30.11.01

Ainda não tive tempo de reunir todos os meus escritos em prosa para começar a publicá-los aqui (precisarei digitar meu ronance aos poucos). Enquanto eles não chegam, fiquem com a melhor descrição de orgasmo feminino que conheço...

"And it seemed she was like the sea, nothing but dark waves rising and heaving, heaving with a great swell, so that slowly her whole darkness was in motion, and she was Ocean rolling its dark, dumb mass. Oh, and far down inside her the deeps parted and rolled asunder, in long, fair-travelling billows, and ever, at the quick of her, the depths parted and rolled asunder, from the centre of soft plunging, as the plunger went deeper and deeper, touching lower, and she was deeper and deeper and deeper disclosed, the heavier the billows of her rolled away to some shore, uncovering her, and closer and closer plunged the palpable unknown, and further and further rolled the waves of herself away from herself leaving her, till suddenly, in a soft, shuddering convulsion, the quick of all her plasm was touched, she knew herself touched, the consummation was upon her, and she was gone. She was gone, she was not, and she was born: a woman." -- D. H. Lawrence.

PS -- Estarei desconectado, em viagem, na próxima semana, portanto não se assustem com a pausa nas blogadas... Volto dia 10/12, com tudo em cima. Até lá...

28.11.01

Demais, demais, demais este trecho da história "Sete beijos" do visceral guitarrista Gustavo de Almeida:

"Ela teve que ir embora. No dia do aniversário dele, e ele passou o dia fazendo isso, levando ela embora. Ouviram juntos a música do Radiohead que canta "she looks like the real thing", e ele chorou, no colo dela, porque sabia que tudo estava acabando ali, naquele momento. Preferiu chorar de uma vez, enquanto ela estivesse por perto -- não deveríamos ser assim com todos que amamos, chorar em sua presença, e não quando os corpos inertes em um caixão não podem mais aprender de vida com nossas lágrimas? Sim, ele foi ao próprio enterro, mas o corpo era o dela, e estava viva."

Cara, é isso aí. Eu já chorei diante de quem amei (e quem amo) umas boas vezes. E não tenho a menor vergonha disso. Parafraseando aquela fala do "The Commitments", I'm a weeper and I'm proud.





27.11.01

Olá. Aí vai mais uma crônica, que anteriormente publiquei no Falaê/Paralelepípedos. Em breve vou postar aqui, em capítulos, um romance que escrevi em 1991. Ele vai virar um blog-folhetim. ;-)

Enivrez vous!

A expressão acima, que também serve de título a um poema de Baudelaire e significa "embriaguem-se!", presta-se perfeitamente para identificar certos points cariocas. E não apenas os bares, centros de excelência da arte de de s'enivrer. (Na verdade, nem todos convidam ao prazer de uma garrafa. Eu diria que o boteco -- venha de onde tiver vindo, uma invenção do Rio -- é o primeiro lugar em que nos sentimos realmente chegados a uma genuína libação, em especial os pés-sujos. O antigo Color Bar, ao lado do prédio da Manchete na Rua do Russell, antes da reforma que o tornou mais palatável aos turistas que infestam o Hotel Glória, era o paraíso dos libadores e um dos chopes mais gostosos da região, sem falar nos sanduíches de polenguinho e de provolone com salaminho. Depois, tem a beira de praia, que dá ainda mais sabor a uma cerveja e torna um manjar dos deuses o peixe frito mais safado. E por aí vai, pois na verdade essa conversa etílica é para outra coluna.)
O que eu dizia é que existem certos locais em que você se embriaga não de álcool (pelo menos nem sempre de álcool), mas de uma espécie de arrebatamento celestial (ou infernal) que transforma de imediato quatro paredes ou muros em um destino certo a ser revisitado. Já que começamos a falar do Catete, darei outro exemplo local: o parque do Palácio do Catete, atual Museu da República. O lugar é carregado de uma forte mística e, ainda que varrido e tratado, mesmo hoje não perde seu ar de abandono, com seus canais e fontes inativos e solitárias estátuas pelos cantos. Nessa época do ano, é ímpar sentar ao sol e observar o farfalhar da vegetação, sentir o silêncio. Ou ler, especialmente algum livro denso, cujas palavras ali parecem gravar-se com maior renitência na mente. Ou ainda levar boa companhia e ter conversas completamente caleidoscópicas naquele borgiano jardim onde os caminhos de nossa História se bifurcam... Uma vez estive lá à noite, para assistir a uma encenação de "Rinoceronte", de Ionesco. Dizem que Vargas gostava de passear pelas aléias à noite, e gosto de imaginar o velho caudilho na noite enevoada de 23 de agosto de 1954 meditando sobre o iminente suicídio diante da fonte principal, que data de cem anos antes. (Pelo que sei, ele não fez nada disso aquela noite, que nem enevoada devia ser, mas gosto de imaginar assim mesmo.)
Outro lugar que faz o cérebro dar voltas e entrar em alfa é a livraria Leonardo da Vinci, no subsolo do edifício Marquês do Herval, no coração da avenida Rio Branco. Toda vez que entro lá tenho a impressão que estou numa catedral construída de livros, e espero a qualquer momento ver passar o sacerdote de Biblos com um turíbulo perfumado e balouçante na mão. É como se os livros falassem e contassem segredos em sussurros que acompanham o agradável tilintar dos pingentes a cada visitante que entra. Pode-se passar horas ali apenas tocando os livros e passeando pelas estantes, sem se dar conta da vida. Ainda que o seu relógio teime em caminhar para diante, tenha certeza de que ali o tempo pára. Seria uma das minhas escolhas para passar a eternidade, não fossem os livros finitos, é claro.
Já parou para pensar nisso? Devem existir lugares que, para você, são mágicos. Por vezes ficamos neles mais tempo do que planejávamos, sem perceber, tomados por algum instinto indefinível, e quando saímos nos damos conta de que estávamos em outro mundo. E às vezes o lugar é de uma simplicidade patética. Pode mesmo ser seu canto preferido em casa. Lugares assim me dão, apenas por sua perspectiva diferente, a certeza de que há pelo menos alguns mistérios que permanecem a salvo da fúria avassaladora da objetividade e da ciência.

