e enfraquece a comunidade.
Para combater a impotência, a dependência, e a divisão da comunidade de usuários, Richard começou a desenvolver em 1984 o sistema GNU, para permitir a qualquer usuário utilizar computadores sem sacrificar suas liberdades ou seus direitos humanos. O resultado dos esforços que ali se iniciaram é o sistema operacional Livre GNU/Linux, ícone do Software Livre, utilizado em computadores dos mais potentes do mundo a minúsculos telefones e roteadores, que inspirou o desenvolvimento de milhares de programas Livres, dentre eles suítes de oficina, navegadores e servidores web utilizados por milhões de usuários."
15.6.09
Um texto muito instigante de Luiz Felipe Pondé, hoje, na "Folha de S. Paulo":
No fundo, desconfio muito dessa coisa de ética. Antes de tudo porque a palavra "ética" é como "energia", cabe em qualquer lugar. Ética profissional, ética no amor, ética com a natureza, ética na cama. Falando especificamente de cama, quanto mais suja, melhor. Quando ouço alguém falar em nome da ética, fujo.
Prefiro mentirosos inseguros. Os hábitos civilizados dependem mais da mentira do que da verdade.
Claro que não se trata de desprezar a sólida tradição da ética na filosofia: Aristóteles e sua ética das virtudes e do caráter; Kant e sua busca insaciável por regras universais de comportamento; ou os utilitaristas ingleses e os céticos escoceses, e a sensibilidade de ambos para com os limites psicológicos da moral presente no reconhecimento do horror ao sofrimento e da preponderância do hábito e dos afetos sobre ideais abstratos de "bem" ou de "justiça" como verdadeiros critérios da vida moral.
Por exemplo, o que vem a ser "ética no amor"? Dizer pra ela que está gorda? Ou dizer pra ele que seu desempenho está abaixo de seus outros amantes? Ou seja: é dizer sempre a verdade?
Outro tipo que me põe correndo é gente bem resolvida com seus afetos. Só confio em quem enlouquece de ciúme, em quem perde a cabeça quando sua mulher ou seu marido está conversando com alguém do sexo oposto com cara de quem achou um espécime interessante na festa. Aceitar que sua mulher ou seu marido está a fim de outra pessoa e ficar de bem com isso é papo de gente imatura. Ou de quem, na verdade, não ama. Amar é ficar fora de si ou ficar bem consigo mesmo porque não ama mais. Não existe gente bem resolvida, só gente indiferente.
Todavia, com o tempo e as frustrações, a maioria de nós chega à triste conclusão de que é mais feliz quem é mais indiferente.
Aliás, a partir de determinada idade, achar alguém interessante é tarefa para deuses. Com o tempo, temos a impressão que só existem três tipos de pessoas com três tipos de problemas básicos. Suas vidas são comuns; seus anseios, banais; seus desejos, mesquinhos.
Cheias de amores malsucedidos, quanto mais experiência amorosa, mais previsível.
Bobagem essa coisa de dizer sempre a verdade. Coisa de gente que não conhece gente e pior, gente que não gosta de gente. Nesse assunto, não existem imperativos categóricos (leis morais universais à la Kant). Aliás, o grande filósofo alemão Kant era muito bom de filosofia, mas não entendia nada de como as pessoas cheiram ou suspiram.
Por exemplo, tirem o pudor do amor e do sexo, e eles desaparecem. A simples suspeita de que o inferno te espera por culpa de tua fraqueza torna o amor e o sexo dádivas das deusas. Como se com elas deitássemos às escondidas. Por isso minha desconfiança visceral com as bobagens juradas contra o sexo e o amor atormentados pelo pecado.
Já disse antes que confio mais no fígado do que no cérebro, hoje diria que confio mais na alma afogada nas secreções do desejo do que na higiene das santas e honestas. Não há nenhum dos dois (sexo e amor) se não existir a ameaça da condenação. O medo aqui é como uma saia curta que esconde, entre as pernas, uma alma ansiosa. A banalidade da nudez contemporânea é a prova cabal contra o discurso dos afetos bem resolvidos. Neste sentido, os medievais, aliás, como numa série de outras coisas (o leitor dirá "sempre desconfiei que este colunista fosse um medieval"), sabiam mais do que nós, bobos da razão.
