30.4.02

Minicontos do desconforto -- 16

"Você não deve se envolver com uma mulher misteriosa de olhos negros", disse a cartomante. E ele, sempre supersticioso, assentiu. Ao deixar a tenda, tropeçou nela. Miúda, sorriso franco e olhos verdes. Gostaram-se de cara. Saíram dali para o primeiro drinque. Acabaram fazendo amor no elevador, a caminho do apartamento dela.

Ele sentia o peito explodir de felicidade e prazer. Sentou-se no sofá, pensando em como aquilo era refrescante, diferente de tudo que já vivenciara. Então ela voltou lá de dentro.

E seus olhos eram agora negros como azeviche.

Ele soltou um grito e fugiu espavorido, deixando mudo na boca da companheira o comentário sobre as lentes de contato.

29.4.02

Agora, além de rabiscar umas crônicas para o site Falaê, do nobre Augusto Sales, acabo de estrear como colaborador do prestigiado emailperiódico SpamZine, para o qual fui gentilmente convidado pelo Alexandre Inagaki. Ele está reunindo os Minicontos do Desconforto, postados aqui, na atual e nas próximas edições. Desnecessário dizer que estou superfeliz por fazer parte de ambos os times. Fiquei tempo demais escrevendo para as gavetas. Agora chega! Gaveta nunca mais! ;-)))
Então, quero aproveitar este post para agradecer de público e efusivamente ao Augusto, ao Inagaki e à Suzi Hong, que foi tão delicada ao me apresentar em seu editorial. Valeu, moçada! E contem comigo!

26.4.02

A verdade sobre os anos finais de Hércules

Depois que terminou os doze trabalhos, Hércules casou-se. Estava na hora de descansar, pensou.

Passaram-se anos. Anos pondo o lixo para fora de casa, discutindo com os filhos adolescentes (que combinavam a força hercúlea com aquele coquetel de hormônios efervescentes), disputando o controle remoto da TV Olimpo (que vivia dando pau por causa da interferência dos raios de Zeus), ouvindo um milhão de vezes "você é muito bruto e além do mais estou cansada, com dor de cabeça" e recebendo a visita da sogra, uma nova-rica emergente de Corinto, toda semana.

Finalmente, o herói resolveu procurar de novo o rei Euristeu, que lhe delegara os trabalhos em nome de Hera, esposa de Zeus.

-- Quero mais doze trabalhos -- desabafou.

Euristeu, canalha que era, sorriu de orelha a orelha.

-- Por quê? Achou que a seqüência já tinha acabado?

-- Como assim? O memorando que Hera te mandou dizia doze, não?

-- Não. Treze. O décimo-terceiro trabalho é ficar trinta anos casado com a Djanira.

Foi aí que Hércules passou na feira diante do palácio e comprou o manto envenenado que o matou.

25.4.02

Minicontos do desconforto -- 15

Ao ver, muitos anos mais tarde, a espada na mão do carrasco, enquanto subia os degraus do cadafalso, ela lembrou-se de sua última fuga em terras escocesas, quando o mar lhe dera a opção de seguir para a Inglaterra ou a França. A primeira representava o desconhecido, a aventura, o perigo; a segunda, a segurança da família e de seus seguidores. Embarcou ainda incerta, mas atraída pela incógnita inglesa; no meio da travessia fraquejou e pediu que o barqueiro a levasse para a costa francesa. Foi então que soprou um vento suave que empurrou, com mãos frias mas gentis, o barco para a Inglaterra.

Resignou-se e saltou, com toda a sua altura e beleza, numa humilde vila de pescadores. Aliviada por ter deixado a Escócia e suas intrigas, não percebeu quando o jovem barqueiro, vestindo uma túnica, se despediu. Um dos lordes que a acompanhavam, porém, agradeceu ao rapaz e deu-lhe algumas moedas de ouro, dizendo:

-- Mestre Caronte, ser-lhe-emos eternamente gratos.

O barqueiro apenas sorriu e fez-se ao mar, logo sumindo na manhã nevoenta.

19.4.02

Terminei enfim meu novo livro, isto é, a blognovela. Ufa! Agora é ler e corrigir tudo antes de publicar na web. Espero fazê-lo em duas semanas.
É uma delícia terminar o que se começa. Cansa, mas a gente se sente mesmo realizado.