26.11.01

Vamos soltar mais algumas coisas -- como este texto, que originalmente escrevi para o supersite Falaê, mas não resisto a publicá-lo aqui...

Títulos (quase) inesquecíveis

Não tem nada mais divertido (quer dizer, tem, mas vá lá) que comprar um jornal fait divers saído quentinho do forno no ponto de ônibus no terminal de ônibus ao lado da praça XV, ou na estação das barcas, às três da manhã, em especial se você estiver bêbado e quiser cuidar para não dormir no trajeto. Eu acabava dormindo assim mesmo, mas antes me entretinha com manchetes sensacionais, verdadeiras obras-primas da subliteratura como “Chinelada na bunda acaba com alegria da sapatão” ou “Levou onze tiros na cabeça e está vivo”.
Até me lembro duma antiquíssima matéria — “Boi de 400 quilos é retalhado por multidão faminta”, ou algo assim — que contava a história do pobre boi Amélio, que, imprevidente, caiu de um barranco nos fundos de um conjunto habitacional e foi impiedosamente retalhado pela galera da vizinhança. O pessoal estava com muita fome e invadiu o conjunto munido de facas, cutelos, serrotes e o escambau... Saiu num diário carioca como reportagem, mas tinha todos os retoques do mais puro realismo fantástico. Sem falar dos hilariantes entretítulos. Um era “Boi nos ares” e a ele se seguia, aproximadamente (escrevo de memória), o texto: “Tudo começou quando dois estudantes dobravam a esquina do conjunto tal, quando um deles olhou para cima e perguntou ao outro:
— Boi voa?
— Não.
— Bom, então caiu um boi ali do barranco”.
Ato contínuo, vinha a narração do ruído da turba enfurecida atacando o lugar e arrancando tudo do Amélio até restarem apenas os ossos. O final patético falava do desespero do português que era dono do boi acidentado, chorando de soluçar ao lado da ossada: “Ó pá, mas o que fizeram com meu Amélio?...”
Os títulos fait-divers deixam de ser engraçados quando é no seu texto que eles aparecem, cortesia de seu editor, que de vez em quando resolve mudá-los com uma sutileza hipopotâmica. Um velho amigo -- o inesquecível Marcão (Marco Antônio Anchieta) -- certa vez escreveu um conto nelson-rodriguiano em que o marido de Helena, uma mulher fria e distante, ia aos poucos descobrindo mudanças “calientes” nela, a ponto de abandonar sua amante e resolver, certa tarde, levar à esposa flores de surpresa. Ele, naturalmente, encontra a cara metade nos braços de outro... O título que o autor deu, “Flores para Helena”, foi mudado para “Helena, a insaciável”...
Depois disso, o Marcão decidiu estudar filosofia. ;-)
Este blog está sendo inaugurado como um atalho para meu blog original, "Comentários e Versos do Cadafalso", cujo endereço fica em http://andremachado.blogspot.com/. Estou aproveitando que a querida Cora Rónai deu o endereço trocado do meu blog em sua coluna no Informática Etc, de O Globo, para criar mais este, que vai tratar só de prosa, já que o Cadafalso original lida com poesia. Vou postar aqui várias outras coisas que tenho guardadas: diálogos, crônicas, etc. Cora, sem querer você me deu mais um blog ;-))

Para começar, um desvario logo de cara:

Carta aos infernos

Porto um desejo sob os olhos inquietos. Uma gota de néctar, um inferno brilhante de sal. Se meu êxtase dominar minha arte, então que ela seja dele a escrava. Meu amor cambaleia e a força dos dedos mal o consegue segurar -- essa dor da revolta entorna todo o líquido dos poros; e o perfume do silêncio transfigura a luz monótona. Não sei de relógios, nem de histórias, nem de biografias. Sei das tais linhas tortas, amo a noite das nossas desilusões, pergunto minuto após minuto sobre o que fizeste da tua louca fantasia de viver. O que resta do nosso quarto de badulaques? Por que não respondes? Queres ser imortal também? Eu quero. Mas desejo também subir a temperatura e volver a cabeça num beijo louco e eterno nos seios da vida e da música interminável. Que minha homenagem póstuma seja um copo vazio. Um copo de cristal, porém. Se minha arte sucumbir a minha energia, que possamos explodir em cinzas e sonhar por entre as ondas do oceano e do abismo de onde nos atirarão. Uma só insânia. Uma só espada. Um só parágrafo. Eis a chave, eis a porta também. A minha carta não tem envelope, nem será enviada. Ela está nas profundezas do meu peito em agonia.