31.3.03

A atual edição do SpamZine, além de alguns minicontos deste humilde escriba, publicou textos sensacionais de Marcelo Barbão e Nelson Moraes. O primeiro trama uma vingança contra Platão por ter expulsado de sua polis ideal os poetas; o segundo escreveu um conto noir a la Brás Cubas simplesmente delicioso. Vá até o site e assine o periódico digital, distribuído por e-mail. Não custa nada.

28.3.03

Sobre "O pianista": é tocante a progressiva desumanização do personagem-título, interpretado por Adrien Brody. As medidas nazistas no Gueto de Varsóvia vão aumentando gradativamente até o ponto em que nada mais resta da vida dele. Mas sua redenção (suprema ironia) é quando executa com paixão um Chopin numa Varsóvia arrasada, para um capitão nazista ouvir. A cena não tem diálogos, só a expressão dos atores e a música. Foi essa cena que deu o Oscar de melhor ator a Brody.

Também vi "Chicago" (já tinha visto a peça) e gostei. O humor ácido e a sátira do texto original estão lá. E Catherine Zeta-Jones não é só um pedaço, é o mau caminho inteiro. Renée Zellwegger também está bela, mas um pouco forçada.



26.3.03

Já está no Falaê meu novo espaço, chamado, apropriadamente, de Coluna do Cadafalso. O texto atual é o conto "No cinema", que postei aqui já faz algum tempo, e que escrevi com Crib Tanaka. Outras novidades aparecerão por lá. O nobre editor Augusto Sales já me perguntou se penso em algo para os minicontos (que também saem no SpamZine). Certamente vamos bolar alguma coisa, e logo avisarei vocês sobre os resultados.

21.3.03

Minicontos do desconforto -- 49

Ele estava dormindo e pouco sentiu o baque surdo em seu flanco -- apenas o suficiente para acordar. Era ela, que viera pegar um cobertor na estante e simplesmente desmaiara sobre o companheiro.

O mal-estar de sua amada foi passageiro. Mas não o medo desvairado que ele sentiu de perdê-la.

Depois da madrugada agitada, conciliou a custo o sono. E quando acordou, jurou que a companheira -- que, recostada no sofá, lia o jornal -- tinha se transformado numa boneca de porcelana.

20.3.03

"What difference does it make to the dead, the orphans, and the homeless, whether the mad destruction is wrought under the name of totalitarianism or the holy name of liberty and democracy?"

Gandhi

14.3.03

Conta-se que nos idos de 1890, certa manhã, bem cedinho, Oscar Wilde voltava da farra para sua casa na rua Tite em Chelsea, Londres, quando deu de cara com um velhinho:
-- Bom dia, senhor, eu vim cobrar os impostos.
Wilde, fingindo surpresa, retrucou:
-- Impostos? Mas por que eu deveria pagar impostos?
-- Bem... o senhor mora aqui, dorme aqui, não é? -- disse o cobrador.
-- Sim, mas o senhor vê... eu durmo tão mal...

13.3.03

Respostas

Por que escrevo? Porque não há mais para onde ir. Porque a solidão sussurra em meus ouvidos sem firewall às quatro da manhã. Porque tenho dificuldade de respirar. Porque só posso tê-la em sonhos sem nexo. Porque há poços de preconceitos na campina florida. Porque o tédio é o fruto amargo da virtude.

Porque minha alma não se encaixa direito no meu corpo e se debate entre as moléculas.

10.3.03

Minicontos do desconforto -- 48

Proferiu a velha frase: vou ali comprar cigarros. E logo entrou para as estatísticas dos desaparecidos. Durante anos a fio a família tentou de tudo: jornais, rádio, tv, internet, panfletos nos lugares mais insuspeitos. Por fim desistiram. E reconheceram que devia ter morrido.
E era verdade -- ele tivera uma crise de asma durante a viagem de ônibus para o fim do mundo que empreendera após passar no boteco e comprar os cigarros anunciados. Esquecera o inalador e morreu no assento 32. Como estava sem documentos, acabou na vala comum.
Acordou sobressaltado, diante de um portão celestial. Uma mesa com o livro de chegada ficava à esquerda da entrada.
-- Olá? -- chamou.
Ninguém respondeu. Até que divisou, no meio da névoa, diversos indivíduos maltrapilhos sentados junto ao muro. Aproximou-se de um deles e perguntou por São Pedro. Ouviu como resposta uma risadinha roufenha.
-- Ora, então você não sabe? Ele saiu para comprar cigarros e volta já.

7.3.03

"A velhice pode ser o nosso tempo de ventura. O animal está morto, ou quase morto. Restam o homem e a alma."

(Jorge Luis Borges)

6.3.03

Flashes -- III

O gato vivia olhando para o teto e miando sem parar. Era comum acontecer no fim da noite. O dono achava graça.
-- Por que será? -- perguntou à mulher.
-- Ele está vendo seus pensamentos -- resmungou ela. -- Eles estão sempre lá em cima, não é? De tanto você "viajar", ficou um bolo enorme de pensamentos desgarrados naquele canto ali.
Ele riu, meio desconcertado.
E nesse momento um pensamento se desgrudou de seu cocuruto e foi se instalar no canto irrequieto.
O gato miou -- e riu o sorriso do gato de Alice.
-- Viu? -- provocou a mulher.
-- Hein? O quê?