18.4.02

Sobre poesia:

"Se alguém te perguntar o quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo... " (Mário Quintana)

"A poesia é uma religião sem esperança." (Jean Cocteau)

"Os poetas não enlouquecem, mas os jogadores de xadrez, sim. (G. K. Chesterton)

17.4.02

"Amoroso palor meu rosto inunda,
Mórbida languidez me banha os olhos,
Ardem sem sono as pálpebras doridas,
Convulsivo tremor meu corpo vibra...
Quanto sofro por ti! Nas longas noites
Adoeço de amor e de desejos...
E nos meus sonhos desmaiando passa
A imagem voluptuosa da ventura:
Eu sinto-a de paixão encher a brisa,
Embalsamar a noite e o céu sem nuvens;
E ela mesma suave descorando
Os alvacentos véus soltar do colo,
Cheirosas flores desparzir sorrindo
Da mágica cintura.
Sinto na fronte pétalas de flores,
Sinto-as nos lábios e de amor suspiro...
Mas flores e perfumes embriagam...
E no fogo da febre, e em meu delírio
Embebem na minh'alma enamorada
Delicioso veneno."

(Álvares de Azevedo)

16.4.02

Vi ontem um programa no People and Arts sobre fantasmas na Inglaterra. Entre os mais famosos, estão, é claro, os de Ana Bolena e Catarina Howard, respectivamente segunda e quinta esposa de Henrique VIII. Ambas morreram decapitadas, a primeira por ter inimigos demais na corte e por não ter dado o filho varão que o impaciente Henrique esperara após seu complicado divórcio de Catarina de Aragão e rompimento com o Papa. A segunda, por cornear o rei descaradamente. O fantasma de Ana costuma ser visto perto dos aposentos onde passou sua última noite de vida, na Torre de Londres, e o de Catarina, num corredor que leva à capela do palácio de Hampton Court. Conta-se que, pouco antes de morrer, ela teria escapado temporariamente do aposento onde estava confinada e disparado pelo corrredor, batendo desesperada na porta que dava para a capela, onde Henrique estava rezando. O rei não a atendeu. E o corredor ficou marcado desde então. Brrrr!

14.4.02

Sobre o amor:

"There isn't any formula or method. You learn to love by loving." (Aldous Huxley)

"Have you ever been in love? Horrible, isn't it? It makes you so vulnerable. It opens your chest and it oepns up your heart and it means that someone can get inside you and mess you up. You build up all these defenses, you build up a whole suit of armor, so that nothing can hurt you, then one stupid person, no different from any other stupid person, wanders into your stupid life...You give them a piece of you. They didn't ask for it. They did something dumb one day, like kiss you or smile at you, and then your life isn't your own anymore. Love takes hostages. It gets inside you. It eats you out and leaves you crying in the darkness, so simple a phrase like 'maybe we should be just friends' turns into a glass splinter working its way into your heart. It hurts. Not just in the imagination. Not just in the mind. It's a soul-hurt, a real gets-inside-you-and-rips-you-apart pain." (Neil Gaiman)

"Keep love in your heart. A life without it is like a sunless garden where the flowers are dead." (Oscar Wilde)
Minicontos do desconforto -- 14

Acabara de acender um cigarro e dava uma preguiçosa tragada, quando ela começou a chorar e tomou sua mão, apertando-a docemente. Sentiu que a angústia que transbordava de seus olhos, lindos e desamparados, escapava por entre os dedos dela e penetrava em seus vasos capilares, o que causou nele uma tremedeira seguida de um tufão de sentimentos a princípio desconexos.

Antes que ela o dissesse, ele entendeu imediatamente a extrema solidão e a nostalgia invencível da inocência que queimavam no cérebro de sua companheira de mesa. Tudo aquilo que estava impresso nos olhos dela e que até ali não soubera aquilatar. Então os tremores aumentaram, pois era exatamente assim que ele se sentia há muito tempo. Seu peito -- protegido há anos por extensa carapaça de aço -- de súbito amoleceu, e ele a amou, ou descobriu que a amava, longa e sofregamente, desde o primeiro instante em que lera seu nome, em letras miúdas, após um parágrafo carregado de dor, mostrado por um amigo comum.

