28.12.06

Caros, um feliz 2007 com muita sorte e boas novas!

26.12.06

O artigo abaixo, publicado no Globo do dia de Natal, é uma das mais belas coisas que já li em jornal.

"Uma ceia mágica

Frei Betto

A Missa do Galo se encerrou aos primeiros minutos de 25 de dezembro. Padre Afonso se deixara contaminar pela aflição dos fiéis, ansiosos por retornarem às suas casas e desfrutarem a ceia antes de as crianças murcharem de sono. Abreviou a homilia, pulou orações, desejou a todos Feliz Natal e lhes deu a bênção final. Uma dezena de paroquianos se ombreou na sacristia para lhe manifestar votos de boas festas. Presentes se sobrepunham a um canto: camisas, meias, livros, essas coisas adequadas a um homem de Deus.

Dependurados os paramentos, padre Afonso se viu sozinho. Miseravelmente só, em plena noite de Natal. O celibato é um dom e ele sabia tê-lo merecido. Ao longo de vinte anos de sacerdócio, acometeram-lhe muitas tentações. Não era o fascínio das mulheres que o levava a duvidar de sua consagração. Admirava-as, sentia-se gratificado por achá-las belas e atraentes. Sinal de que havia nele um macho, o que no íntimo o envaidecia. Perturbava-o a consciência do pai que nunca fora. Muitas vezes, sentia saudades dos filhos que não tinha.

Atormentava-o se ver sozinho à mesa de refeições. Comer é comunhão, partilha, entremear ao cardápio o diálogo ameno e alegre. O alimento lhe caía insosso e, com freqüência, surpreendia-se sonhando de olhos abertos, a mesa cercada por sua família imaginária.

Naquela noite, a solidão lhe bateu forte. Uma solidão com a ponta de amargura advinda de uma expectativa frustrada. Sentia-a na boca da alma. Nenhum dos paroquianos tivera a generosidade de o convidar à ceia.

Padre Afonso revirou os embrulhos de cores brilhantes e encontrou o que bastava: um panetone e uma garrafa de vinho. Enfiou-os na pasta usada para levar sacramentos aos enfermos e se dirigiu à zona boêmia.

Shirley trazia os olhos inchados, o peito sufocado, o coração miúdo. Desde o fim da tarde chorara copiosamente ao recordar os natais de sua infância no norte de Minas. Lembrou da família que a repudiara, do marido que a abandonara, do filho que dela se envergonhava. Sentiu ódio da vida, da desfortuna a que fora condenada. Confusa, teve vontade e medo de sentir ódio também de Deus.

Pudesse, não trabalharia naquela noite. Todavia, não lhe restava alternativa. O acúmulo de dívidas a obrigava a ir à rua e aguardar o dinheiro ambulante que chegava escondido atrás da fantasiosa excitação de sua fortuita freguesia.

Mirou o homem de pasta na mão, camisa sem gola, sapatos escuros. Talvez viesse do trabalho. Enquadrou-o na tipologia adquirida em tantos anos de calçada: tinha o jeito ingênuo dos que buscam apenas se aliviar e, na hora da cobrança, preferem ser generosos no pagamento a enfrentar uma prostituta irada disposta ao escândalo.

Trocaram olhares e ela se esforçou para estampar um sorriso sedutor. Ele parou e indagou; ela apontou o hotel na esquina. Caminharam lado a lado em silêncio, ela sobrepondo seu profissionalismo aos sentimentos esgarçados, ele apreensivo frente ao receio de ser flagrado ali por algum conhecido. Subiram as escadas opacamente iluminadas, em cujos degraus as baratas se desviavam ariscas.

Ao abrir o primeiro botão da roupa, ela ameaçou dizer qualquer coisa, mas ele se adiantou. Explicou que não estava ali em busca de sexo, e sim de companhia. Haveria, contudo, de pagar-lhe o devido. Contou-lhe de seu sacerdócio e de sua solidão, e indagou se ela se dispunha a orar com ele e compartir a ceia.