Qualquer boa literatura romântica medieval sabe que amor e sexo estão intimamente ligados ao inferno nas paixões. Ninguém ama no paraíso, argumento final contra a salvação. Mesmo na Bíblia, no Cântico dos Cânticos, aquele livro considerado pela tradição judaica como o mais sagrado dos livros sagrados, encontramos a advertência da amada, a heroína da narrativa: "filhas de Jerusalém não despertem o amor de seu sono... a paixão é um inferno".
Mulheres sempre foram vistas como especialistas no amor, talvez pela imagem ancestral de que nunca foram seres iludidos pela razão, mas sempre torturadas pelo desejo. Para mim está é a maior das provas de que cegos são os homens que as veem como inferiores.
Divago, dirá meu caro leitor. Sim, divago, mas não deliro. Como se num voo, do alto, contemplasse homens e mulheres vagando por um continente abandonado, fugindo da própria sombra. Pessoalmente vejo a ética como o combate supremo do homem com o animal que o devora.
No fundo, desconfio muito dessa coisa de ética. Antes de tudo porque a palavra "ética" é como "energia", cabe em qualquer lugar. Ética profissional, ética no amor, ética com a natureza, ética na cama. Falando especificamente de cama, quanto mais suja, melhor. Quando ouço alguém falar em nome da ética, fujo.
Prefiro mentirosos inseguros. Os hábitos civilizados dependem mais da mentira do que da verdade.
Claro que não se trata de desprezar a sólida tradição da ética na filosofia: Aristóteles e sua ética das virtudes e do caráter; Kant e sua busca insaciável por regras universais de comportamento; ou os utilitaristas ingleses e os céticos escoceses, e a sensibilidade de ambos para com os limites psicológicos da moral presente no reconhecimento do horror ao sofrimento e da preponderância do hábito e dos afetos sobre ideais abstratos de "bem" ou de "justiça" como verdadeiros critérios da vida moral.
Por exemplo, o que vem a ser "ética no amor"? Dizer pra ela que está gorda? Ou dizer pra ele que seu desempenho está abaixo de seus outros amantes? Ou seja: é dizer sempre a verdade?
Outro tipo que me põe correndo é gente bem resolvida com seus afetos. Só confio em quem enlouquece de ciúme, em quem perde a cabeça quando sua mulher ou seu marido está conversando com alguém do sexo oposto com cara de quem achou um espécime interessante na festa. Aceitar que sua mulher ou seu marido está a fim de outra pessoa e ficar de bem com isso é papo de gente imatura. Ou de quem, na verdade, não ama. Amar é ficar fora de si ou ficar bem consigo mesmo porque não ama mais. Não existe gente bem resolvida, só gente indiferente.
Todavia, com o tempo e as frustrações, a maioria de nós chega à triste conclusão de que é mais feliz quem é mais indiferente.
Aliás, a partir de determinada idade, achar alguém interessante é tarefa para deuses. Com o tempo, temos a impressão que só existem três tipos de pessoas com três tipos de problemas básicos. Suas vidas são comuns; seus anseios, banais; seus desejos, mesquinhos.
Cheias de amores malsucedidos, quanto mais experiência amorosa, mais previsível.
Bobagem essa coisa de dizer sempre a verdade. Coisa de gente que não conhece gente e pior, gente que não gosta de gente. Nesse assunto, não existem imperativos categóricos (leis morais universais à la Kant). Aliás, o grande filósofo alemão Kant era muito bom de filosofia, mas não entendia nada de como as pessoas cheiram ou suspiram.
Por exemplo, tirem o pudor do amor e do sexo, e eles desaparecem. A simples suspeita de que o inferno te espera por culpa de tua fraqueza torna o amor e o sexo dádivas das deusas. Como se com elas deitássemos às escondidas. Por isso minha desconfiança visceral com as bobagens juradas contra o sexo e o amor atormentados pelo pecado.
Já disse antes que confio mais no fígado do que no cérebro, hoje diria que confio mais na alma afogada nas secreções do desejo do que na higiene das santas e honestas. Não há nenhum dos dois (sexo e amor) se não existir a ameaça da condenação. O medo aqui é como uma saia curta que esconde, entre as pernas, uma alma ansiosa. A banalidade da nudez contemporânea é a prova cabal contra o discurso dos afetos bem resolvidos. Neste sentido, os medievais, aliás, como numa série de outras coisas (o leitor dirá "sempre desconfiei que este colunista fosse um medieval"), sabiam mais do que nós, bobos da razão.