Mas como dizer-lhe? Ele estava velho e desiludido; mais um ponto no seu rejeitômetro e morreria ali mesmo. Ela continuava a chorar -- tão sozinha, em todos os sentidos -- e ele tremia com a força da emoção teleportada, mas também com medo de se levantar, abraçá-la e beijar sua boca, inundando-a com a única coisa que poderia lhe dar: um novo desejo. Um rastilho finíssimo de esperança.

Só parou de tremer quando percebeu algo quente descendo por sua face esquerda. Era uma lágrima. Sentiu-se beatificado com o pranto copioso que afinal expulsava de seus próprios olhos, após o que lhe parecia o triássico, o jurássico e o cretáceo juntos, e deu um longo suspiro de alívio. Perdeu a noção do tempo e quando olhou para a cadeira à sua frente, em meio à neblina, ela não estava mais lá.

Estava a seu lado.

Delicadamente, ela pôs os braços em volta de seu pescoço.

E beijou-o na boca.

10.4.02

Momento rock -- 11

"Sexo, drogas e rock and roll. Livre-se das drogas e terá mais espaço para os outros dois."

Steven Tyler, Aerosmith

9.4.02

Entre outros temas, de vez em quando gosto de escarafunchar os detalhes do assassinato do presidente americano John Kennedy, em Dallas, em 1963. Há teorias as mais estranhas sobre o tema, mas é impossível, hoje, acreditar que Lee Oswald fez o serviço sozinho. Este website defende a teoria de que o próprio motorista do carro deu o tiro fatal na cabeça de Kennedy (na verdade uma ilusão de ótica no filme amador que Abraham Zapruder fez do assassinato). O site traz um trecho do filme, que toca em Windows Media. E não é que parece mesmo que o motorista atirou? Que doideira.

8.4.02

Imperdível esse negócio aqui. Muito divertido.
Senhores, a terra não é redonda. É plana e tem a forma de um pentágono.

O quê? Não acreditam? Bom, então vocês terão de se haver com a Flath Earth Society, que defende justamente a definição acima...

"The Society is opposed to the fashionable, politically correct Spherical Earth theory, which is expounded every day by so-called "scientists", the media and political leaders. The Society asserts that the Earth is flat and has five sides, that all places in the Universe named Springfield are merely links in higher-dimensional space to one place, and that all assertions are true in some sense, false in some sense, meaningless in some sense, true and false in some sense, true and meaningless in some sense, false and meaningless in some sense, and true false and meaningless in some sense."

Durma-se com um barulho desses. E cuidado para não cair da cama ;-))
Conversas populares

Entre o trocador e o despachante de uma linha de ônibus no Mergulhão:

-- Vai com calma aí, mermão. Não precisa ficar nervoso com o horário.

-- Não enche, porra.

-- Você quando era trocador não era assim, não. Vai se estressando assim que acaba igual ao outro lá, que teve um treco e caiu para trás com o branco dos olhos pra fora. Enquanto isso, o português [presumivelmente o dono da empresa] está tomando uísque lá em Miami.

* * *

Entre dois semi-bebuns em frente a uma igreja no Fonseca:

-- Também não é assim...

-- Como não? Esse filhadaputa não está nem aí pra gente. O hômi só quer saber de receber diploma e ficar no bem-bom lá na Suécia, Dinamarca, o caralho. Cê acha que ele está ligando pra isso aqui? Tá é se lixando...

* * *

Entre a mulher que ficou duas horas tocando a campainha para descer do ônibus e o motorista furioso com aquele barulho no seu ouvido:

-- O senhor não ouviu que eu toquei essa merda um tempão pra parar no outro ponto????????!?!?

-- O que a senhora tocou foi a descarga. A merda vai descer agora.

* * *

Entre duas sócias de um clube:

-- Pensei que aqui não pudesse entrar cachorro...

-- Ah, minha filha, se fosse assim a freqüência caía pela metade...

* * *

Entre o tecladista distraído e seu parceiro baterista:

-- Atenção! Sol menor!

-- Foda-se!