Shirley sentou na cama, enfiou o rosto entre as mãos e desabou em prantos. Agora era um choro de alívio, de gratidão por algo que ela não sabia definir, quase de alegria. Logo, falou de seus natais na roça, o presépio em tamanho natural que o pai armava no quintal do casebre, o peru engordado durante meses para a ocasião, o bendito puxado por uma vizinha na falta de igreja e padre naquelas lonjuras.

Padre Afonso propôs fazerem uma oração. Ela se ajoelhou e ele a tomou pela mão e fez com que se sentasse de novo. Ele ocupou a única cadeira do quarto. Abriu o Evangelho de Lucas e leu, pausadamente, o relato do nascimento de Jesus. Em seguida, perguntou se ela gostaria de receber a eucaristia. Shirley pareceu levar um choque. Como ela, uma prostituta, poderia receber a hóstia sem sequer ter se confessado? O sacerdote leu o texto de Mateus (21,28): "As prostitutas vos precederão no Reino de Deus." E acrescentou que era ele, e essa sociedade cínica, injusta, desigual, que deveriam se confessar a ela e pedir perdão por a terem obrigado a uma vida tão degradante.

Após a comunhão, padre Afonso tirou dois copos da pasta, encheu-os de vinho e partiu o panetone. Os dois ainda conversavam sobre suas vidas enquanto clareava o dia."
A primeira vez que ouvi "Sex machine", do James Brown, não gostei. Achei rascante demais, crua demais. Mas, anos mais tarde, "I got you (I feel good)" me tirou a implicância. É uma pena que o "hardest working man in soul" se tenha ido. Bom, pelo menos o céu vai ficar bem mais animado.
Minhas duas colunas mais recentes no Info Etc.

11-12-2006

A PRAGA DOS "MOJOS"

André Machado

Recebi um recorte digital do "Washington Post" muito preocupante. O recorte conta as novidades inventadas por uma cadeia americana de jornais para fazer face ao crescimento avassalador da internet. A mídia impressa, de fato, está tendo de se adaptar aos novos tempos em que o ciberespaço elevou à enésima potência as conseqüências da "aldeia global" prevista por Marshall McLuhan. Entretanto, as mudanças promovidas por um jornal da mencionada cadeia, no estado da Flórida, merecem reflexão.

O site do jornal passou a ser o principal receptáculo das notícias apuradas. E os repórteres que as escrevem não têm mais mesa, cadeira, terminal - em suma, não têm redação para onde voltar após as tarefas de apuração. Eles não vão a campo; eles vivem em campo. São, por isso mesmo, chamados de "mobile journalists", ou "mojos" (a palavra "mojo" em inglês também é gíria para "feitiço"). Os "mojos" praticamente ficam na rua o dia inteiro, em seus carros, como aqueles tiras que vemos nos seriados policiais, correndo atrás das notícias. Carregam consigo uma parafernália tecnológica: notebook com acesso wireless à internet, mais gravador, câmera fotográfica e filmadora (tudo digital). Apuram várias histórias por dia, tiram fotos (ou filmam) e, ato contínuo, publicam tudo no site do jornal. O recorte do "Post" acompanha um desses repórteres móveis numa de suas tarefas típicas: o lançamento de uma agenda comemorativa beneficente com fotos de atletas de uma cidadezinha.

O leitor há de perguntar: mas isso é notícia? Na era da globalização, o mote, por incrível que pareça, é ser online, mas cada vez mais local. Pelo menos é nisso que acreditam os editores da tal cadeia de jornais.

Apurada a "reportagem", o "mojo" mostrado pelo recorte entra no seu carro, abre o notebook e escreve a matéria ali mesmo, enquanto fala ao celular e toma uns goles da Coca-Cola instalada no vão entre a caixa de marcha e o painel de controle. A única luz é a do notebook. As costas devem doer...

Os diretores do jornal planejam ter pelo menos 14 repórteres móveis free-lance em breve, e a equipe permanente (de 30 repórteres) também vai começar a se deslocar para o novo esquema de trabalho. Além disso, aproveitando o esquema "faça-você-mesmo" que blogs, fotologs, videologs e a facilidade de acesso instantâneo da web permitem, a publicação investirá em matérias investigativas... investigadas pelos próprios internautas, acreditando que na prática seriam gerados "milhares de repórteres investigativos em vez de só três", como disse um executivo ouvido pelo "Post".