Qualquer boa literatura romântica medieval sabe que amor e sexo estão intimamente ligados ao inferno nas paixões. Ninguém ama no paraíso, argumento final contra a salvação. Mesmo na Bíblia, no Cântico dos Cânticos, aquele livro considerado pela tradição judaica como o mais sagrado dos livros sagrados, encontramos a advertência da amada, a heroína da narrativa: "filhas de Jerusalém não despertem o amor de seu sono... a paixão é um inferno".
Mulheres sempre foram vistas como especialistas no amor, talvez pela imagem ancestral de que nunca foram seres iludidos pela razão, mas sempre torturadas pelo desejo. Para mim está é a maior das provas de que cegos são os homens que as veem como inferiores.
Divago, dirá meu caro leitor. Sim, divago, mas não deliro. Como se num voo, do alto, contemplasse homens e mulheres vagando por um continente abandonado, fugindo da própria sombra. Pessoalmente vejo a ética como o combate supremo do homem com o animal que o devora.
7.6.09
Minicontos do desconforto - 99
Encontrou-a caída ao lado da cama, balbuciando coisas sem sentido, os olhos revirados, a alma na lista de missing persons. Levou-a correndo ao hospital: o diagnóstico foi brando.
Ele suspirou, aliviado. E se deu conta de que, naquele prédio asséptico e depressivo, ser um paciente era ruim, mas velar por ele e esperar o veredicto dos homens de jaleco branco era a essência do Desespero.
Ela se recuperou, mas o medo de perdê-la deixou nele uma profunda cicatriz. Daquelas que o tempo não cura, só infecciona.
Encontrou-a caída ao lado da cama, balbuciando coisas sem sentido, os olhos revirados, a alma na lista de missing persons. Levou-a correndo ao hospital: o diagnóstico foi brando.
Ele suspirou, aliviado. E se deu conta de que, naquele prédio asséptico e depressivo, ser um paciente era ruim, mas velar por ele e esperar o veredicto dos homens de jaleco branco era a essência do Desespero.
Ela se recuperou, mas o medo de perdê-la deixou nele uma profunda cicatriz. Daquelas que o tempo não cura, só infecciona.
16.5.09
É sempre triste quando as velhas parcerias se quebram. Às vezes é dramático; em outras, é apenas o efeito da passagem do tempo.
Independentemente do que aconteça, é preciso fazer força para que os laços não se percam, porque a vida é separadora por natureza, e o tempo é ciumento dos momentos felizes.
Independentemente do que aconteça, é preciso fazer força para que os laços não se percam, porque a vida é separadora por natureza, e o tempo é ciumento dos momentos felizes.
18.3.09
Era para ter postado isso antes: achei muito interessante o filme "Dúvida", até porque ele realmente deixa a gente... na dúvida. Cada um tira as suas conclusões. E algumas falas do padre Flynn (interpretado por Philip Seymor Hoffman) são muito boas, como o sermão sobre a fofoca no meio do filme. Minha cena favorita, entretanto, é quando o padre diz à inocente irmã James (Amy Adams) que um truque das pessoas más para fazer o amor das boas vacilar é inculcar-lhes o discurso da estrita virtude.
19.2.09
Sofri um pequeno acidente (dois tombos seguidos no meio da Presidente Vargas) e rebentei parte da musculatura da mão direita. Fiquei uma semana de molho e estou voltando devagar à ativa, mas vou dizer: que falta nos faz a mão principal na hora das tarefas corriqueiras do cotidiano: vestir-se, comer, barbear-se... Estou fazendo fisioterapia e, se tudo der certo, a mão estará totalmente operacional em fins de março.
Na hora do tombo, estatelado em meios aos carros parados num sinal, eu só pensava: é agora, vai vir um daqueles motoqueiros pelo canto da faixa e irei pelos ares... Felizmente não aconteceu.
Na hora do tombo, estatelado em meios aos carros parados num sinal, eu só pensava: é agora, vai vir um daqueles motoqueiros pelo canto da faixa e irei pelos ares... Felizmente não aconteceu.
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