28.6.04

Este fim de semana revi "O Homem Elefante", um dos mais comoventes filmes já feitos. E um dos mais lineares de David Lynch, também. Eu me emocionei exatamente como aconteceu quando assisti ao filme pela primeira vez, no antigo Cine Veneza, na Urca. A decisão de Lynch de filmar em preto e branco foi acertada; até hoje me parece que filmes sobre a era vitoriana, uma era que só conhecemos em p x b , deveriam ser assim. Anthony Hopkins está contido como o dr. Frederick Treves, e John Hurt arranca lágrimas até de uma pedra em sua recriação de John Merrick.

23.6.04

Eu contei que fui a Brasília outro dia? Minha primeira impressão da cidade foi a de um imenso campus universitário espalhado pelo cerrado, sob um belo céu azul. O tempo estava uma beleza.

Do alto, no avião, quando eu chegava, deu para ver um pedaço do plano piloto, todo iluminado à noite.

Mas a falta de cruzamentos realmente confunde a gente. E é tudo muito espalhado, ao contrário do nosso Rio apertado entre mar e montanha. Estranhei, de fato.

Entretanto, a cidade tem seu charme, definitivamente.

18.6.04

Sexta de fechamento: só eu e Elis.
Semana que verem serei eu... e eu (ela estará de férias).
Pelo menos até quinta, quando nosso editor-assistente retorna à lida.
Vai ser uma semana comprida.

10.6.04

"Selfishness is not living as one wishes to live, it is asking others to live as one wishes to live."

Oscar Wilde (1854 - 1900)

6.6.04

Muito bom o artigo de Carlos Haag ontem no Globo analisando "A ética protestante e o espírito do capitalismo", do bom e velho Max Weber. O trecho mais legal é este:

"O capitalismo nasceria, portanto, de uma 'teodicéia do sofrimento', em que o sofrer perde o seu registro negativo e se transmuta em ética do racionalismo. (...) Ter riquezas não é um pecado; ao contrário, pode indicar justamente o caráter de 'eleito' por Deus. Desde que, é claro, sem o prazer e com todo o trabalho decorrente dessa posse, adquirida legalmente. Em contrapartida, o Criador oferece ao poder do ascetismo religioso uma 'classe operária'laboriosa.

"(...) A ética protestante foi necessária para converter a ganância natural de riquezas numa frugalidade com propósito e racionalidade. O calvinismo, ao abolir a distinção entre sagrado e profano, tirou o ideal ascético das ordens religiosas para a vida secular. 'O puritano queria trabalhar por vocação; nós somos forçados a isso. Pois quando o ascetismo foi retirado da cela monástica e jogado no cotidiano, ele teve sua parte na construção do cosmos da ordem econômica moderna', escreve Weber. A frugalidade de que falava Adam Smith agora deriva não de um desejo natural por mais riqueza, mas de um desejo de salvação da alma."

É uma idéia interessante misturar a relação com Deus e a salvação pessoal através da ética da responsabilidade, que separa da riqueza a idéia de pecado. Dá inclusive para pensar, guardadas as devidas proporções, é claro, em Max Weber quando escutamos certas rádios evangélicas de hoje chamando para cultos: "Você, que está endividado, com o nome no SPC, que não tem mais a quem recorrer, que está desesperado, venha à assembléia na rua tal..." O apelo a uma vida melhor no céu associada ao sucesso pessoal/profissional na terra, parece-me, tem um pouco a ver com essa velha ética detectada pelo teórico alemão.

4.6.04

"When a man tells you that he got rich through hard work, ask him: 'Whose?'"

Don Marquis (1878-1937)

1.6.04

Minicontos do desconforto -- 71

Sentia nitidamente que o coração estava com capacidade ociosa: ansiava por amar mais, por passar o amor por um prisma e vê-lo espalhar-se em diversos tons. Não compreendia o zelo da sociedade pela constância absoluta (e na verdade impossível); de modo que só conseguia a realização plena tocando sua guitarra no quarto escuro e enchendo a noite de raios invisíveis que saíam de seu peito em chamas.

Os amigos faziam troça dele por ter coragem de lidar com as próprias emoções e aspirar a algo imaterial. Chamavam-no de medieval, retrô e outros adjetivos fáceis. Ele ria e fingia não se abalar; mas percebia a solidão deles (e a sua).

Então, depois de beber alguns uísques a mais numa noite fria de sábado, sonhou com um futuro onde os arqueólogos encontravam suas cartas a Cecily e ficavam se perguntando o que significariam vocábulos como "amo", "desejo", "alma", "beijo".

Despertou sobressaltado e ligou correndo para ela.

-- Venha jantar comigo, pelamordedeus.

-- São duas da manhã, querido.

-- Precisamos celebrar a vida antes que a Tempestade da Banalização vença. No fim, ela é a senhora de todos os impérios, de todos os tiranos, de todos os servos da etiqueta e da diplomacia. Eu sou apenas um homem, e neste invólucro não posso lhe dar todo o amor que sinto; mas o que posso lhe dar não é banal, não é lugar-comum, não é um cinza desbotado. Venha, porque o Tempo sempre passa por aqui e escarnece de meus cabelos cansados.

Cecily ia perguntar "o que deu em você", mas entendeu (e ele pôde sentir do outro lado da linha) que se o fizesse estaria sendo uma agente do banal, do ennui imperdoável.

-- Estou indo.

Quando ela chegou, os dois beberam, dançaram, fizeram amor e dormiram tão profundamente que era como se estivessem mortos. E, embora fizessem tudo como se o mundo fosse acabar amanhã, o Tempo se hospedou aquela noite no velho cuco parado, só para assistir, e a lua não quis ceder seu lugar ao sol, só se retirando após muita argumentação e ainda assim contrafeita.