E também haverá um editor especializado em "construir audiências", para garantir que as histórias de maior apelo fiquem sempre no alto da página. Os comentários dos leitores serão estimulados em "message boards" (alguém aí se lembra do BBS?). E, claro, o ritmo da publicação online não pode parar. A pergunta é: deve-se publicar qualquer coisa, notícia genuína ou não? A turma da redação já está chiando: os textos dos "mojos" não passam pelos editores e acabam enfocando coisas desinteressantes (cadê a pauta?, dizem eles), e a pressão por alimentação ininterrupta do site já gerou pelo menos um constrangimento, quando um editor passou pela redação reclamando que o site não era atualizado há algum tempo e que era preciso publicar alguma coisa, fosse o que fosse.

Não é assim que se faz jornalismo, tenham certeza. Mas isso não é o pior - entre as mudanças previstas pelos "gênios" da cadeia de jornais, está a idéia de fazer repórteres acompanharem contatos de publicidade a clientes, para explicar melhor como seriam determinadas matérias de interesse... O que viola a condição básica e sagrada de qualquer imprensa livre: a redação aqui, o comercial lá longe.

Ler o recorte me causou calafrios. Alguém precisa dizer a esses caras que eles estão completamente malucos. De qualquer modo, acho que seria meio impossível ver um "mojo" aqui no Rio. Imagine. Carregar notebook, celular, filmadora e câmera digital para a rua. O título da primeira matéria do sujeito ia ser "Perdeu, tio!". E ela seria escrita à mão...

* * *

13-11-2006

EM DEFESA DA LIBERDADE

André Machado

Os criadores do projeto de lei que quase foi à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado semana passada, e que exigia a identificação prévia dos usuários de internet para fazer qualquer coisa no ciberespaço, desde trocar emails até ir às compras, estão naturalmente convencidos de sua justeza e legitimidade. O relator do projeto disse ao GLOBO inclusive que não era verdade que a navegação dos internautas seria rastreada. Ora bolas, se não iria haver rastreamento, por que então a identificação obrigatória?

Eu escrevo muitas matérias sobre segurança da informação, e a preocupação com ela é legítima na era em que literalmente tudo é informação. Entretanto, é possível notar quando a legítima preocupação toma um desvio e se transforma em desculpa esfarrapada para iniciativas autoritárias. Aliás, até faz sentido o assunto vir agora à baila (antes da eleição, nenhum político se atreveria a falar nisso), num momento em que certos setores oficiais voltam ao velho vício (tão velho quanto a História) de tentar desacreditar o trabalho dos jornalistas.

Os autores do projeto bem poderiam dizer que ele n’est autre chose que la justice prompte, sévère, inflexible, isto é, que não passa da justiça imediata, severa, inflexível contra os malfeitores da web que tanto nos incomodam com phishing, spam, vírus e ciberfraudes. Esquecem-se de que foi exatamente com estas palavras que Maximilien de Robespierre - um político que passou à História com a aura de incorruptível - definiu a necessidade do Terror na Revolução Francesa. E o terror, em qualquer época, sempre transforma primeiro os cidadãos em reféns.

Consta que o projeto será apreciado por mais duas semanas. Mas deveria sê-lo por no mínimo mais dois anos, ou corremos o risco de termos nosso direito de ir e vir no ciberespaço confiscado para sempre, algo inadmissível. Nunca é demais lembrar o que escreveu John Perry Barlow na Declaração de Independência do Ciberespaço: "Governos do Mundo Industrial, (...) vocês dizem que há problemas entre nós [do ciberespaço] que precisam resolver. Usam essa alegação como desculpa para invadir nosso recinto. (...) Seus conceitos legais de propriedade, expressão, identidade, movimento e contexto não se aplicam a nós. Eles são todos baseados em matéria, e não há matéria aqui."

