7.6.05

Minicontos do desconforto -- 79

Quando acordou, sabia que ia morrer. Tivera pesadelos terríveis a noite toda, e a manhã estava fria (embora fosse verão) na borda do campo de batalha. Na colina oposta, tremulava o estandarte do adversário -- um arrivista covarde, filho de rainha viúva com camareiro. Ele, ali, o último dos reis guerreiros de uma longa linhagem, sabia que o trono era seu por direito, mas fora longe demais. Mandara matar gente demais; achara que o povo odiaria, como ele e os seus de York, a esposa de seu irmão, o falecido rei Eduardo, uma pobretona que pôs todos os parentes nos melhores cargos e, no fundo, ajudara a levar à Torre seu irmão George.

Mas o povo era volúvel, como o é em todos os tempos, e ele, o caçula e o mais leal irmão do rei Eduardo -- George, era verdade, vivia conspirando -- passou a ser temido. Ainda mais depois que seus sobrinhos desapareceram misteriosamente da Torre. Disseram que ele os havia assassinado para garantir sua permanência no trono.

Só ele sabia a verdade. Mas não podia revelá-la. Deixaria que a História se encarregasse disso, se seus representantes fossem competentes.

Vestiu-se para a batalha e subiu no cavalo, que estava inquieto.

Quando finalmente as lanças e espadas dos soldados do Duque de Richmond atravessaram seu corpo, Ricardo III da Inglaterra só pôde sentir alívio.

Era o ano de 1485 e o campo de Bosworth se encheu de fantasmas. E fantasmas não têm pesadelos.

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