(Sonoras gargalhadas de ambos os lados)
Entre chopes, no intervalo da night musical niquitense, o valoroso batera Marcos soltou esta pérola da dialética do casamento, cujo autor não lembramos:

-- As mulheres se casam conosco porque acham que podem nos mudar. Mas não mudamos. Nós nos casamos com as mulheres porque achamos que não vão mudar. E elas mudam -- suspirou.

5.4.02

Para quem nunca leu o romance, a deliciosa descrição da escrava Isaura, por Bernardo Guimarães:

"Subamos os degraus, que conduzem ao alpendre, todo engrinaldado de viçosos festões e lindas flores, que serve de vestíbulo ao edifício. Entremos sem cerimônia. Logo à direita do corredor encontramos aberta uma larga porta, que dá entrada à sala de recepção, vasta e luxuosamente mobiliada. Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça. As linhas do perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa do piano, e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas linhas, que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise. A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. O colo donoso e do mais puro lavor sustenta com graça inefável o busto maravilhoso. Os cabelos soltos e fortemente ondulados se despenham caracolando pelos ombros em espessos e luzidios rolos, e como franjas negras escondiam quase completamente o dorso da cadeira, a que se achava recostada. Na fronte calma e lisa como mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e suave reflexo; di-la-íeis misteriosa lâmpada de alabastro guardando no seio diáfano o fogo celeste da inspiração. Tinha a face voltada para as janelas, e o olhar vago pairavalhe pelo espaço. Os encantos da gentil cantora eram ainda realçados pela singeleza, e diremos quase pobreza do modesto trajar. Um vestido de chita ordinária azul-clara desenhava-lhe perfeitamente com encantadora simplicidade o porte esbelto e a cintura delicada, e desdobrando-se-lhe em roda amplas ondulações parecia uma nuvem, do seio da qual se erguia a cantora como Vênus nascendo da espuma do mar, ou como um anjo surgindo dentre brumas vaporosas. Uma pequena cruz de azeviche presa ao pescoço por uma fita preta constituía o seu único ornamento. Apenas terminado o canto, a moça ficou um momento a cismar com os dedos sobre o teclado como escutando os derradeiros ecos da sua canção."

4.4.02

Minicontos do desconforto -- 13 *

Ele abriu o freezer. Já fazia seis meses que pusera lá o coração. Achava que estava pronto para outra, agora que a esquecera. Tirou o pote e o depositou na pia. Enfiou o coração de volta na caixa torácica. Só então percebeu que ele não sabia mais bater.

* Este miniconto foi inspirado num devaneio de Crib Tanaka após uma troca de emails com o Guardião do Cadafalso. O devaneio de Crib terminava assim: "Abri o congelador e pus lá meu coração. Sentei em frente ao computador e me propus produzir. No final da tarde, liguei para os classificados e paguei por um outdoor, em plena Linha Vermelha. À frente da imagem de um coração azul, em caps lock e negrito, a frase: só por uns tempos."

2.4.02

Minicontos do desconforto -- 12

Ele falava entusiasmadamente com ela quando a flagrou com aquele olhar maroto que antecede uma travessura. Ela o interrompeu uma fração de segundo depois dando-lhe um beijo de leve na boca e abraçando-o com genuína ternura. Ele não soube como reagir; teve ânsias de deitá-la no chão do bar lotado e possuí-la ali mesmo. Mas conteve-se. Sabia que ela confiava nele, e aqueles selinhos não eram incomuns entre os dois.

Ela o olhou falando rápido como uma metralhadora, como de hábito, e sua alma tremeu. Pensou "que diabos, por que ele não me beija?". Logo começou a sorrir com os olhos e decidiu tomar a iniciativa. Queria calá-lo com um amasso poderoso, mas conteve-se. Saiu um beijo de amiga e um abraço de irmã. Ficou puta consigo mesma ao perceber que o deixara sem ação.

Foi o mais perto que chegaram de um romance.
Vários sites internacionais de tecnologia aproveitaram o dia de ontem para pregar peças de 1 de abril na galera. A mais divertida, de longe, foi a que mostra como a supertecnologia de busca do Google é controlada por... pombos ;-)))). Simplesmennte hilário. Veja aqui.