Vá lá, o próprio Barlow hoje admite que deve haver alguma governança na internet. Mas ela requer doses cavalares de prudência e bom senso. Não bastam boas intenções. Veja-se onde Robespierre terminou: ele queria a pronta justiça, mas acabou justiçado na guilhotina.

Esse tipo de projeto só poderia surgir numa era em que a informação ganha "valor agregado", embora de fato imaterial. Mas ainda há quem recorde os tempos em que os bits eram simplesmente passados de mão em mão: a turma do software livre e do código fonte-aberto. Semana passada, um artigo na Zdnet dizia que o mundo ainda não está preparado para o GNU/Linux, porque faltam jogos, suporte e há "sabores" demais do sistema operacional do pingüim. Mas há que existir uma alternativa a um mundo com apenas um sistema. As pessoas precisam ter a chance de escolher, experimentar e enveredar por bits diferentes. Viva a diferença.

Se o mundo open-source não fosse importante, a Microsoft não teria fechado o recente acordo com a Novell, para melhorar a interoperabilidade do Windows com o Suse Linux. Nem a Oracle teria entrado no jogo, oferecendo suporte ao Red Hat Linux. Os gigantes estão muito atentos à comunidade aberta. Que, no entanto, deve permanecer aberta a todo custo. Ela pode ser o último bastião contra o "valor agregado".

21.12.06

Este Guardião deseja um feliz Natal a todos. Que lembremos o significado real desta celebração, que é o amor em todas as suas formas, e não o consumo em todas as suas formas...

20.12.06

Sobre este aumento INDECENTE dos nossos parlamentares: o subsídio que eles hoje ganham (de R$ 12 mil) já é um abuso. Na verdade, deveriam ganhar metade disso. Talvez assim se candidatassem somente as pessoas com real interesse em contribuir para melhorar o país.

E os caras deveriam passar pelo menos um mês por ano vivendo com salário mínimo, tendo que pegar ônibus para ir ao trabalho e comendo mal.

Esse papo de que "temos que ganhar bem para ter independência" é de uma abjeção quase indescritível. Ética é um valor pessoal, não se pode medir por bens materiais. E ponto!

16.12.06

Ain't it funny how the time slips away
'Cause now I'm leavin' and I wish I could stay
People wonder why they don't get a chance
They wait for music but they don't get to dance
Mmm, well now I know when my work is through
I'm gonna be with you

(Paul Stanley, "Goodbye")
Oração da crise de meia-idade

(Escrita por Robert Wilde para sua jovem musa em 1886)

Ó Ponce de Léon, ensina-me o caminho até tua fonte: porque tudo que desejo é ter vinte e dois anos e um mundo a conquistar. Mas do mundo não precisarei -- troco-o de bom grado por um beijo, um só beijo, da linda Circe que enfeitiçou todas as artérias pulsantes de meu corpo para que pulsem só por ela.
Mais uma sessão de violão e cantoria ontem com o grande instrumentista Manoel e a turma no Baixo Globo. Desta vez aproveitei para tocar "Light my fire" e "Roadhouse blues", dos Doors.

13.12.06

"An idea is a greater monument than a cathedral."

(Henry Drummond, no filme "O vento será tua herança")

8.12.06

Eu já tinha recebido de presente de aniversário de minhas amigas meu musical favorito, "My fair lady", baseado na peça "Pigmalião", de Bernard Shaw. Mas hoje, ao chegar ao trabalho, minha musa Bárbara Veloso me presenteou com o DVD de "Em algum lugar do passado", meu filme favorito de todos os tempos (o livro é igualmente primoroso). Estou transtornado de emoção até agora.

5.12.06

Em tempo: este blog fez cinco anos de vida no dia 30. Um brinde à longevidade ;-)
E por falar em levar um som (veja o Cadafalso I), na última sexta fomos ao tradicional Galeto, aqui perto do jornal, e nosso coleguinha Manoel estava tocando um violão por lá. Acabei dando uma canja, entre vários outros violeiros que estavam na área, e foi muito divertido. Até sacudi a poeira do violão lá em casa no fim de semana e treinei um pouco. Yes!